sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Vontade: um exemplo de explicação fictícia para o comportar-se

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A professora perguntou ao Joãozinho: "Por que você bateu no Pedrinho?". Joãozinho respondeu: "porque me deu vontade". Fica difícil conjecturar sobre as causas do comportamento de Joãozinho apenas com a resposta fornecida por ele. Deveríamos ficar satisfeitos com a resposta, afinal o ser humano é um ser de vontades, um ser que age a partir daquilo que sente. Mas, as coisas não são bem assim, e em outros textos já tivemos a oportunidade de analisar que emoções não são causas de comportamentos. Emoções são também comportamentos, e antes de explicarem qualquer coisa, elas também precisam ser explicadas à luz das contingências de reforço. Para entender um pouco mais sobre as emoções clique aqui.

Supondo que a professora tivesse a oportunidade de observar o comportamento de Joãozinho, algumas pistas poderiam surgir e fornecer indicações dos motivos que levaram-no a agredir Pedrinho. Talvez Pedrinho tenha arrancado das mãos de Joãozinho um brinquedo. Então, alguém poderia dizer: "Joãozinho agiu com base em um impulso de agressividade". A explicação ainda não seria suficiente, pois além de explicar o impulso, teríamos também que explicar como este é acionado, e por sua vez restaria esclarecer como ele age provocando comportamentos agressivos, ou seja, como se transformaria no fim das contas em um comportamento que tem como meta a agressão de outrem. O impulso não fornece uma saída mais interessante do que a explicação que passa pelos estados emocionais agrupados sobre o termo "vontade".

"Joãozinho agiu com agressividade porque perdeu o brinquedo". A explicação ainda não é suficiente, mas já fornece pistas mais concretas a respeito do comportamento agressivo de Joãozinho. Perder o brinquedo significa a suspensão de um reforço positivo importante. Se for possível observar os comportamentos de Joãozinho em situações semelhantes, situações de perda de reforçamento positivo, e isso nos levar a constatar que ele age agressivamente na maior parte das vezes, teríamos dados que permitiriam conjecturas sobre a capacidade de lidar com frustrações de nosso jovenzinho.  Incapacidade de lidar com frustrações pode significar uma história de vida em que os comportamentos de Joãozinho quase sempre eram reforçados em esquema de reforçamento contínuo. Joãozinho não foi treinado para aquelas situações em que o reforço era atrasado com relação ao comportamento reforçado.

Se no passado quando Joãozinho agrediu seus pares ele obteve algum reforçamento, aprendeu, assim, que o comportamento de agredir é uma potencial fonte geradora de reforços. Onde fica a vontade de Joãozinho em agredir? Ela se reduz aos estados emocionais sentidos quando Joãozinho enfrenta situações de frustrações. Tanto o comportamento de agredir quanto o que é sentido quando se é frustrado têm relação com aquilo que está ocorrendo no ambiente, e o que está ocorrendo no ambiente presente tem relação com o que ocorreu no passado quando houve a exposição a certas contingências de reforço.

Todo o raciocínio construído até aqui poderia ser objetado, e os mais obtusos diriam que há uma intencionalidade no comportamento de Joãozinho, pois ele é dirigido para um alvo, neste caso Pedrinho. O comportamento não pode ser causado por aquilo que não aconteceu. Explico-me. Eventos futuros não podem ter qualquer efeito sobre eventos presentes, pois por definição o futuro ainda não aconteceu. Qualquer dicionário que o leitor consultar vai definir vontade como a capacidade da pessoa agir com uma intencionalidade definida. Neste sentido, a vontade dá ao comportamento uma direção bastante definida, como se este fosse uma flecha atirada contra um alvo. No entanto, a meta de atingir o alvo não é a explicação para o comportamento de voar da flecha. A meta enquanto um evento futuro não pode causar um evento presente.

Se a flecha voa até o alvo é porque houve quem a disparasse. Houve um evento no presente que permitiu o lançamento da flecha, neste caso o arqueiro com suas habilidades de atirar. Estas habilidades foram modeladas por exposições a contingências de reforço no passado. No passado essa exposição permitiu que se estabelecesse relações de dependência entre eventos comportamentais e eventos ambientais. Os eventos comportamentais seriam os comportamentos de praticar tiro ao alvo. Os ambientais seriam as instruções sobre como atirar e as consequências proporcionadas pelo seguimento das mesmas.

Normalmente o comportamento dotado de intencionalidade é chamado de voluntário. O termo só faz obscurecer as variáveis envolvidas na determinação do comportar-se, pois a rigor não existem comportamentos voluntários, ou seja, comportamentos livres de determinação, produtos explícitos do livre arbítrio. Isso não quer dizer que não sejamos capazes de escolhermos entre alternativas diferentes. Sim, nós somos, mas, mesmo o comportamento de escolher não está livre de determinação.

Vontades e impulsos pouco explicam. Vontade é um estado emocional, uma tendência para agir de uma determinada forma. Mas, tanto o que é sentido como emoção quanto a tendência em agir de uma determinada maneira são produtos das contingências de reforço. Alguém que diz que está com vontade de comer chocolates, está dizendo que chocolate é um reforço positivo. Está também dizendo que o chocolate enquanto reforço positivo proporciona estados corporais agradáveis (emoções). Mas, sobretudo, a pessoa está sinalizando que não come chocolate há algum tempo, portanto, está privada do reforço chocolate, o que aumenta a probabilidade de sair em busca da obtenção deste reforço.

Contudo, a ideia de comer chocolate não surge no vácuo. Houveram contingências de reforço que aumentaram a probabilidade de ocorrência desta. A pessoa ouviu alguém falar sobre chocolate. Viu na TV um comercial sobre chocolates. Talvez a páscoa esteja próxima, e ela sempre compra ovos de chocolate nesta ocasião. Ou quem sabe seja um sábado, e nos sábados ela come chocolate como sobremesa após o almoço, de modo que opera sobre o seu comportamento um esquema de reforçamento em intervalo fixo. Enfim, muitas são as variáveis que podem explicar a vontade de comer chocolate. Antes de ser uma explicação, a vontade é um produto a ser explicado, fruto de incontáveis operações comportamentais.

Portanto, vontade é mais um exemplo de explicação fictícia para o comportar-se. O termo no máximo pode indicar o tipo de controle que está operando sobre o comportamento que se supõe ser um produto da vontade, mas mesmo assim precisa ser contextualizado de modo que se identifique que condições foram responsáveis pelo aparecimento daquilo que se sente. Não se trata de desprezar o que é sentido, afinal, o que se sente, fornece pistas sobre as contingências de reforço responsáveis tanto pelo sentir quanto pelo agir. Todavia, sempre é bom salientar que o agir nunca é um produto do sentir.


2 comentários:

  1. Muito bom o texto...as pessoas ainda são muito enraizadas nesses discursos mentalistas...

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    1. A cultura do mentalismo ainda se faz muito presente em nosso meio. Superá-la não é uma tarefa muito fácil.

      Abraços!

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