quinta-feira, 29 de agosto de 2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Lei da Atração e Comportamento Encoberto

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Dizem por aí que basta pensar positivo para que tudo ao nosso entorno se transforme. Será? A literatura de autoajuda chama esse fenômeno de "lei da atração". Funciona mais ou menos assim: o pensamento positivo agiria como um imã capaz de atrair a ocorrência de eventos positivos. Da mesma forma o pensamento negativo atrairia a ocorrência de eventos negativos. É como se os pensamentos tivessem propriedades magnéticas e por isso atraíssem a ocorrência de fenômenos com polaridades similares.

No entanto, esse paralelo com a física não pode ser levado muito longe. Primeiro porque os pensamentos não possuem propriedades magnéticas. Quando pensamos até ocorre no córtex mudanças neuroquímicas que produzem impulsos elétricos, e estes impulsos se fazem por meio do rearranjo de elétrons, o que acaba criando um pequeno campo magnético, mas nada suficiente para atrair qualquer objeto metálico, muito menos a ocorrência de eventos positivos ou negativos, se é que os termos positivo e negativo querem dizer alguma coisa. No máximo eles fazem referência ao tipo de controle que está operando sobre o comportamento, indicando se este está sendo submetido a controle aversivo ou reforçamento positivo. Se fosse assim, todos seríamos como o Magneto, inimigo número um do Professor Charles Xavier dos X-Men. Viveríamos, portanto, a atrair ou repelir metais.

O pensamento é comportamento. O pensamento é um evento privado. O Behaviorismo Radical não se furta a explicar os eventos privados. O pensamento é chamado de comportamento encoberto. O termo encoberto faz referência ao fato de que este comportamento ocorre num num nível que só pode ser acessado por quem se comporta. Pensamento não é causa de comportamento. Ele até pode ser um elo numa cadeia de comportamentos, produzindo estímulos discriminativos que aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos públicos. Eis aqui uma explicação plausível para a "Lei da Atração". Para entender o que são estímulos discriminativos e como eles agem, é aconselhável que o leitor leia o texto "Condicionamento operante: definição e aplicações". 

Quando alguém pensa positivamente, este comportamento encoberto pode alterar estímulos que aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos públicos. Uma pessoa que pensa que vai ganhar na loteria, até pode vir a ganhar na loteria, mas não porque pensou que ganharia e o pensamento se concretizou. Ao pensar que iria ganhar na loteria, tal comportamento encoberto gerou estímulos que aumentaram a probabilidade de ocorrência dos comportamentos de apostar. Os comportamentos de apostar acabam produzindo chances reais de se ganhar na loteria. Alguém pode pensar que vai se tornar um profissional excepcional. Este pensamento aumenta as chances da pessoa se comportar de modo a se tornar um profissional excepcional.

Vejam, então, que o que muda o mundo são comportamentos. É o que aprendemos com a definição de comportamento operante, um comportamento que opera no mundo modificando-o, e por sua vez também é modificado pelas alterações que produz. São ações que mudam o mundo ao nosso entorno. Mas, muitas vezes agimos sem que tenhamos consciência de que estamos agindo de determinada forma e quais são as variáveis relacionadas às maneiras como nos comportamos. Essa inconsciência a respeito do que se faz, do como se faz e do porque se faz, acaba gerando a impressão de que muitos eventos estão relacionados ao que pensamos. Mas não é o pensamento que altera o mundo. Ele pode até criar as condições para que certos comportamentos sejam emitidos. Todavia, são os comportamentos que alteram o mundo em que vivemos e por sua vez estas alterações acabam nos modificando sem que muitas vezes tenhamos a consciência de que as mudanças estão acontecendo.

Como qualquer outro comportamento, o pensamento também está sujeito às ações de suas consequências. Da mesma forma, ele também está sujeito às ações dos contextos em que ocorre. Pensamentos são comportamentos que foram aprendidos publicamente. Posso imaginar que estou dirigindo o meu carro. Consigo visualizar que estou segurando o volante, virando a chave, posicionando a marcha, alterando as posições dos pedais etc. Posso até sentir o carro se deslocando. Mas tudo isso é possível porque o comportamento de dirigir um veículo foi aprendido depois que fui exposto a contingências de reforço que tornaram possível a sua modelagem. No meu caso aprendi a dirigir um automóvel com o instrutor de uma auto-escola. Ele dizia o que eu devia fazer e eu seguia as suas instruções. Na medida em que o comportamento de seguir suas instruções eram consequenciados com reforçamento positivo, seja o reforçamento proporcionado pelo próprio instrutor, ou o reforçamento gerado pelo carro em movimento, criou-se as contingências para a modelagem do comportamento de dirigir.. A princípio meus comportamentos estiveram sob o controle de regras formuladas pelo comportamento verbal do instrutor, mas depois ficaram sob o controle das contingências arranjadas pela mecânica do carro.

Pensamento não é a mente em movimento! Pensamento é comportamento que precisa ser analisado à luz das contingências de reforço. São estas que serão reveladoras no sentindo de apontar porque um determinado comportamento está ocorrendo em nível encoberto e não em nível aberto. Alguém pode pensar na presença de uma outra pessoa: "que sujeito chato!". Se dissesse isso abertamente poderia estar sujeito a punições. O pensar permitiu a esquiva de contingências de controle aversivo. O pensar também pode proporcionar reforços positivos não encontrados na realidade, e neste caso ele seria chamado de fantasiar. Alguém pode imaginar-se rico, morando em uma mansão e andando de carro importado. Momentaneamente estes pensamentos proporcionarão reforçamento positivo. A questão é se o sujeito se torna refém do reforçamento gerado por meio de fantasias, o que o faz se distanciar da realidade. Neste caso só as contingências revelariam o motivo deste sujeito agir desta forma.

Portanto, a lei da atração é um bom exemplo de controle de estímulos. Comportamentos encobertos podem gerar estímulos que alteram a ocorrência de comportamentos públicos, e por sua vez os comportamentos públicos tornam mais provável a concretização daquilo que foi imaginado em pensamento. Não há nenhuma magia nisso. Mas é bom que se saiba, o que muda o mundo são as ações! Você até pode pensar positivo, mas tente agir de modo a aumentar as chances de ocorrer aquilo que tanto almeja.



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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Há algo mais profundo que as contingências de reforço?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Psicologia profunda é somente aquela que cuida da mente inconsciente? Muitas vezes o termo profundidade é quase sinônimo de vida mental, ou ao menos aponta para a possibilidade de existência de uma vida mental, de uma mente que funciona apesar de todo ato de volição. Isso faz com que a psicologia fique dividida entre as psicologias profundas, aquelas que cuidam da vida mental, em especial se debruçam sobre a tarefa de desvendar os segredos do inconsciente, e as psicologias superficiais, aquelas que tratam o comportamento apenas como respostas que surgem como ações provocadas por estímulos. Nada mais enganoso!

O mentalismo é mesmo encantador. Ele abre-nos a possibilidade de uma hermenêutica sem fim, fazendo acreditar que ciência se constrói com retórica. Retórica como a arte de falar não define aquilo que o cientista faz. O cientista trabalha com previsão e controle, e isso significa que deve ser capaz de isolar as variáveis responsáveis pelo comportamento de seu objeto de estudos. Não há nada mais trabalhoso e "profundo" do que selecionar as variáveis relevantes para a explicação do comportamento de um determinado de objeto de estudos, principalmente quando este objeto é o comportamento humano.

O problema com o mentalismo é que ele não deixa claro quais são as variáveis relevantes para se ter um mínimo de controle e previsão sobre o comportar-se. Se estas variáveis são o id, o ego e o superego, não temos como alterá-las, uma vez que são inacessíveis a qualquer tentativa de manipulação direta. Objetariam os mentalistas dizendo que estas podem ser acessadas indiretamente via comportamento. Então, temos aqui um problema. Se o objeto de estudos, no caso o comportamento, é a única evidência sobre as variáveis que o produzem, não há possibilidades reais de serem testadas mudanças significativas neste objeto, já que a rigor é inviável provar que as mudanças apontadas estão relacionada a alteração em certas variáveis. Em outras palavras, qualquer relação de causalidade não pode ser estabelecida, o que abre campo para a pura especulação.

O problema se agrava quando se hipotetiza sobre as variáveis causadoras do comportamento, especulando que estas têm um comportamento muito próprio. Isso vai tornando cada vez mais problemático o estudo, pois não são mencionadas que outras variáveis são responsáveis pelo comportamento daquelas variáveis que são diretamente responsáveis pelo comportar-se. As variáveis responsáveis pelo comportar-se precisam ter o seu comportamento explicado, e ao se explicar o comportamento destas, perde-se o foco do comportamento em si. Desta forma, toda explicação mentalista tende a ser circular. O comportamento é a única evidência das causas que o provocam, e as causas precisam ter o seu comportamento explicado para que se possa acreditar que o comportamento em si é uma evidência contundente daquilo que o causa. No fim das contas o comportamento é a explicação para si mesmo.

As contingências de reforço fornecem-nos uma saída mais interessante, pois indicam qual é o objeto a ser estudado e quais são as variáveis responsáveis pela forma como esse objeto se apresenta. Na Análise do Comportamento as contingências de reforço constituem a unidade básica de análise. Elas indicam a princípio que pelo menos dois processos são responsáveis pela ocorrência do comportamento: o reforçamento e o controle por estímulos. Para melhor compreensão destes processos é sugerida a leitura do texto "Condicionamento operante: definição e aplicações."

O reforçamento faz referência às operações de consequenciação. Trocando em miúdos, o comportamento é afetado por suas consequências, que podem ser de dois tipos: reforçamento positivo e negativo. A princípio parece ser um modelo explicativo bastante simples. Mas não é como parece. As consequências afetam o comportamento de diferentes formas. Elas vão depender, por exemplo, dos esquemas que determinam a forma como elas são apresentadas, e aqui entramos no terreno dos esquemas de reforçamento. O leitor vai entender melhor os esquemas de reforçamento lendo outro texto deste blog: "Jogos de azar: uma breve reflexão sobre os esquemas de reforçamento." O esquema de reforçamento vai ser determinante para que as consequências produzam comportamentos mais ou menos resistentes à extinção, comportamentos mais ou menos frequentes, comportamentos mais ou menos vigorosos.

O número de consequências que podem afetar os comportamentos que constituem nosso repertório total de comportamentos são incontáveis. Algumas consequências podem ter maior poder de controle sobre o comportamento se forem biologicamente importantes: sexo, bebidas, comidas etc. A importância biológica vai ser determinada pela história filogenética da espécie a qual o organismo pertence. Então, o ambientalismo como modelo explicativo não está contido em si mesmo, pois depende de outros níveis de explicação. A adoção do modelo de causalidade ambientalista remete-nos a um diálogo fecundo com outras ciências que explicam como funcionam o substrato biológico que dá amparo ao comportar-se. Neste sentindo, uma psicologia contida em si mesma é um projeto estéril desde a sua concepção. Não se faz análise do comportamento sem considerar variáveis ambientais e também variáveis biológicas.

O número de consequências que afetam o comportar-se aumenta exponencialmente se considerarmos que variáveis previamente neutras quando associadas a outras variáveis que já afetam o comportar-se, passam a adquirir poder de controle sobre este. Neste rol entram aquelas variáveis que foram associadas às consequências de importância biológica. Estas novas variáveis podem se associar a outras, gerando, assim, novas variáveis controladoras do comportamento. Há um infinito de possibilidades de associações entre variáveis ambientais e comportamentais, o que demonstra o quão "profundas" são as contingências de reforço.

Até aqui estivemos considerando somente as operações de reforçamento. Há as operações de controle de estímulos, o que é outra forma de dizer que não somente as consequências afetam o comportar-se, mas também os contextos em que os comportamentos ocorrem. Nestes contextos estão estímulos que assumem o controle do comportamento depois de serem associados às consequências. Após esta associação estes estímulos adquirem a função de sinalizadores de consequências, aumentando ou diminuindo a probabilidade dos comportamentos que controlam. No texto "O Condicionamento operante: definição e aplicações" o leitor vai encontrar uma explicação mais detalhada sobre como os contextos assumem o controle do comportar-se.

O número de variáveis dos contextos que afetam o comportar-se é ampliado se considerarmos que outras variáveis parecidas àquelas que controlam as emissões do comportamento, adquirem também a função de diminuir ou aumentar suas probabilidades de ocorrência. Por sua vez, o poder de controle destas variáveis sobre o comportar-se vai depender dos esquemas de reforçamento, ou seja, vai depender da forma como as consequências ocorrem. As combinações entre variáveis do contexto e as operações de consequenciação podem ser as mais diversas possíveis, o que revela o caráter multideterminado do comportamento, ao mesmo tempo que revela a complexidade deste objeto de estudos. Sobretudo, revela quão "profunda" são as contingências de reforço.

A coisa piora se ainda considerarmos que as contingências dos comportamentos individuais podem se entrelaçar com as contingências culturais. Por sua vez a cultura acaba estabelecendo regras para as condutas individuais, regras que afetam o comportamento de pessoas e grupos. O resultado final do comportamento de pessoas, grupos e instituições é a manutenção ou mudança de padrões culturalmente estabelecidos, e tais padrões podem ser determinantes para a sobrevivência da humanidade e de seu modo de existir. E aqui se revela a necessidade de diálogo da Análise do Comportamento com as Ciências da Sociedade, por mais que estas tenham a tendência em descrever as culturas em termos topográficos ou apelarem para descrições mentalistas no afã de explicar os comportamentos das coletividades.

De tudo isso fica uma constatação: as contingências de reforço são muito mais profundas do que qualquer modelo de causalidade mentalista. Enquanto unidade de análise as contingências do reforço permitem uma visualização das variáveis determinantes para a ocorrência do comportar-se, e da complexidade que envolvem a sua emissão. Sobretudo, elas permitem a construção de uma empreitada científica que abre margens para o controle e previsão. Por sua vez esta empreitada as transforma em um instrumento não somente de análise, mas também numa poderosa ferramenta de intervenção. Então, porque as contingências do reforço não haveriam de ser profundas?



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