quarta-feira, 29 de maio de 2013

Da Topografia à Função do Comportamento: Pichon-Rivière e a Psicologia Social

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Topografia e função são dois conceitos que já nos são conhecidos. Eles já foram citados e definidos em outros textos neste blog. Mas vamos retomá-los brevemente na tentativa de demonstrar como o mentalismo costuma se ater apenas às descrições das topografias dos comportamentos, deixando de lado aquilo que é mais importante, que é a função, algo que pode ser evidenciado na medida em que são elucidadas as contingências de reforço responsáveis pela emissão e manutenção de um dado comportamento. Para darmos conta daquilo que se propõe, elegemos Pichon-Rivière como o nosso exemplo. 

Primeiro procuremos esclarecer quem é Pichon-Rivière. Pichon para os íntimos (Rs!), é um dos mais ilustres representantes da Psicologia Social. O que é a Psicologia Social? É uma das áreas de atuação do profissional da Psicologia, área que articula conhecimentos oriundos da Psicologia e das Ciências Sociais, tentando demonstrar que o homem é muito mais do que um ser individual moldado por "forças psicológicas", sendo também um ser social que sofre extensa influência dos contextos sociais em que transita, ou mais especificamente é um ser social que sofre forte influência dos grupos a que pertence.

Existe na Psicologia Social uma preocupação em desvendar como os grupos funcionam, pois há um entendimento implícito que a realidade social é composta pela interação dos diferentes grupos que formam os diversos segmentos desta mesma realidade. O entendimento a respeito do funcionamento dos grupos levaria a um entendimento das diversas realidades sociais. Por isso toda uma insistência em tentar entender as leis que estão por trás do funcionamento dos grupos. No entanto, estas "leis" acabam caindo em descrições das topografias dos comportamentos das pessoas quando estão interagindo em situações grupais, e tais descrições costumam ser agrupadas sob rótulos que teriam por função especificar os tipos de papéis sociais que normalmente são assumidos no interior dos grupos.

Então, parte-se do pressuposto que existem papéis que são "encenados" quando se está interagindo em um grupo. Estes papéis são o produto de um conjunto de forças inferidas a partir da execução dos mesmos, forças de origem mental que obscurecem as contingências de reforço responsáveis pelos comportamentos das pessoas que estão interagindo com outras em situações grupais. Pichon-Rivière fala de três forças, e a forma com que estas se manifestam são determinantes para a maneira como as pessoas encenam os seus papéis no interior do grupo.

Elas são: o Depositado, o Depositário e o Depositante. Juntas as três forças formam a dinâmica dos 3 D's, e por sua vez esta dinâmica é determinante para a dinâmica dos grupos. Os leitores perceberão que há nestes conceitos um forte compromisso com as teorizações da Psicanálise. O depositado é aquilo que o grupo ou um dos seus membros não tem condições de assumir e deposita em alguém. O depositário é quem aceita o conteúdo depositado sobre si. Já o depositante é aquele que deposita. Que conteúdos são esses? Conteúdos afetivos de origem inconsciente, que se não forem interpretados continuarão sendo imperceptíveis para o grupo, mantendo, portanto, seus padrões de funcionamento, padrões que podem levá-lo a posturas que causem desconfortos para todos os seus membros. Padrões que podem manter a rigidez na encenação de certos papéis que prejudicam o funcionamento global do grupo.

Será que não podemos identificar os 3 D's com os três termos da contingência de reforço? Se o depositado é o conteúdo que se deposita, poderia ele ser identificado, portanto, com o comportamento das pessoas. Quem deposita age de certa forma para depositar. O verbo depositar é apenas uma maneira de expressar que as pessoas agem de uma certa forma quando estão se relacionando. Elas expressam suas emoções, elas xingam, elas se divertem, elas sorriem, elas brigam etc. Esses são os conteúdos que são depositados, ou seja, no fim das contas estes conteúdos são comportamentos, e quando as pessoas se comportam os seus comportamentos têm efeitos umas sobre as outras. Em outras palavras, seus comportamentos têm consequências!

Imaginemos um episódio de relação entre o fulano A e o beltrano B. A diz que B é inteligente. B responde agradecendo. A depositou algo sobre B, melhor dizendo, ele agiu com relação a B. Para que isso acontecesse foi necessário B estar presente. B agiu como estímulo discriminativo estabelecendo a ocasião para A elogiá-lo. Talvez B tenha conseguindo resolver uma tarefa muito difícil e por isso A disse que ele era inteligente. O comportamento de B ao resolver a tarefa criou a ocasião para que A o elogiasse. Talvez fosse uma tarefa que o grupo como um todo não estava conseguindo resolver, então, não somente A reconheceu o esforço de B, mas talvez C e D tenham feito o mesmo. Talvez todo o grupo tenha seguido o exemplo de A, elogiando, portanto, o comportamento de B.

B ao agradecer o elogio de A, provê consequências para o seu comportamento de elogiar, ou seja, B reforça o comportamento de A. O depositário é equivalente ao ouvinte num episódio de interação verbal. Sua reação ao que ouve reforça os comportamentos do falante, e neste caso A é o falante. Os outros membros do grupo também podem agir como falantes em episódios de interação com B. Ao reagir ao comportamento de A, o sujeito B, apresenta consequências para os seus comportamentos, agindo, assim, como o outro termo das contingências de reforço, neste caso os consequentes. A seria os antecedentes, ou seja, sua presença e seu comportamento de elogiar são o contexto para B agradecer ao elogio, assim como a presença de B cria a ocasião para que A o elogie. Então, consequentes e antecedentes vão trocando de lugar na medida em que o episódio de interação se desenrola. Os antecedentes são equivalentes aos comportamentos do depositante, de quem deposita, de quem inicia o episódio de interação. Depositante e depositário vão trocando de lugar, em outras palavras, antecedentes e consequentes vão tendo suas funções alteradas na medida em que a interação entre os membros se desenrola. Importante notar que a descrição dos 3 D's é topográfica. Não há preocupação em especificar as condições responsáveis pela forma como os diversos conteúdos são depositados nos diferentes membros do grupo, pois a deposição em si é suficiente para identificar o tipo de papel que está sendo exercido. Mas é sempre bom lembrar que depositar é comportar-se em relação a algo ou a alguém, e tal comportamento é modelado e mantido pelas contingências de reforço.

Entendendo a relação entre os 3 D's, que é uma forma de designar os três termos das contingências de reforço, uma forma mais topográfica que funcional, passemos à análise dos papéis sociais citados por Pichon, que são: líder de mudança, líder de resistência, bode-expiatório, porta voz e representantes do silêncio. O líder de mudança é aquele que se arrisca em nome do grupo, chamando para si as responsabilidades pela mudança. A descrição é topográfica demais e não especifica as condições que motivam esse tal líder de mudança a agir assim. Ele está sendo pressionado por cobranças pontuais com relação ao cumprimento das tarefas do grupo? Essas tarefas criam a ocasião para que ele assuma tais responsabilidades? Ele age assim porque é reforçador receber elogios dos demais que reconhecem seu esforço? Vejam, as contingências é que moldam os comportamentos que estão sendo chamados de atitudes de um líder de mudança.

O líder de resistência, também chamado de sabotador, é aquele que costuma brecar os avanços do grupo, resistindo quase sempre às proposições do líder de mudança. Ele é uma espécie de antítese do líder de mudança. Talvez o lado negro da força. Ok, não resisti à comparação com Star Wars! (Rs!!!). As mesmas questões se aplicam ao sabotador. Que circunstâncias levam-no a sabotar os projetos do grupo. Ele está exercendo contracontrole? Ele não tem habilidades para acompanhar o desenvolvimento do grupo, então, age de forma a sabotar? Só as contingências poderiam esclarecer tais questionamentos.

O bode-expiatório é aquele sobre quem são depositadas as culpas do grupo. É o culpado pelos insucessos do grupo. O grupo o elege para se livrar de suas próprias culpas. Aqui a descrição fornece algumas pistas sobre as contingências que podem agir na determinação dos comportamentos de eleger alguém para se culpar. Culpar é uma forma de se esquivar. É mais fácil culpar o outro do que assumir os próprios erros. Agindo dessa forma o grupo talvez se esquive de certas tarefas desconfortáveis, evite certos controles aversivos. Punindo o comportamento de alguém o grupo evita o enfrentamento de certas situações aversivas. A eleição de um bode-expiatório pode indicar a existência de controle aversivo dentro do grupo.

O porta voz é o que fala em nome do grupo. É quem extravasa as ansiedades do grupo, ou seja, é quem as nomeia. Mais uma vez a descrição topográfica não fornece elementos suficientes para especificar as contingências que levem o porta voz a falar em nome do grupo. Muitas combinações de contingências podem levar a este comportamento, então, cada situação grupal deve ser analisa individualmente. Teorizações generalistas podem não se aplicar a situações tão individuais, por isso todo o cuidado é pouco na hora de se realizar uma boa análise funcional do funcionamento de um grupo, o que requer a análise dos comportamentos de seus membros em interação e das contingências de reforço que surgem destas interações.

Por último, os representantes do silêncio. Com o seu silêncio denunciam os ruídos no interior do grupo. Então, devemos nos perguntar: o que levam as pessoas a assumirem o silêncio como padrão de comportamento ao interagirem em situações grupais? Mais uma vez estamos diante de uma infinidade de contingências que podem ser responsáveis por essa forma de se comportar. E são estas contingências que devem ser analisadas para que os comportamentos dos membros de um grupo possam se tornar compreensíveis. Descrições topográficas podem gerar enganos que só serão elucidados com a análise das funções dos comportamentos das pessoas interagindo em situação grupal.

Há que se considerar que as contingências que modelam os comportamentos dos grupos são mais complexas, mas isso não se constitui em uma ameaça para o empreendimento de uma análise funcional desses comportamentos. Fugir pela tangente das descrições topográficas não é a saída! Encaremos que a análise funcional pode nos fornecer elementos essenciais para planejar novas formas de interação para os grupos. E porque não pensar que podem também fornecer elementos para o planejamento de novas culturas? Walden II não seria um bom exemplo?




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