domingo, 6 de outubro de 2013

Contingências acidentais: análise comportamental do filme Monstros S.A.

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Monstros S.A. é um brilhante filme produzido pela Pixar em parceria com a Walt Disney. Os números de bilheteria são impressionantes e dão uma ideia da atraente trama que continua atraindo a muitos aficcionados por filmes no estilo desenho animado. Lançado em 2001 ele rendeu somente nos EUA US$ 255.873.250. No mundo inteiro produziu a cifra de US$ 525.366.597. Estes dados estão de acordo com a página do filme na Wikipédia. De acordo ainda com o site, o filme teve aprovação de 95% dos críticos de cinema.O índice de aprovação é quase um record.

Mais do que atrair pela trama bem humorada e envolvente, Monstros S.A. ensina-nos algumas lições importantes sobre a Análise do Comportamento. Ele demonstra como contingências acidentais podem criar ocasiões para o surgimento de novos comportamentos e até mesmo de novas práticas culturais que beneficiam os grupos que operam segundo estas práticas e também as pessoas que deles fazem parte. Logicamente que estas também podem resultar em acidentes que produzem comportamentos e práticas culturais pouco adaptativos.

Em certo sentido todo comportamento é adaptativo conforme as contingências responsáveis por sua manutenção, mas há comportamentos que beneficiam aquele que se comporta e também as pessoas que estão próximas, enquanto existem também aqueles comportamentos que geram malefícios ou benefícios bastante diminutos para pessoas e grupos. O que importa é que tanto um comportamento quanto o outro são selecionados e mantidos pelas contingências de reforço, e podem surgir de contingências acidentais como bem demonstra o filme Monstros S.A. No filme contingências acidentais mudam a história dos personagens principais e alteram também as práticas culturais responsáveis pelo funcionamento da cidade de Monstrópolis.

O filme conta a história de Monstrópolis. Monstrópolis é como uma cidade humana qualquer, exceto pelo fato de ser habitada por monstros. A energia responsável pelo funcionamento da cidade é produzida pela empresa Monstros S/A. Monstros entram no quarto de crianças humanas pela porta do armário assustando-as. O grito de medo das crianças produz energia que é armazenada e posteriormente distribuída para toda a cidade. A porta do armário funciona como uma ligação entre dois mundos, entre duas dimensões diferentes: a dimensão humana e a dimensão dos monstros. Por sua vez a porta é operada por um equipamento responsável por produzir a conexão entre os dois mundos.

O trabalho de assustar as crianças é feito em duplas. Um parceiro é responsável pelo manuseio do equipamento. Já o outro entra pela porta e realiza o trabalho de assustar. Há uma disputa entre as duplas e um ranking geral que pontua o desempenho de todos. Os melhores desempenhos entram para o ranking e recebem uma pontuação. Eis aí o reforçamento positivo. As melhores duplas são Mike e Sulley e seu concorrente direto que é Randall e o seu parceiro. Randall utiliza de todos artifícios para superar Mike e Sulley, inclusive tentar trapacear de modo a ficar no primeiro lugar do ranking.

Até aqui temos uma contingência de reforço importante: gritos de medo de crianças humanas produzem energia. Tal contingência é descrita sobre a forma de uma regra que controla o comportamento de assustar dos monstros. Regras são descrições de contingências de reforço. Elas descrevem relações do tipo "se" e "então". Por exemplo, se aperto o interruptor, então, a lâmpada se acende. O "se" é a condição em que o comportamento ocorre, neste caso a existência do interruptor e de uma lâmpada que não esteja queimada. O "então" é a consequência produzida em decorrência da emissão do comportamento que ocorre  na ocasião especificada pelo "se", neste caso é a lâmpada acesa.

No filme o "se" é o acesso ao quarto das crianças humanas através da porta operada pelo equipamento que conecta os dois mundos. O "então" é a energia produzida pelo comportamento de assustar as crianças. Se o susto é grande, mais energia é produzida, e mais significativo é o reforço para o comportamento de assustar do monstro. Os comportamentos de assustar são mantidos tanto pelo reforço imediato gerado pela energia produzida pelo susto, quanto pela regra que especifica que assustar é essencial para a geração de energia. Esta regra é muito importante para o funcionamento de Monstrópolis. Aliás, toda a energia de Monstrópolis depende do seguimento desta regra. Sendo assim, ela é uma prática cultural importante para o funcionamento da sociedade dos monstros, e sua falência poderia representar o colapso desta sociedade.

No entanto, em determinado momento do filme essa regra vai ser questionada por um evento inesperado que ocorreu durante a operação do equipamento que permite a conexão entre os dois mundos. Mike havia deixado uma papelada sem preencher. Diante disso pediu ao amigo Sulley para retornar ao trabalho e preenchê-la. Chegando no andar das portas, Sulley encontrou uma conectada a um equipamento em funcionamento. Este estava sendo operado por Randall que trapaceando trabalhava fora do horário de expediente para aumentar sua pontuação no ranking geral. Num acidente Sulley abre a porta e uma criança humana tem acesso ao mundo dos monstros.

Depois disso ocorre uma sucessão de eventos que levam Sulley e Mike a tentarem esconder a criança, pois crianças humanas são consideradas tóxicas, sendo, portanto, fontes potenciais de contaminação. Existe, inclusive, uma agência responsável pela descontaminação dos monstros quando estes têm contato com crianças ou qualquer objeto humano. Para não serem apreendidos por esta agência e serem demitidos, Mike e Sulley enfrentam as mais inusitadas situações para esconderem a criança chamada de "Boo".

Todavia, a convivência com Boo produziu contingências acidentais que mudaram a história de Monstrópolis para sempre. A primeira delas permitiu a descoberta de que crianças humanas não eram tóxicas. Com isso vai se embora a crença da toxidade. Esta crença era uma regra. Ela era responsável pela manutenção dos comportamentos que preservavam os monstros longes das crianças. Esta regra era baseada em controle aversivo. O monstro que tivesse contato com crianças tinha que passar por um humilhante procedimento de desintoxicação. Não ter contato com as crianças era um modo de fugir da humilhação e da possibilidade de contaminação. Trata-se de comportamentos de fuga/esquiva mantidos por reforçamento negativo.

Contudo, o contato com Boo não produziu nenhuma contaminação. Disso, conclui-se, que a regra sobre o contato com crianças era falsa, ou seja, ela não descrevia contingências reais. Muitas vezes em nossas vidas sofremos porque estamos sob o controle de regras que não descrevem contingências reais. Na base dos estereótipos estão regras deste tipo. "Todo baiano é preguiçoso". Este é um estereótipo típico dos regionalismos deste país continental chamado Brasil. Ela não se aplica a todos os baianos. Ela não se sustenta diante de provas empíricas. Há baianos preguiçosos, como também há mineiros, paulistas, cariocas, paranaenses etc. Entre populações de humanos sempre vamos encontrar alguém que se comporta de maneira mais preguiçosa em determinadas ocasiões. Mas mesmo o mais "preguiçoso" dos seres não age com preguiça a maior parte do tempo.

O depressivo costuma dizer para si mesmo: "melhor eu me fechar em meu mundo, eu me trancar em meu quarto, pois assim evito aborrecimentos". O depressivo acaba realizando uma generalização, pois nem todos os contatos sociais vão resultar em aborrecimentos. Portanto, sua regra é falsa. Mas, quanto mais ele se fecha, mais ele se priva das possibilidades de submeter sua regra a um teste real, a um teste que resista a exposição a novas contingências de reforço. Foi o que ocorreu no filme. A regra sobre a contaminação não resistiu a contingências reais. Quando submetida a um teste descobriu-se que ela era falsa. Isso foi fundamental para alterar o comportamento dos monstros com relação as crianças e as práticas culturais que mantinham o funcionamento de Monstrópolis.

Mas, o contato com Boo levou a uma outra descoberta. O sorriso das crianças produziam muito mais energia do que o grito de medo. Esta descoberta gerou uma nova regra: "melhor fazer as crianças rirem do que fazer elas chorarem". Isso aumentou o índice de produção de energia da fábrica Monstros S/A. Toda a sociedade de Monstrópolis ganhou com isso. A descoberta também garantiu para Sulley uma promoção para o cargo de supervisor do andar em que ficavam as portas e os equipamentos que conectavam o mundo dos humanos e dos monstros.

Uma única contingência acidental mudou o funcionamento de toda uma sociedade. Isso demonstra algo importante: a exposição a novas contingências é essencial para a modelagem de novos comportamentos e para o surgimento de novas práticas culturais. Aumentando a variação nas contingências aumentamos as possibilidades de seleção de novos comportamentos. Se esta variação ocorrer de modo planejado, maiores são as chances de serem selecionados comportamentos e práticas culturais que beneficiem indivíduos, grupos, instituições, sociedades e também toda a humanidade. A Análise do Comportamento coloca a nossa disposição os fundamentos teóricos e o amparo metodológico necessário para a realização deste tipo de planejamento, basta utilizarmos estes meios para aumentarmos as chances de sobrevivência das sociedades humanas.



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