domingo, 5 de janeiro de 2014

Introspecção: um exemplo de comportamento

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

No nascimento da Psicologia, que de acordo com os manuais históricos ocorreu em 1879 com a criação do primeiro laboratório de Psicologia na Universidade de Leipzig na Alemanha, a instrospecção ocupava o lugar de destaque. Wund, criador do referido laboratório, foi um dos precursores na utilização da introspecção como método de estudo. Introspecção é uma palavra formada pela junção de duas outras: intro + prospecção. Intro quer dizer dentro e prospecção significar sondar. Sendo assim, introspecção é o mesmo que olhar para dentro em busca de algo, em busca da realização de algum tipo de sondagem.

Durante muito tempo a introspecção continuou sendo utilizada como método de estudos. Sua finalidade era possibilitar a sondagem dos elementos responsáveis pela formação da vida mental. Lógico que sua utilização envolvia uma série de dificuldades, e por isso o observador tinha que ser treinado para observar os seus próprios estados internos, de modo que seu relato pudesse ser o mais livre possível de contaminações subjetivas. A ciência se edifica sobre métodos, não somente sobre estes, mas faz deles usos que os tornam indispensáveis na produção de conhecimento científico, não sendo possível imaginar a empreitada científica sem a utilização de alguma metodologia.

Mas imaginemos as dificuldades envolvidas na utilização da introspecção. Há dificuldades metodológicas e também epistemológicas. Estas últimas dão origem a um raciocínio mentalista circular, em que as observações dos estados internos constituem o único indício de uma mente em funcionamento, ou seja, os efeitos são as únicas evidências das causas, se é que os estados internos observados podem de fato serem chamados de efeitos.

Uma outra alternativa mais interessante é pensarmos a introspecção como mais um comportamento a ser explicado. O comportamento de olhar para dentro é válido? Certamente! Mas ele é um comportamento como qualquer outro e deve ser explicado a partir das contingências de reforçamento. O que nós vemos quando enxergamos o nosso interior? Não temos olhos de raios-x, então, não podemos ver as nossas vísceras, e mesmo que pudéssemos isso não seria muito agradável.

Ao olharmos para o interior, ao contrário do que se pensa, não enxergamos uma mente em funcionamento. Enxergamos o nosso comportamento em funcionamento. O que enxergamos relatamos em forma de sentimentos. Ao olharmos para o nosso interior podemos sentir com mais acuidade nosso peito apertado e nossa respiração ofegante. Essa observação é relevante, pois permite-nos dar um nome para esses estados fisiológicos: angústia. Identificada a angústia podemos nos questionar: que eventos estão me deixando angustiado, que eventos estão fazendo com que eu me sinta desta forma? O mesmo procedimento é válido para outros estados emocionais.

A pergunta sobre as causas a respeito dos estados emocionais é importante, pois faz o olhar voltar-se para fora, para as contingências de reforçamento. Posso estar me sentindo angustiado por ter feito algo muito errado, por ter magoado alguém, por ter ferido uma pessoa que gosto. Essa pessoa pode ter suspendido temporariamente alguns reforços positivos em função do meu comportamento coercitivo. Então, o que sinto é um produto destas contingências de reforçamento. Se consigo fazer a correlação entre o que é sentido e o que ocorre em termos de contingências de reforçamento, posso dessa forma alterar estas contingências. Posso me desculpar, posso reconhecer os meus erros, posso tentar restabelecer o relacionamento rompido etc.

Posso aprender com as contingências e compreender que a pessoa ferida não suporta certos comportamentos meus direcionados a ela. Na presença dessa pessoa terei que evitar certos comportamentos. Desse modo a presença dela é estímulo discriminativo para evocar comportamentos contrários aos comportamentos de tratá-la coercitivamente, o que explicaria o meus comportamentos de autocontrole. O autocontrole consiste em manipular de tal forma as contingências de modo a evocar comportamentos incompatíveis com aquilo que pede as circunstâncias.

Voltemos ao comportamento de introspecção. No cotidiano ele é de grande relevância, pois permite a observação de tendências de nos comportamos neste ou naquele sentido. Ele possibilita a observação de nossos estados emocionais, e as emoções fornecem indicações sobre as contingências que afetaram nossos comportamentos no passado, que afetam nosso comportamento no presente e que podem afetá-lo no futuro. A introspecção permite a construção de autoconhecimento, e este é um comportamento modelado pela comunidade verbal por causa do seu valor em promover relações interpessoais mais saudáveis.

Todavia, temos grandes dificuldades de colocar em prática no cotidiano o comportamento de introspectar nossos estados emocionais e repertórios comportamentais encobertos. Isso é compreensível, tendo em vista que corremos o risco de nos depararmos com descobertas a nosso respeito que podem ser assustadoras. Nesse sentido a introspecção pode estar associada ao controle coercitivo. No entanto, não há alternativas. Se queremos ampliar o conhecimento que temos sobre nós mesmos, a introspecção pode ser uma via que possibilite a descrição das contingências relacionadas ao nosso comportar-se.

Vamos, então, introspectar? Eu estou fazendo isso e espero lograr muitos êxitos. Convido o leitor a fazer o mesmo...

Abraços!


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sábado, 4 de janeiro de 2014

Jesus e as Relações Interpessoais

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O que este texto pretende é proceder a uma análise de algumas passagens dos evangelhos, tentando com isso evidenciar as contingências que envolvem os comportamentos de Jesus, e como estas parecem apontar para algo que está no centro da missão de divulgar a boa nova: transformar o mundo através da transformação das pessoas.

Não é pretensão dessa análise realizar questionamentos sobre a historicidade do personagem que na bíblia é descrito como Jesus e nem mesmo sobre a sua divindade tão advogada pelas religiões cristãs, divindade utilizada como critério para apontá-lo como o senhor do Céu e da Terra. Mas, o que se pretende é demonstrar a centralidade da missão de Jesus em divulgar uma boa nova que tem como tema central o amor, e para isso o veículo utilizado foram as relações interpessoais, afinal, ao falar de amor, ele precisava demonstrá-lo por meio das relações estabelecidas com as pessoas que o seguiam.

E como demonstrar amor? Jesus ensinava lições de amor dando exemplos de como ele poderia ser expressado. Eis aí um exemplo de modelação. Na modelação o comportamento de alguém serve de modelo. O comportamento de alguém como modelo tem a função de estímulo discriminativo, cuja função é sinalizar os reforços positivos que serão apresentados se o comportamento for imitado. Boa parte dos comportamentos aprendidos na infância ocorrem por modelação. A criança imita os pais, e e pela imitação acaba recebendo alguns reforços.

O jeito de ensinar de Jesus se distinguia da forma de ensinar dos fariseus e doutores da lei, grupos que ele criticava com frequência, pois ao mesmo tempo em que se entregavam aos rituais, por outro lado se mantinham longe das pessoas, e sobretudo, submetiam-nas a regimes religiosos bastante opressores. O texto da mulher apanhada em adultério fornece um bom exemplo das habilidades sociais de Jesus e de como ele valorizava muito mais o contato humano - contato permeado por muitos reforços positivos - do que os rituais de oblação e expiação dos pecados.

Estes rituais tinham duas funções: 1) Manter o poder da classe de sacerdotes que dominavam a forma de execução dos rituais; 2) Manter a arrecadação do templo, que além de ser um centro religioso, era também um centro financeiro importante. Não é difícil concluir então, que os sacerdotes do tempo de Jesus utilizavam os poderes que tinham para oprimir o povo, e faziam isso buscando na religião as justificativas para a manutenção de um sistema coercitivo que rendia altos dividendos para a privilegiada casta sacedortal. Essa religião estabelecia um distanciamento entre os sacerdotes e o povo e esse distanciamento era permeado por muita coerção.

Ao valorizar as relações interpessoais Jesus rompe com esse sistema que usa a coerção como meio exclusivo para manter o controle dos fiéis. Voltemos ao exemplo da mulher adúltera (João 8, 1-11). Esta mulher seria apedrejada por ter sido apanhada em adultério. Escribas e fariseus levaram-na diante de Jesus. Como se não bastasse lembraram que a lei de Moisés mandava apedrejar esse tipo de mulher até a morte. Narra o evangelho de João que a resposta de Jesus não foi imediata, pois deteve-se durante um tempo escrevendo com o dedo no chão. Temos duas possibilidades para o comportamento de Jesus: 1) Jesus tentou conseguir um tempo para pensar antes de dar uma resposta; 2) Jesus evitou entrar em confronto direto com os escribas e fariseus, pois estes estavam exaltados e desejavam colocá-lo à prova.

A segunda possibilidade parece ser a mais provável tendo em vista os comportamentos de Jesus em outras passagens encontradas nos outros evangelhos, passagens em que ele responde ao ódio com o amor e o perdão (Lucas 7, 36-47) e às  ofensas com o acolhimento (Lucas 22, 50). Jesus respondeu aos escribas e aos fariseus: "Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra." (João 8, 7b). Esta é uma valiosa lição para se praticar no âmbito das relações interpessoais. Todos erram. Às vezes os erros dos outros punem com bastante intensidade alguns de nossos comportamentos, assim como os nossos erros também podem punir os comportamentos de pessoas muito próximas.

Conforme os costumes da época a mulher adúltera havia errado, e certamente seu erro puniu gravemente alguns comportamentos do seu esposo. Mas Jesus assume uma postura diferente aos costumes da época que aconselhavam o tipo mais severo de punição: a morte por apedrejamento. O que ensina Jesus com este exemplo? Ele ensina que não se combate coerção com coerção. E ao final do mesmo texto encontramos a seguinte descrição: "Então ele se ergueu e vendo ali apenas a mulher, perguntou-lhe: 'Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?' Respondeu ela: 'Ninguém, Senhor.' Disse-lhe então Jesus: Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar". (João 8, 10-11).

Jesus não condenou. Ele poderia ter seguido o grupo. Poderia ter se vingado. E vingando, poderia ter condenado a mulher. Aliás, ele a livrou da condenação dos outros e da condenação que ela poderia dirigir a si mesma. Talvez nisso resida a beleza do perdão, em libertar os outros do fardo emocional da culpa que pode se originar das mais diferentes contingências coercitivas. Comportamentalmente falando, o perdão sinaliza que aquele que perdoa não está disposto a revidar com a mesma lógica da coerção utilizada por aquele que cometeu o "delito". Coerção não elimina coerção. Ao contrário, gera um ciclo vicioso de coerções. Basta que olhemos para o nosso sistema prisional e constataremos que a coerção utilizada para "corrigir" os detentos só faz crescer as rebeliões e multiplicar as facções criminosas dentro do próprio sistema.

Há mais alguma coisa no perdão. Ele oferece a possibilidade do perdoado tomar consciência das condutas que de sua parte provocaram danos em alguém. Isso faz todo o sentido se levarmos em conta que o homem é um ser verbal, um ser inserido numa comunidade verbal e que suas interações com o mundo são mediadas por esta comunidade. O perdão aponta para as consequências do comportamento que provocou os danos, e como bem sabemos são as consequências do comportar-se que movem o mundo, ou seja, o operante é uma classe de comportamentos determinados pelas consequências que produzem.

Se a comunidade verbal explicita as condições responsáveis pelo comportamento e como as suas consequências foram capazes de provocar danos os mais diversos, ela está dando ao ouvinte a oportunidade de descrever o próprio comportamento e as condições do qual ele é função. Isso gera aprendizagem e possibilita o controle por regras, de modo que o ouvinte pode dizer para si mesmo que comportamentos geram danos e que comportamentos produzem benefícios. Não adianta apenas punir o comportamento que produziu danos. A punição não ensina o que precisa ser feito. No máximo ela ensina o que não deve ser feito, e consegue isso produzindo paralelamente subprodutos emocionais bastante nocivos: angústia, ansiedade, medo, culpa etc. No fim das contas não se combate coerção com coerção.

Em Mateus 5, 38 Jesus deixa clara o que ele pensa sobre a coerção: "Tendes ouvido o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra." A nota de rodapé da bíblia Ave Maria interpreta esse trecho mencionando que Jesus salienta a importância de se ter um espírito de suavidade e paciência, e que se deve evitar a todo custo a prática da vingança. Em termos comportamentais podemos dizer que praticar a suavidade significa ao mesmo tempo evitar a coerção como método de controle e utilizar o reforçamento positivo como meio para a resolução das querelas de todos os tipos

E Jesus não perde a oportunidade de apontar que os atos concretos geradores de reforçamento positivo são mais importantes do que os rituais: "Se estás, portanto, para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-se com teu irmão; só então vem fazer a tua oferta" (Mateus 5, 23-24). Eis uma alusão à importância das relações interpessoais, e de que estas devem estar baseadas em reforçamento positivo, mesmo quando existe entre as pessoas querelas que as distanciem. O que Jesus salienta é que o perdão diante do altar tem pouco valor se ele não gera mudanças concretas nas relações interpessoais.

Jesus incentiva as pessoas a se aproximarem uma das outras e resolverem os seus problemas. A religião de Jesus é a religião das relações interpessoais. E religião significar religar. O que Jesus ensinou foram meios para as pessoas se religarem. A amálgama deste religamento é o amor, e a forma de colocá-lo em prática é abolindo a coerção - "olho por olho, dente por dente" - e utilizando o reforçamento positivo. Este último pode se expressar por meio do perdão e da reconciliação. Mesmo no auge de sua dor, pendurado na cruz, Jesus foi capaz de dizer: "Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem" (Lucas 23, 34a). Jesus não olhou apenas para a sua dor. Poderia ter praguejado e proferido juras de maldição, mas mesmo no último instante de sua vida ele ensina que os efeitos do reforçamento positivo devem suplantar o uso da coerção, mas para que isso aconteça devemos escolher a alternativa da construção de relações que sejam naturalmente reforçadoras.

Então, temos ou não muito a aprender? Falo por mim... Eu tenho muito a aprender com Jesus! E que em 2014 procuremos construir relações naturalmente reforçadoras através da prática do perdão e da reconciliação. Esses são os votos do Blog Café com Ciência para todos os seus seguidores. E para os que eu causei algum dano em 2013 ou em qualquer outro tempo, vai aqui o meu mais sincero pedido de desculpas!

Shalom e feliz ano novo!


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