quarta-feira, 19 de junho de 2013

Psicologia e Compromisso Social

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Quem disse que o Café com Ciência é um blog despolitizado? Ele não é, pois a Psicologia não pode ser despolitizada. A Psicologia precisa dar conta do desencadeamento de mudanças que se processam no indivíduo a partir da ocorrência de eventos que se manifestam na vida pública. A Psicologia não pode fugir desta tarefa, caso contrário, ela corre o risco de se descaracterizar enquanto ciência. Ela não pode se fechar em si mesma e acreditar que o indivíduo é movido apenas por forças de origem psicológica, se não acaba caindo num psicologismo sem fim, num psicologismo que pode levá-la a desconsiderar os contextos sócio-históricos que criam as circunstâncias que produzem as mudanças comportamentais que se fazem notar no âmbito da vida individual.

Para honrar com o compromisso de construção de uma Psicologia não psicologizante, pretendemos em breves linhas analisar os últimos eventos que têm mobilizado grande parte da população brasileira em torno de diversos ideais que possuem um pano de fundo em comum: a insatisfação com a vida política. Insatisfação, é isso que sinaliza toda a movimentação política das últimas semanas. Insatisfação é sinal de utilização de controle aversivo. Mas de onde vem esse controle aversivo?

A pergunta não é retórica! Isso porque o panorama social aponta num sentido inverso. A economia vai bem, ou seja, o mercado interno está aquecido, apesar da inflação. Está havendo geração de empregos. Houve diminuição nos índices de pobreza. O consumo tem aumentado, e o poder de compra da população tem acompanhado o aquecimento do mercado interno. Sendo assim, não era para os brasileiros estarem satisfeitos com o país que vivem? Tudo indica que o panorama social sinaliza com reforços positivos.

No entanto, a conduta dos manifestantes nas últimas semanas nos fazem constatar que a população brasileira está insatisfeita. Insatisfação é um comportamento emocional que surge como consequência da utilização de controle aversivo. Este controle aversivo vem de nossa longa história de privação. Apesar do crescimento da economia, o desenvolvimento econômico não é acompanhado de perto de desenvolvimento social. O desenvolvimento social segue um ritmo muito mais lento que o desenvolvimento econômico. E todo crescimento econômico não é revertido em serviços públicos de qualidade para toda a população. Isso ocasiona em privação destes serviços. O povo brasileiro há muito tempo vem sendo privado de uma saúde com qualidade, de uma educação com qualidade e de outros serviços essenciais para a construção de uma vida digna.

Mas, ainda, assim, persiste a velha ideia capitalista de que todos podem ascender socialmente, desde que se esforcem para alcançar tal ascensão. Temos aí uma regra: "o esforço será seguido de perto pela recompensa da ascensão social". Esta é a promessa do capitalismo! Na prática esta regra descreve contingências reais? Não! Pelo menos para boa parte da população esta regra está muito distante das contingências que controlam a vida das pessoas. A privação a qual são submetidas geram controle aversivo. Somado a tais privações existem os constantes escândalos de corrupção e as tentativas reiteradas de fortalecimento de ações preconceituosas contra as minorias, vide, por exemplo, o projeto da "cura gay", e o favorecimento de classes profissionais já abastadas, e temos aí o exemplo dos médicos que lutam por maior concentração de poder em suas mãos através do projeto do "ato médico".

Diante de tanto controle aversivo, a população só pode reagir usando o contracontrole. Contracontrole é um produto gerado pela utilização de controle aversivo. Não se trata de reagir apenas ao aumento da tarifa do transporte público. O aumento da tarifa é apenas mais uma contingência aversiva entre tantas outras que vem sendo construídas desde os tempos da colonização. Até, então, estas contingências estavam funcionando perfeitamente bem para manterem a população sob controle. Porque mantiveram por tanto tempo a população sob controle, foram selecionadas como práticas culturais. Mas o efeito cumulativo de tanta estimulação aversiva acabou gerando contracontrole. Estamos, então, diante de um momento histórico muito importante, que pode contribuir para o surgimento de novas contingências que levem à seleção de novas práticas culturais. Só o tempo dirá o quão efetivo está sendo este contracontrole exercido pelas populações que foram até às ruas.

O mais interessante é que tal contracontrole tem sido dinamizado pelo poder das redes sociais. Estas contribuem para o compartilhamento de informações, produzindo contingências que afetam um número maior de pessoas num intervalo de tempo muito curto. Há algo de fabuloso nas redes sociais. Elas permitem as pessoas se expressarem! Essa possibilidade gera a oportunidade de maior contato com reforços sociais positivos. Quanto maior a possibilidade de experimentar reforços positivos, com mais frequências as pessoas vão se engajar em comportamentos de se mobilizarem através da rede mundial de computadores. A mídia tradicional não abre para a população esse espaço de participação. Já as redes sociais são marcadas por essa abertura. Elas permitem a participação popular, participação que gera reforços sociais positivos extremamente poderosos para a manutenção de comportamentos de mobilização social. Sem dúvida nenhuma as redes sociais são uma nova prática cultural. São elas o quarto poder?

Estas novas práticas culturais têm criado contingências que afetam a forma das pessoas se organizarem. Geram novas formas de subjetivação, ou seja, novas formas das pessoas descreverem as contingências que controlam os seus comportamentos e os comportamentos de seus semelhantes que também estão submetidos a estas contingências. No fim das contas novas formas de conhecimento estão surgindo. Isso faz com que as pessoas comecem a pensar o mundo ao seu entorno de forma diferente, ou dizendo de outra forma, isso faz com que as pessoas se comportem com relação a este mundo de um modo distinto da maneira como se comportavam anteriormente. Novos tempos, novas contingências, novos comportamentos, novas práticas culturais, novos desafios para a Psicologia enquanto ciência e profissão.

Não fujamos destes desafios!



6 comentários:

  1. Bruno:
    Muito oportuno seu texto.
    De tempos em tempos, as pessoas tomam uma atitude para reverter toda a insatisfação acumulada.
    As restrições e privações que a população enfrenta, acabaram se tornando a mola mestra para toda a mobilização que estamos assistindo.
    Fica a torcida para que seja ouvido o brado retumbante, dessa brava gente, que se cansou de ficar adormecida e inerte.
    Que todo essa clamor tenha a repercussão desejada e que possamos assistir a um final feliz pra nossa pátria amada, idolatra, Brasil.
    Bjs.:
    Sil
    http://www.meusdevaneiosescritos.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Faço minhas as suas palavras Silvana. Fica a torcida para que esse brado retumbante ecoe e produza frutos de cidadania. Obrigado pela participação!

      Abraços.

      Excluir
    2. Bruno:
      Voltei, rsrsrsrssr.
      Dessa vez pra te avisar que tem um post divulgando e homenageando seu blog, lá no meu.
      Deixo o link, caso tenha curiosidade de conferir:

      http://meusdevaneiosescritos.blogspot.com.br/2013/06/inspiracoes-confira-se-seu-blog-esta.html

      Bjs.:
      Sil

      Excluir
    3. Sinto-me honrado por tal singela homenagem!!! Muito obrigado!!!

      Abraços.

      Excluir
  2. Olá Bruno, tudo bem? Meu nome é Fernanda, sou de Goiânia e curso o primeiro período de psicologia na Universidade Federal de Goiás. Ao estudar história da psicologia, nossa professora nos passou um trabalho de pesquisa sobre Wundt em um periódico cientifico. Meu grupo encontrou justamente um artigo seu de 2001 publicado no periódico Psicologia: ciência e profissão. Temos que apresentar o periódico e o autor do artigo (no caso, você). Será que você poderia me dizer um pouco sobre sua formação profissional e sobre seu artigo? Desculpe incomodar e se for possível, aguardo sua resposta. Meu email é fernanda.emrich@gmail.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Agradeço pela visita Fernanda. Os dados que você precisa eu enviarei para o seu e-mail.

      Abraços.

      Excluir

Obrigado por participar!