sábado, 17 de maio de 2014

Somos Todos Macacos?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

"Somos todos macacos" foi mais uma das polêmicas produzidas dentro de um campo de futebol. Tudo começou quando o jogador Daniel Alves, atleta do time espanhol Barcelona, comeu uma banana atirada no campo pela torcida do time adversário. A imprensa oportunista, incluindo a equipe de publicidade do jogador Neymar, colega de time de Daniel Alves, lançou a campanha "Somos Todos Macacos". Muitos embarcaram na campanha, inclusive um certo apresentador de TV, que sendo dono de uma loja virtual, lançou uma camisa com o slogan "Somos Todos Macacos" junto a imagem de uma banana. Não precisa dizer que o dito cujo faturou muito com a polêmica...

Eis aí as contingências do capitalismo transformando um debate tão importante, como é o caso deste que gira entorno do racismo, em uma mercadoria. De quebra a transformação do debate em mercadoria acaba contribuindo para o seu esvaziamento. O seu esvaziamento é funcional aos anseios daqueles que administram as contingências do capital, pois assim podem continuar usando estas contingências para explorarem os que estão às margens da sociedade, inclusive e principalmente os negros. Desta forma vai sendo feita a manutenção das contingências coercitivas, aquelas cujo os resultados nefastos nós conhecemos, que vão desde a desumanização do homem até a sua completa aniquilação.

No entanto, não é este o foco deste texto. Tecnicamente, que resposta pode ser dada para a pergunta que intitula este post? Afinal, somo todos macacos ou não? Definitivamente não! Não somos todos macacos, ainda que guardemos com os chimpanzés uma semelhança genética de 98%. Desde o polegar opositor ao neocórtex mais desenvolvido, há muitas diferenças que nos distanciam dos macacos. E não se trata apenas de diferenças estruturais, mas também de diferenças que surgem a partir de nossa inserção no mundo da linguagem, da nossa capacidade de ampliarmos os efeitos das contingências ontogenéticas através das descrições que delas fazemos, o que é indicativo de que o comportamento verbal inaugura um novo tipo de seleção que supera e complementa os outros níveis que operam na filogenia e na ontogenia.

A filogenia prepara a espécie para um ambiente semelhante ao que ela se desenvolveu. A ontogenia seleciona comportamentos que permitem uma melhor adaptação a um mundo em constante mudança. E não venham os críticos da noção de adaptação igualarem-na à ideia de submissão. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Adaptar-se é comportar-se com o repertório comportamental que se tem dada as circunstâncias que selecionaram este repertório e as contingências que no presente continuam fazendo a sua manutenção.

Um indivíduo pode ter como alternativa para lidar com determinados problemas o escape proporcionado por entorpecentes. Dada a sua história de vida e as contingências que fazem a manutenção dos comportamentos que levam ao uso de drogas, a utilização destas substâncias pode ter sido a alternativa construída como saída para lidar com os problemas que se vive. Esta é uma forma de adaptação. Já um outro indivíduo com uma outra história de reforçamento, pode encontrar na arte, nos estudos, no trabalho ou numa vida de ativista político a sua forma de adaptação. Adaptar-se não é submeter-se. Adaptar-se é comportar-se com o repertório que se tem, modelado e mantido por contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais.

Com relação a sociogenia, o nível em que operam as contingências culturais, contingências que selecionam práticas culturais que mantêm a forma de funcionar de uma cultura, o que se tem a dizer é que elas nos distanciam de qualquer possibilidade de sermos macacos. Mas não nos entusiasmemos muito, pois não podemos ignorar que compartilhamos com as outras espécies, inclusive com os macacos, aquilo que nos torna tão humanos: as leis que regem os nossos comportamentos, e é isto que possibilita a generalização dos resultados de estudos feitos a partir da análise das contingências envolvidas na determinação do comportamento animal para o entendimento do comportamento humano.

Não somos assim tão especiais quanto pensamos. Querendo ou não, compartilhamos com os macacos, e não somente com eles, uma história evolutiva em comum. Tanto eles como nós temos comportamentos selecionados por causa do seu valor de sobrevivência: comportamentos respondentes. Tanto eles como nós temos comportamentos que são afetados pelas consequências que produzem, e o que torna isso possível para humanos e não humanos é a susceptibilidade ao reforçamento. A susceptibilidade ao reforçamento, ou seja, a sensibilidade de certa classes de comportamentos às consequências que produzem, é um produto da evolução.

Depois de Galileu ter retirado a Terra do centro do universo, a segunda grande decepção da humanidade foi constatar que ela não era a obra prima da criação. Este foi o grande golpe desferido por Charles Darwin contra a vaidade humana, vaidade tão anticientífica. Mais do que anticientífica, ela perpetua a crença no criacionismo, que diga-se de passagem é uma prática cultural muito comum em círculos religiosos que se protegem dos avanços da ciência criando entorno de si uma blindagem metafísica.

O terceiro e definitivo golpe é aquele produzido a partir dos estudos da Análise Experimental do Comportamento, que revela-nos que não só compartilhamos uma história evolutiva em comum com as outras espécies, como também compartilhamos as leis que regem o funcionamento do nosso comportamento, ou seja, as contingências envolvidas na determinação do comportamento animal são as mesmas envolvidas na determinação do comportamento humano, e isso se aplica ao comportamento verbal, que é um exemplo de comportamento operante, de comportamento afetado pelas consequências que produz.

Não somos macacos, mas nada nos autoriza a ignorarmos as descobertas que já foram produzidas a partir do estudo do comportamento animal!


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