sábado, 13 de julho de 2013

"A dor é inevitável. O sofrimento é opcional": breve reflexão sobre o comportamento social

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O título deste texto faz menção a uma famosa frase do poeta Carlos Drummond de Andrade. Ela no mínimo indica que há circunstâncias na vida em que a dor vai ocorrer independente daquilo que fizermos. Isso aponta para algo que caracteriza os comportamentos sociais, que é a incontrolabilidade dos eventos ambientais, como, por exemplo, a incontrolabilidade dos estímulos reforçadores, pois estes dependem dos comportamentos de outrem. Neste sentido os comportamentos dos outros com quem nos relacionamos se constituem como ambiente para aquilo que fazemos. Desta forma, ambiente é tudo aquilo que afeta o comportar-se. Por definição é tudo aquilo que é externo ao comportamento e não necessariamente o que é externo ao organismo que se comporta. Não importa a localização dos eventos que afetam o comportar-se, se estão sob a pele ou fora dela, ou seja, se são privados ou públicos. O que importa é se eles afetam o comportamento e como eles o afetam. 

No caso do comportamento social, que Skinner (1998, p. 325) define "como o comportamento de duas ou mais pessoas em relação a uma outra ou em conjunto em relação ao ambiente comum", as consequências do comportar-se são mediadas pelo comportamento do outro com quem nos relacionamos. Isso acaba diferenciando o comportamento social do comportamento reforçado diretamente pelo ambiente mecânico. "O comportamento reforçado através da mediação de outras pessoas diferirá de muitas maneiras do comportamento reforçado pelo ambiente mecânico. O reforço social varia de momento para momento dependendo da condição do agente reforçador." (SKINNER, 1998, p. 327).

O reforço social varia de momento para momento e depende das condições do agente reforçador. Isso quer dizer que em tese é impossível prever com exatidão a maneira como o outro agirá. Lógico que o conhecimento sobre o comportamento do outro e das circunstâncias que o afetam acabam possibilitando a construção de margens de previsão bastante aproximadas. Mas, ainda, assim, há espaço para o imprevisível, até porque o comportamento é afetado por múltiplas variáveis simultaneamente, e ter o conhecimento de todas elas em ambiente natural é algo que em tese é impraticável. A partir daí chegamos à conclusão que o comportamento social é mais flexível e ao mesmo tempo caracterizado pela incontrolabilidade dos eventos que o afetam. Mas neste contexto a incontrobalidade quer dizer que não se pode construir margens de previsão absolutas. Estas margens são sempre aproximadas.

Mas incontrabilidade também quer dizer que independente do que fizermos há outras variáveis que afetam o comportamento do outro com quem relacionamos de modo mais contundente, e por isso que as consequências não podem ser alteradas. Em outras palavras, independente do que fizermos em muitas circunstâncias o comportamento do outro não vai se alterar, e é aí que mora o perigo, ou seja, é daí que vem o sofrimento, ou para ser fiel ao poeta, é daí que surgem os eventos inesperados que nos fazem sentir dor. Por isso vamos com ele concordar que a dor é inevitável. Mais cedo ou mais tarde ela vai acontecer. Às vezes porque somos incapazes de alterar o curso de ação das outras pessoas, ou porque formulamos regras que não descrevem com fidelidade as contingências que afetam o comportamento destas. Quando o segundo caso acontece, podemos falar que alimentamos uma expectativa com relação ao outro e esse outro agiu de modo a contrariar a nossa expectativa.

Se a dor é inevitável, o poeta ensina-nos que o sofrimento é opcional. Há um ensinamento na segunda parte da reflexão poética. Ela quer dizer que podemos alterar os nossos comportamentos de modo a atenuar a dor gerada pelos comportamentos dos outros. Podemos, por exemplo, evitar a pessoa que provocou a dor. Podemos evitar a exposição às situações que nos lembrem o agente causador da dor: um restaurante, uma música, um perfume etc. Podemos nos expor a situações que nos proporcionem bem estar: conhecer novas pessoas, frequentar novos lugares, estabelecer novos diálogos etc. Se não podemos em muitas situações mudar a forma como as pessoas agem, e na maior parte do tempo as variáveis que afetam os comportamentos dos outros não estão sob o nosso controle e daí vem a incontrolabilidade, podemos, no entanto, por outro lado mudar os nossos comportamentos.

É mais salutar tentarmos modificar a nossa forma de agir do que insistir na mudança dos comportamentos dos outros. Assim evitamos aborrecimentos desnecessários e temos a oportunidade de ampliarmos nosso repertório de habilidades sociais. Portanto, a dor pode se transformar em ocasião para construirmos novos olhares sobre as nossas formas de agir, ou seja, a dor pode estabelecer a ocasião para o surgimento do autoconhecimento, e o autoconhecimento é ponto de partida para efetuarmos mudanças em nós mesmos.

Referência:

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 10 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.




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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Doma Racional e Condicionamento Operante

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Este post é para os aficionados por animais, mas não somente para estes. Ele também é dirigido aos aficionados pela Análise do Comportamento. A Análise do Comportamento enquanto ciência demonstra que no contexto do laboratório ou fora dele o comportamento está sob constante controle do ambiente. No ambiente do laboratório o método experimental é utilizado para delinear com exatidão que variáveis estão controlando o comportamento, ou seja, que variáveis estão afetando o modo como o comportamento ocorre, se sua ocorrência é menos ou mais frequente e se ela depende da maneira como muda o ambiente, se a probabilidade é maior ou menor quando se apresentam ou retiram determinados estímulos e assim por diante. Sendo assim, o método experimental permite a criação de arranjos experimentais que possibilitam testar a relação entre determinados eventos ambientais de um lado e eventos comportamentais de outro.

Quando Skinner estudou o comportamento operante em sua famosa caixa, que mais tarde foi chamada de Caixa de Skinner, ele fez nada mais e nada menos do que criar arranjos experimentais. Nestes arranjos pôde observar os comportamentos de sujeitos experimentais e como tais comportamentos se alteravam em função da modificação em determinados aspectos do ambiente relacionados a ocorrência destes. No clássico experimento do roedor que pressiona uma barra para obtenção de alimentos, criou-se um arranjo experimental que permitiu que determinados comportamentos fossem seguidos de consequências claramente especificadas, consequências que poderiam ser quantificadas quanto ao número de vezes que ocorriam, de modo a se estabelecer uma relação entre a força do comportamento e a quantidade de ocorrência destas consequências. No texto "Condicionamento Operante: definição e aplicações", o leitor encontrará uma descrição do experimento de Skinner, e entenderá os princípios comportamentais que ele ilustra.

Por ora é importante assinalar que o método experimental é um importante recurso metodológico que permite a criação de arranjos experimentais relevantes para a identificação das variáveis que afetam o comportar-se e de que modo elas afetam. Logicamente não podemos esperar que o mundo fora do laboratório apresente-se de maneira tão didática quanto o mundo controlado dos arranjos experimentais. No entanto, isso não nos impede de analisar o comportamento, pois conhecendo quais são os processos por trás de sua ocorrência, não é impossível identificar como eventos comportamentais e ambientais se influenciam mutuamente. Uma vez que seja possível identificar tais eventos, alterações podem ser introduzidas no ambiente de modo a testar o quanto existe entre eles uma relação de dependência. Se eu sei que determinados reforços podem aumentar a ocorrência de um determinado comportamento, posso utilizá-los para tornarem este comportamento mais frequente, bastando para isso esperar que o comportamento ocorra para em seguida apresentá-los, e é exatamente isso o que faz Monty Roberts em sua doma racional.

O que é a doma racional? É um método criado pelo norte-americano Monty Roberts para domar cavalos sem a utilização de violência, sem a utilização de controle coercitivo. Sabemos que o controle coercitivo está baseado no uso de punição e de ameaça de punição. Sabemos ainda quais são os subprodutos que podem ser gerados por este tipo de controle: agressividade, medo, submissão, ansiedade etc. Mas Monty Roberts abole o uso deste tipo de controle. Ele não usa punição, não usa de nenhum método coercitivo para fazer o animal sentir dor ou sofrimento. O que ele usa então? Ele simplesmente usa reforço positivo, e o utiliza da maneira correta. Vejam o vídeo abaixo, ele tem apenas 6:52 (seis minutos e cinquenta e dois segundos) e vale muito a pena ser visto e apreciado:



Lógico que Monty não chamaria seu método de condicionamento operante, e talvez não reconheceria jamais as semelhanças entre a doma racional e o clássico experimento do roedor na Caixa de Skinner. Monty não é um analista do comportamento e talvez falte-lhe o repertório adequado para notar tais semelhanças e entender que o que ele faz é criar as condições adequadas para apresentar reforços positivos contingentes aos comportamentos que ser quer modelar no animal, algo que Skinner fez quando reforçou por aproximações sucessivas os comportamentos que se aproximavam do comportamento almejado para o seu sujeito experimental, neste caso o comportamento de pressionar a barra para a liberação de alimento. Em seu repertório o roedor não tinha esse comportamento, mas reforçando por aproximações sucessivas os comportamentos que dele se aproximavam, ao final da sessão experimental o roedor conseguiu pressionar a barra. Magia? Não!!! Condicionamento operante, essa é a resposta mais adequada.

Monty por vezes é chamado de encantador de cavalos. Ele parece mesmo encantar os cavalos com sua docilidade que abole o uso de punições. Mas não há nenhum encanto ou magia em todo o processo de doma dos cavalos. Há apenas liberação de reforços positivos contingentes aos comportamentos de docilidade do animal. O resultado é que tais comportamentos tornam-se mais frequentes, e ao final da doma o animal se apresenta mais dócil do que quando ela foi iniciada, podendo ser montado por qualquer pessoa. É isso que o vídeo acima demonstra. Ele é uma excelente aula sobre condicionamento operante. É um bom exemplo de um experimento sendo feito a céu aberto, e o redondel é o laboratório utilizado para esse fim. 

O vídeo tanto mostra a modelagem de novos comportamentos, neste caso os comportamentos de docilidade, quanto a extinção de comportamentos já estabelecidos no repertório do animal, que são os comportamentos de demonstração de agressividade. Estes últimos são colocados em extinção, por isso Monty deixa o cavalo correr ao redor do redondel. Como ele havia sido submetido anteriormente à doma tradicional com uso de violência, humanos representavam possibilidade de punição, ou seja, eram estímulos discriminativos que sinalizavam a possibilidade de uso de controle coercitivo. Por esse motivo o cavalo age com agressividade no início da sessão quando Monty se aproxima. Mas como a aproximação não é seguida de punição, logo o estímulo "humanos" perde a função de ser estímulo sinalizador de punição.

É notável como a aproximação do animal com relação a Monty é seguida de pequenos gestos que funcionam como reforços positivos, gestos como coçar o animal e acariciá-lo. Com o prosseguimento da sessão os comportamentos de docilidade vão se estabelecendo no repertório do animal. Em apenas 25 minutos de doma Monty consegue celar o cavalo e colocar sobre ele uma pessoa. Esta façanha ilustra o poder do reforçamento positivo. Reforços positivos utilizados da maneira correta podem produzir resultados notáveis!  Use reforço positivo em seus relacionamentos, eu recomendo!



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