sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Psicopatologia: o que o Behaviorismo Radical tem a nos dizer?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Se Psicologia significa o estudo da vida mental, faz parte deste estudo a investigação sobre os quadros patológicos que venham a perturbar o funcionamento da mente. Neste sentido, a construção de uma psicopatologia, confere à Psicologia o estatuto epistemológico que ela precisa para ser reconhecida como área do saber que pode reivindicar para si o status de ciência. Então, a luta da Psicologia para ser reconhecida como ciência, coincide com o esforço empreendido na identificação dos diversos quadros patológicos, em saber situar a origem destes quadros e seus possíveis desdobramentos, podendo, assim, proceder a diagnósticos e prognósticos.

Tudo isso acaba conferindo à Psicologia uma utilidade, pois, desta forma, as patologias se tornam tratáveis, e aquilo que faz o homem sofrer pode ser eliminado ou ao menos minimizado. Todavia, a psicopatologia, pilar que dá à Psicologia a possibilidade de ter um estatuto epistemológico próprio, pode ser questionada, e sua fragilidade se revela quando se tem a possibilidade de demonstrar que aquilo que é chamado de doença, muitas vezes não passa de formas de agir que foram aprendidas a partir da vivência de certas experiências.

É aqui que se revela a grande contribuição do Behaviorismo Radical para a Psicologia, que é demonstrar que por mais estranho que seja um comportamento, por mais que ele produza desconforto, por mais patológico que pareça, seja por causa da forma estereotipada como é expressado, seja pela frequência com que interfere na emissão de outros comportamentos capazes de produzirem benefícios, ele é um comportamento aprendido, pelo menos isso é verdade quando se trata de comportamento operante. Não se trata de ignorar outros tipos de comportamentos que sejam produtos de outras formas de seleção, e neste artigo serão destacadas três: filogenética, ontogenética e cultural.

O Behaviorismo Radical, cujo criador é B. F. Skinner, é a filosofia de um modo bastante particular de investigação do comportamento (SKINNER, 1993), filosofia que ao invés de adotar a mente e assemelhados como objeto de estudos da Psicologia, elege o comportamento como sendo este objeto. Este modo particular de investigação é conhecido como Análise Experimental do Comportamento. O método experimental compõe o conjunto de estratégias utilizadas para a produção de conhecimentos sobre o comportamento visando investigar as leis que o governam, por meio de manipulação sistemática de variáveis.

O Behaviorismo Radical é chamado de radical porque nega radicalmente explicações não materiais e se dedica ao estudo de qualquer comportamento sendo ele público ou privado. Mente e assemelhados são constructos hipotéticos que nada explicam e no modelo de causalidade ambientalista adotado pelo Behaviorismo Radical, é importante que se ressalte que ambiente é entendido como tudo aquilo que é externo ao comportamento e não necessariamente o que é externo ao organismo. (RIBEIRO et al, 2011). Esta definição de ambiente é ampla o suficiente para englobar aqueles eventos que são chamados de privados, pois tudo que afeta o comportar-se pode ser chamado de ambiente, inclusive eventos que se passam sob a pele, que se passam no mundo interior.

Eventos privados são aqueles acessados somente por quem se comporta (BAUM,1999). Pensamentos, imaginação, sonhos, emoções, entre outros, são exemplos de eventos privados. Mas, não é porque são privados é que são mentais (RIBEIRO et al, 2011). Estes são eventos comportamentais assim como os comportamentos públicos, ou seja, têm a mesma natureza de comportamentos acessíveis diretamente à observação. Em outras palavras, são eventos naturais, que ocupam um lugar no tempo e espaço, e por isso podem ser estudados cientificamente, inclusive com uso do método experimental. A única diferença entre eventos privados e públicos é a acessibilidade.
          
Tanto os eventos comportamentais públicos, quanto os privados são causados pelo ambiente. O ambiente exerce sobre o comportamento uma ação seletiva que opera em três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. No nível filogenético comportamentos que aumentaram as chances de sobrevivência da espécie foram selecionados assim como foram os traços anatômicos e morfológicos. Estes comportamentos são chamados de reflexos ou respondentes, pois ocorrem sem necessidade de aprendizagem. Eles são parte da dotação genética do organismo, portanto, não o preparam para se adaptar a um ambiente em constantes mudanças, mas somente para se adaptar a um ambiente semelhante aquele em que o comportamento foi selecionado na história evolutiva da espécie.

No nível ontogenético comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do organismo a um ambiente mutável. Portanto, neste nível há aquisição de novos comportamentos, diferente do nível filogenético em que operam os comportamentos respondentes, e é esta aquisição de novos comportamentos que dá ao organismo maior capacidade de adaptação. No nível ontogenético estão os comportamentos que são chamados de operantes. São assim chamados porque operam no ambiente provocando determinadas modificações (SKINNER, 1993). “Por sua vez estas modificações também alteram o comportamento, tanto em sua função (sentido/intencionalidade) quanto em sua topografia (forma). [...] Sendo assim, o operante é selecionado (determinado) pelas consequências que produz.” (RIBEIRO, 2012, p. 73).



O mecanismo de seleção pelas consequências é análogo ao processo de seleção natural. Na seleção natural certas características foram selecionadas por causa do seu valor de sobrevivência, enquanto que na seleção operante certos comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do indivíduo. Mas, dizer que a seleção gera comportamentos adaptados não significa dizer que as consequências apenas selecionam o que há de melhor, pois este processo pode gerar produtos que a curto prazo parecem benéficos, mas que a longo prazo são prejudiciais. O comportamento de usar drogas é um exemplo de comportamento que a curto prazo parece produzir benefícios (prazer, alívio etc), mas que a longo prazo acarreta consequências nefastas. (RIBEIRO, 2012, p. 78).



Micheletto (1999) assim se refere à seleção pelas consequências, modelo de determinação adotado por Skinner para explicar o comportamento operante, comportamento que engloba a maior parte de nossas ações, ações que vão desde um aceno com a mão até pilotar um avião:




A seleção por consequências não resulta, segundo Skinner, em um processo que se dirija para algo melhor e mais desenvolvido. Ela pode produzir processos e produtos nefastos à espécie e ao próprio homem, como o comportamento supersticioso, ou práticas sociais que poderão significar a destruição da espécie humana. (MICHELETTO, 1999, p. 124).



Este modelo de seleção é aplicável também às práticas culturais que são selecionadas por causa de suas consequências, por causa de seus impactos sobre grupos e culturas. Para guisa de uma conclusão, nos questionemos: que relação pode ser feita entre o modelo de seleção pelas consequências, modelo de causalidade adotado pelo Behaviorismo Radical para explicar o comportamento, e a construção de uma Psicopatologia em Psicologia, construção que coloca em lados opostos o normal e o patológico, a saúde e a doença?

Micheletto (1999) e Ribeiro (2012) assinalam que o efeito da seleção por consequências pode resultar em comportamentos nefastos ao homem, ou seja, que as contingências de reforço podem selecionar comportamentos que colocam em risco a vida humana. Contingências de reforço é um termo para se referir ao fato de que o comportamento operante estabelece relações de dependência com as consequências que produz e com o contexto em que ocorre. Estímulos presentes neste contexto quando associados às consequências (reforços) também passam a agir na determinação do comportamento, e agem de modo a aumentar sua probabilidade de ocorrência. Outros estímulos semelhantes a estes passam a ter a mesma função, o que demonstra que o comportamento é multideterminado, ou seja, que muitas são as variáveis relacionadas à sua ocorrência.

Se as contingências de reforço são responsáveis pela seleção do comportamento, há boas razões para um certo ceticismo acerca da dicotomia normal versus patológico, pois todo comportamento é produto das consequências e estímulos presentes nos contextos em que ocorre, e esse raciocínio é válido até mesmo para os comportamentos mais estranhos, para os comportamentos que caracterizam o que alguns psicólogos chamariam sofrimento psíquico. Desta forma, persistir na construção de uma psicopatologia que coloca de um lado a normalidade e de outro as patologias pode ser questionável.





[...] Se acredito na seleção do comportamento por contingências, quem sou eu para classificar algum comportamento como patológico? A crença na seleção leva a, no mínimo, pensar que todo e qualquer comportamento seja adaptativo, dentro das contingências que o mantém. E se for possível proceder a uma análise funcional da situação na qual o comportamento dito “patológico” se insere, chegar-se-á à conclusão de que aquele seria o único comportamento que poderia acontecer, dadas aquelas contingências. (BANACO, 1997, p. 81).




Banaco (1997, p. 81) ainda acrescenta que “apesar de serem adaptativos no sentido de terem sido selecionados, alguns comportamentos causam sofrimentos às pessoas que os emitem ou àquelas que estão às suas voltas.” Portanto, as contingências de reforço, ou seja, as consequências e circunstâncias relacionadas à probabilidade de emissão do comportamento podem selecionar e evocar comportamentos que geram sofrimento para quem se comporta e para seu grupo social. Sendo assim, a distinção entre normal e patológico pode fazer pouco sentido, pois mesmo os comportamentos que produzem desconforto são selecionados por suas consequências.

Tal argumentação ainda coloca em questionamento o que geralmente são chamadas de doenças psicossomáticas, doenças físicas que tem como origem uma causa mental e/ou emocional. Fenômenos mentais e emoções são exemplos de comportamentos. Se emoções são comportamentos, melhor dizendo, são comportamentos emocionais, estes ao invés de serem tomados como causa de qualquer outro tipo de comportamento, devem ao contrário serem explicitados por meio da elucidação das contingências responsáveis por suas ocorrências. O comportamento emocional como qualquer outro comportamento está sujeito à ação das contingências de reforço. Skinner (1993) sugere que as mesmas causas que provocam o comportamento, são também responsáveis pelo adoecimento físico que se supõe ter como origem os desajustamentos mentais e/ou emocionais:




Uma das mais dramáticas manifestações do suposto poder da vida mental é a produção de doença física. Assim como se diz que uma ideia na mente move os músculos que a expressam, assim também se diz que as atividades não-somáticas da psique afetam o soma. Afirma-se, por exemplo, que as úlceras são produzidas por uma raiva “internamente dirigida”. Deveríamos dizer, antes, que a condição sentida como raiva está medicamente relacionada com a úlcera e que uma situação social complexa provoca as duas. (SKINNER, 1993, p. 135).




Portanto, a chave para o entendimento de qualquer comportamento está nas contingências de reforço, ou seja, nas consequências que o comportamento produz e nas circunstâncias em que ocorre, como também nas contingências filogenéticas e culturais. Toda perplexidade e tendência de entender o comportamento como patológico cai por terra quando se evidenciam as contingências responsáveis por sua seleção e manutenção. Manipular as contingências para modificar o comportamento e assim eliminar possíveis desconfortos relacionados à sua ocorrência parece ser uma alternativa mais promissora que meramente descrever psicopatologias com supostas causas mentais.





REFERÊNCIAS



BAUM, W. M. Compreender o Behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

BANACO, R. A. Auto regras e patologia comportamental. In: ZAMIGNANI, D. R. (Org.) Sobre comportamento e cognição: a aplicação da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos. São Paulo: ARBytes, 1997, p. 80-88.

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas. 2. ed. Campinas: Editorial Psy, 1998, p. 27-34.

MICHELETTO, N. Variação e seleção: as novas possibilidades de compreensão do comportamento humano. In: BANACO, R. A. (Org.). Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos. Metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. 2 ed. Santo André: ARBytes, 1999, p. 1117-131.

RIBEIRO, B. A. et al. Uma análise do programa de recuperação dos alcoólicos anônimos. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 6, n. 2, p. 65-78, jul./dez. 2011.

RIBEIRO, B. A. Uma análise behaviorista radical de um modelo prototípico de formação da realidade social proposto por Berger e Luckman. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 7, n. 1, p. 69-83, jan./jun. 2012.

SKINNER, B . F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 

 
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sábado, 9 de novembro de 2013

Dos Equívocos Sobre o Comportamento Operante

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Que o Behaviorismo Radical é a matriz teórica mal amada da Psicologia ninguém tem nenhuma dúvida. Tratei deste assunto em um dos primeiros textos postados aqui no blog: "Behaviorismo: a matriz teórica mal amada da Psicologia". No texto mencionado aponto alguns dos motivos que alimentam esse ódio dirigido ao Behaviorismo Radical. Em função de tantas incompreensões que rondam tal matriz teórica, é muito comum que equívocos sejam cometidos quando seus conceitos são tomados como alvo dos mais diferentes tipos de análises.

Neste texto, trataremos de alguns equívocos que aparecem em uma vídeo-aula do Departamento de Ensino a Distância da Fundação de Ensino Superior de Passos-MG (FESP-UEMG), que é uma das unidades da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) no interior do estado. O título da vídeo-aula é: "Os Componentes do Comportamento Operante". Segue o link do vídeo para a apreciação dos leitores: https://www.youtube.com/watch?v=eubQk8iasp0

Comecemos com uma indagação: componentes do comportamento operante? O que isso quer dizer? O pensamento parece um tanto gestáltico! Parece querer indicar que existe um todo e que também existem partes de um todo. O todo seria o comportamento operante e as partes seriam as operações que determinam as formas como as consequências afetam o comportar-se. Esta forma de pensar pode dá a entender que o comportamento é uma coisa e não uma função do organismo que se expressa pela relação entre o que é feito e aquilo que ocorre no ambiente. Aqui se revela o aspecto relacional do comportamento operante.

Ao invés de falarmos de componentes, melhor seria tratar dos eventos que participam do controle do comportamento operante: eventos consequentes e eventos antecedentes. A professora que aparece no vídeo começa sua aula pelos eventos consequentes, ou seja, tratando dos procedimentos de reforçamento, que são: reforçamento positivo e negativo. É bom não confundirmos reforçamento com reforço. Reforçamento é processo e reforço é estímulo.

Enquanto processo o reforçamento indica que as consequências produzidas pelo comportamento operante afetam a sua ocorrência. É um termo que envolve o comportamento emitido e a consequência produzida. De acordo com Catania (1999), observa-se que existe uma relação entre a consequência produzida e o comportamento emitido quando:

1) O comportamento ocorre com mais frequência do que quando não produz a consequência;
2) O comportamento aumenta de frequência quando somente a consequência ocorrer e não uma outra coisa;

Enquanto estímulo o termo indica que há certos tipos de consequências que afetam o comportamento que as produz, de modo que elas podem ser chamadas de "reforço". Dito isso, fica claro que nem tudo aquilo que sucede o comportamento temporalmente pode ser chamado de reforço. A relação temporal não tem preponderância sobre a relação que chamamos contingência. Contingência é um termo que indica que entre o comportamento e certos eventos ambientais existe uma relação de dependência, de modo que a ocorrência do evento ambiental cria as condições para que o comportamento se manifeste.

A professora nem chega a falar de reforçamento. Ela apenas faz referência ao termo reforço e começa sua explanação pela definição de reforço positivo. Há em sua definição uma clara confusão entre reforço positivo e recompensa. Este é um equívoco muito comum.O reforço positivo não é uma recompensa. O termo "positivo" faz referência ao fato de que um estímulo é acrescentado em decorrência da emissão de um comportamento e somente em decorrência da ocorrência deste e não de qualquer outra coisa, caso contrário, não se caracteriza a relação de dependência entre o comportamento e a consequência produzida.

O que seria, então, um estímulo? Uma modificação em qualquer parte do ambiente. Se Joãozinho aperta o botão ligar do controle remoto e o aparelho televisor começa a funcionar, e no futuro o comportamento de apertar o botão continua ocorrendo e a consequência "televisor ligado" continua sendo produzida, pode-se dizer que há uma relação de dependência entre o comportamento de usar o controle remoto e a consequência "ligar a televisão". Neste caso a parte do ambiente que se modificou foi o funcionamento da televisão. E se esta modificação tornou mais frequente o comportamento de apertar o botão, ela pode ser chamada de reforço positivo.

Imaginemos que seja a primeira vez que joãozinho aperte o botão. Diante do televisor ligado um adulto diz: "muito bem Joãozinho!" O elogio/recompensa pode funcionar como reforço positivo? A resposta só pode receber um afirmativo "sim" se for observado um aumento na frequência do comportamento de apertar o botão. A princípio o comportamento pode ficar sob o controle do reforço exógeno que é o elogio do adulto. Exógeno apenas quer dizer que a consequência não foi produzida diretamente pela emissão do comportamento. Posteriormente o comportamento de apertar pode ficar sob o controle da consequência TV ligada, o que dispensa a "recompensa" por parte de um adulto. Neste caso se diz que o reforço é endógeno, ou seja, produzido mecanicamente pela ocorrência do próprio comportamento.

No entanto, nem toda recompensa se configura necessariamente como um reforço positivo, isso porque nem toda recompensa assume uma relação de dependência com o comportamento por ela precedido. Nem tudo que ocorre após a emissão do comportamento passa a assumir o controle de sua emissão. Outras variáveis com poder reforçador muito maior podem concorrer com a recompensa no momento em que ela for apresentada, tornando, assim, a recompensa um estímulo neutro em relação ao comportamento, ou seja, um estímulo sem qualquer função de reforçar. Estados de saciação podem afetar o poder reforçador da suposta recompensa. Depois de muitos elogios e menções honrosas vindas de pessoas importantes, uma que vier de uma pessoa de posição social menos significativa pode ser insignificante para o comportamento que se quer reforçar. Portanto, reforço positivo não se confunde com recompensa, ou dizendo de uma outra forma, nem toda recompensa é necessariamente um estímulo reforçador positivo.

A professora usa um exemplo interessante para tornar mais clara sua conceituação de reforço positivo. Um aluno fez uma boa prova e recebe um elogio do professor. Segundo ela, isso aumenta a autoestima e consequentemente melhora o desempenho do aluno. Outro grande equívoco! Não são os estados emocionais os responsáveis pela melhora observada no comportamento do aluno, mas as consequências produzidas pelo seu comportamento de estudar. Emoções são comportamentos, o que quer dizer que também estão sujeitas a ação das consequências que produzem. Tanto o que é sentido enquanto emoção, quanto a melhora no desempenho do aluno, são produtos gerados pela exposição às contingências de reforço. A este respeito há diversos textos neste blog. Clique aqui para ter acesso a eles. Como a professora fala de autoestima, em especial, sugiro o seguinte texto: Autoestima: uma breve análise comportamental.

A seguir a professora entra na definição de reforço negativo. Novo equívoco é cometido. Segundo ela, o reforço negativo é importante porque pode ser usado para eliminar comportamentos inadequados. Confunde-se reforço negativo com punição. E mesmo a punição não elimina comportamento. Há diversos estudos sobre isso e não vou me alongar no assunto. Indico o livro do Murray Sidman para maiores esclarecimentos sobre o uso do controle coercitivo: "Coerção e suas implicações". Ao contrário do que se imagina, além de não eliminar comportamento a punição produz diversos efeitos colaterais indesejáveis. Há diversos textos neste blog sobre essa questão, mas indicamos um em especial: "Prisões e punições: algumas reflexões preliminares". E, sobretudo, punição não se confunde com reforço negativo.

O reforço negativo é aquele estímulo que quando removido pela ocorrência de um comportamento, observa-se um aumento na frequência deste em decorrência da eliminação do estímulo. Skinner (1993) é categórico a este respeito, e diz que reforçamento negativo produz comportamento. Dito isto, não se pode afirmar que reforço negativo elimina comportamento. O termo negativo faz referência ao fato de que o estímulo é removido (subtraído) pela ocorrência do comportamento. Joãozinho liga a TV e coloca em seu canal favorito. Mas, Joãozinho observa que o canal está fora do ar. Joãozinho muda então para outro canal, eliminando, assim, o estímulo aversivo. Se todas as vezes que o canal favorito de Joãozinho estiver fora do ar e for observada uma mudança de canais, pode-se dizer que o comportamento de mudar o canal ou mesmo desligar a TV é reforçado negativamente.

Para exemplificar o reforço negativo a professor fala dos vigilantes do peso. Quem perde peso recebe uma pontuação e quem ganha peso não recebe a pontuação. O comportamento de ganhar peso não está sendo punido e nem mesmo reforçado negativamente. Neste caso ele apenas está sendo colocado em extinção pela suspensão dos reforços positivos que funcionam sob a forma da pontuação. Logicamente que a suspensão de reforços positivos é aversiva. Para eliminar tal condição a pessoa terá que emagrecer para voltar a receber a pontuação. O que tem mais peso para o comportamento de emagrecer, a eliminação da condição aversiva ou a pontuação que reforça positivamente esse comportamento? Esta resposta precisa ser investigada individualmente, ou seja, cada caso é um caso e precisa ser analisado em seus detalhes. Então, o exemplo da professora não ilustra necessariamente o uso de operações de reforçamento negativo.

Por fim, a professora chega a sugerir que o efeito do reforço negativo vai depender das "estruturas de personalidade". Eis aí um erro conceitual muito grave, para não usar adjetivo pior como "bizarro" ou "grotesco". O Behaviorimo Radical rompe com o mentalismo e não aceita explicações para o comportamento que apelem para o uso de entidades metafísicas, entidades que dão origem a sistemas causais circulares, de modo que a única evidência da causa é o efeito. No mentalismo a única evidência da causa (mente) é o efeito (comportamento). Não se pode usar o efeito para explicar as causas quando o que está em jogo é a produção de conhecimento científico. Para o comportamentlismo proposto por Skinner, as causas devem ser buscadas nas relações estabelecidas entre comportamento e ambiente.

Em seguida a professora fala da punição. Ela diz que a punição remove temporariamente o comportamento. Bem, ela não está completamente incorreta. De fato, como já explanado, a punição não remove comportamentos. Além de não fazer isso, ela gera efeitos colaterais indesejáveis. A pergunta que se faz é a seguinte: será que a professora está comparando a punição com o reforço negativo e está sugerindo que este último remove definitivamente comportamentos e a primeira não? Ao menos parece ser esta a função da comparação que ela faz, o que seria conceitualmente incorreto e enganoso pelos motivos já apontados. E tudo indica que esta seja a intenção dela, pois logo adiante menciona que a punição não resolve definitivamente os problemas humanos e cita as prisões e as penitenciárias como exemplo. Então, perguntemos a ela: a punição não remove comportamentos definitivamente e o reforço negativo remove? Novamente fica a ideia do reforço negativo como operação para remover comportamentos, o que é um erro.

Por fim ela entra nas operações de controle de estímulos. Estamos no terreno dos eventos antecedentes. Como sabemos o operante é afetado pelas consequências e pelo contexto em que ocorre. O contexto faz referências aos eventos antecedentes, aos eventos que antecedem a emissão de determinados comportamentos, aumentando, assim, a probabilidade de ocorrência destes. Isso acontece porque eles sinalizam a ocorrência dos reforços que seguirão a emissão do comportamento. Adquiriram esta função por terem sido associados aos reforços que seguiram o comportar-se. A operação que torna possível esta associação é chamada de discriminação. Por sua vez, esta associação é estabelecida entre estímulos: os antecedentes e os consequentes.

O organismo não discrimina nada como quer sugerir a professora entre 5:25 e 5:30: "o estímulo tem que estar muito bem discriminado". Entre 5:30 e 5:39 ela menciona que a discriminação "é a capacidade da pessoa perceber, diferenciar o estímulo condicionado de outros estímulos". Mais um erro que ocorre com frequência entre os que não conhecem a Análise do Comportamento. Não é o organismo que discrimina. A discriminação ocorre no ambiente. Apresente um cubo vermelho a uma criança que está aprendendo formas e cores. Imagine que ela responda apenas "vermelho". O estímulo é o cubo vermelho. Vermelho é uma das propriedades deste estímulo. Na resposta da criança fica evidente que apenas a propriedade "vermelho" controla o seu comportamento com referência ao cubo.

Imaginemos que a resposta da criança seja "cubo vermelho". Então o "cubo vermelho" é o estímulo discriminativo que controla a emissão da resposta "cubo vermelho" no momento da apresentação do cubo. Dizendo cubo vermelho ela é reforçada de alguma forma: ganha uma bala, um elogio, etc. A partir de então o comportamento de nomear corretamente os objetos pode ser uma fonte potencial de reforçamento. Toda vez que uma situação de nomear objetos se fizer presente, há a probabilidade do comportamento de nomear acontecer. Situações de nomear exercem um controle sobre o comportamento de nomear, aumentando, assim, a probabilidade de ocorrência deste comportamento. Não foi a criança que "discriminou" que situações de nomear estão associadas a reforços. Simplesmente houve a associação entre situações propícias para nomear objetos com os reforços que seguiram o comportamento de nomear. Estas situações são sinalizadoras de reforços, exercem um controle discriminativo sobre o comportamento. As operações que tornam este tipo de associação possível são chamadas de situações de controle de estímulos.

A professora insiste em dizer que é o organismo quem "discrimina", e reforça tal intencionalidade ao falar dos clássicos exemplos de laboratório para estudar o controle de estímulos. No clássico experimento de discriminação de estímulos, o comportamento de pressionar a barra por parte do rato só é reforçado quando uma luz está acesa dentro da câmara experimental. Quando está apagada o comportamento é colocado em extinção. Ao final do experimento o roedor só pressiona a barra quando a luz está acesa. Isso significa que a luz sinaliza a possibilidade de reforçamento, ou seja, ela estabelece as condições em que o reforço pode acontecer. Sendo assim, ela assume um controle discriminativo sobre o comportamento de pressionar a barra. O rato não discriminou nada! Como ela pode afirmar isso? Como faríamos para saber se o rato discriminou/diferenciou qualquer coisa se ele não pode nos contar nada a esse respeito? Mais uma vez é bom lembrar que não é o organismo que discrimina. A discriminação é uma operação que ilustra o controle de estímulos.

Após a operação de discriminação ela fala da generalização de estímulos. Mas, faz uma confusão conceitual tão grande que não é fácil entender o que ela diz. A generalização diz respeito ao fato de que estímulos que guardem qualquer propriedade em comum com o estímulo discriminativo, passam também a ter controle sobre a emissão do comportamento controlado por este. O rato vai emitir a resposta de pressionar a barra com a luz acesa e também em outras situações em que a luz seja mais fraca. Quanto mais fraca é a luz e quanto mais ela se aproxima da situação luz apagada, menor a taxa de comportamentos de pressionar a barra. Há aí uma generalização de estímulos. Luz mais intensa produz taxas maiores e luzes menos intensas produzem taxas menores. Luz intensa se aproxima mais da situação em que a luz está completamente acesa e se encontra em seu grau máximo de intensidade e luz fraca se aproxima mais da situação luz apagada.

A sensação de dejavu ilustra a generalização de estímulos. Dejavu é aquela situação em que nos sentimos mais ou menos assim: "conheço este lugar, mas nunca estive aqui. Parece que já vivi esta situação, mas tenho a certeza de nunca ter vivido". A situação se assemelha em algum aspecto a alguma outra situação já vivenciada e que de alguma forma assumiu o controle discriminativo de alguns comportamentos de nossos repertórios. Não se trata de experiências que são produtos de vidas passadas como querem as diversas formas de espiritismo. É nada mais e nada menos do que uma situação que ilustra a generalização de estímulos.

E o último erro é tão grave quanto os anteriores. Nele a professora diz que é complicado depender apenas dos processos de condicionamento, pois estes não permitem a mudança nas estruturas de personalidade. Mais uma vez o mentalismo vem à tona. E já fomos enfáticos a este respeito: o behaviorismo radical rejeita qualquer forma de mentalismo. Não há espaço para o mentalismo dentro do Behaviorismo Radical, e o mínimo de conhecimento sobre a obra de Skinner é suficiente para tecer conclusões a este respeito.

Que lição fica disso tudo? Que só devemos nos meter a falar de algo quando tivermos certeza do que estamos falando. É muito perigoso explanar sobre teorias que não conhecemos. Tal atitude é anti-científica e pode contribuir para a propagação dos mais diversos tipos de simplificações grosseiras. E se você quer saber mais sobre o comportamento operante, recomendamos o seguinte texto deste blog: "O condicionamento operante: definição e aplicações".

Abraços e até a próxima!

REFERÊNCIAS:

CATANIA, A. C. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995.

SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993.





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