quinta-feira, 14 de março de 2013

Dos Modelos Teóricos aos Modos de Intervenção: Terapia Comportamental e Terapia Comportamental-Cognitiva

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A junção entre os modos de intervenção clínica baseados nos modelos teóricos do comportamentalismo de orientação behaviorista radical e no cognitivismo, é tomado como algo que é tão natural, que faz parecer que não há incompatibilidades entre estes dois modelos que fazem referências a teorias que distam diametralmente uma da outra, é como se uma estivesse numa extremidade de uma reta e a outra na outra extremidade. As duas pontas da reta jamais vão se encontrar a não ser que a reta possa ser curvada, mas se isso ocorrer a reta deixa de ser reta, ou seja, a reta perde as suas características que a definem como sendo uma reta.

A terapia comportamental de orientação behaviorista radical perde suas características que a definem como comportamental ao seu unir à orientação cognitivista. Que características? A principal de todas elas é tomar o comportamento como foco da sua intervenção, entendendo-o como relação que se estabelece entre o organismo que se comporta e o ambiente. Por ambiente entende-se tudo aquilo que pode afetar o comportar-se (SKINNER, 1998). Ambiente é aquilo que é externo à ação e não o que é externo ao organismo (MATOS, 1999).

Nesta definição de ambiente entram os eventos privados, eventos que na concepção de Skinner (1993/1998) ocorrem num mundo debaixo da pele. Ainda fazendo referência a Skinner (1998), com relação aos eventos privados e à definição de ambiente ele diz:

"Quando dizemos que o comportamento é função do ambiente, o termo "ambiente" presumivelmente significa qualquer evento do universo capaz de afetar o oganismo. Mas parte do universo está encerrada dentro da própria pele de cada um. [...] Não temos necessidade de supor que os eventos que acontecem sob a pele de um organismo tenham, por essa razão, propriedades especiais. Pode-se distinguir um evento privado por sua acessibilidade limitada mas não, pelo que sabemos, por qualquer estrutura ou natureza especiais." (SKINNER, 1998, p. 281-282).

Eventos privados não são sinônimos de eventos mentais (MATOS, 1998). A acessibilidde limitada não transforma os eventos privados em eventos mentais. Eles continuam tendo propriedades físicas e temporais, ou seja, podem ser localizados no tempo e espaço, sendo, portanto, fenômenos naturais, fenômenos passíveis de serem estudados com os métodos das ciências naturais. O que torna difícil o estudo destes eventos é a sua acessibilidade, pois a comunidade verbal precisa arranjar contingências de reforço que permitam ao indivíduo falar de seu mundo privado, mas isso não é nada fácil, pois a comunidade verbal não tem acesso a este mundo. Então, ela faz isso com base em eventos públicos correlatos que acompanham os eventos privados. Para uma discussão mais pormenorizada de como esse processo acontece, sugiro a leitura de um outro texto deste blog: "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos."

O que fica claro é que o Behaviorismo Radical tem o arsenal teórico necessário para lidar com os eventos subjetivos, eventos geralmente equiparados a eventos mentais, sem que seja necessário recorrer ao mentalismo. Então por que a Terapia Comportamental, que é a aplicação dos métodos derivados da Análise do Comportamento e dos princípios teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical no entendimento e modificação do comportamento no setting clínico teria que recorrer ao cognitivismo? A terapia comportamental precisa do suporte teórico do cognitivismo?

É aqui que entra nossa reflexão que pretende diferenciar "bife à milanesa de bife ali na mesa". Bife à milanesa é uma forma de fritar bifes para que fiquem com uma crosta crocante, e bife ali na mesa é um bife de qualquer espécie localizado em cima de uma mesa. Da mesma forma Terapia Comportamental é uma coisa e Terapia Comportamental-Cognitiva é outra coisa completamente diferente, e a segunda não complementa e nem é uma espécie de evolução da primeira, antes representa muito mais um retrocesso do que um avanço.

Portanto, a adoção de um ou outro modelo teórico leva a modos de intervenção bastante distintos. Se o terapeuta comportamental considera como foco de sua intervenção o comportamento, ele analisará as contingências por trás de sua determinação, e em seguida planejará modos de intervenção que levem a modificações nestas contingências, de modo que estas modificações produzam alterações no comportamento. Ele agirá desta maneira porque entende e tem condições de provar que o comportamento é modelado pelo ambiente, ou melhor dizendo, que ele é modelado pelas contingências de reforço, e que as modificações nestas contingências levam a mudanças nas formas de agir.

Já o terapeuta cognitivista que adota a denominação comportamental-cognitivo ou cognitivo-comportamental, entende que o comportamento até pode ser influenciado pelo ambiente, no entanto, o mesmo é produto de processos cognitivos. Rangé (1998), ao se referir ao que chama de PCC (Psicoterapia Cognitivo-Comportamental), diz o seguinte:

"A  PCC é uma modalidade terapêutica desenvolvida a partir dos princípios de aprendizagem e, posteriormente, da ciência cognitiva, conforme estabelecidos pela psicologia experimental. Seu objeto de interesse é o comportamento como tal e seus fatores determinantes, como condições ambientais e processos cognitivos específicos, e não supostos processos subjacentes. [...] Segundo a PCC, os comportamentos que uma pessoa apresenta evidenciam a ação de princípios científicos do comportamento desenvolvidos pela psicologia experimental especialmente no campo da aprendizagem, da psicologia cognitiva e do estudo das emoções, além de conhecimentos gerados nas áreas de psicologia social, psiquiatria, psicologia clínica, desde que experimentalmente validados. Estes princípios estabelecem que o comportamento humano é grandemente determinado por suas relações com o ambiente atual e pela mediação cognitiva." (RANGÉ, 1998, p. 35).

Interessante notar que a citação acima é retirada de um artigo intitulado "Psicoterapia Comportamental", artigo em que o autor deveria apresentar a psicoterapia comportamental ao invés de tecer considerações sobre o que chama de PCC. A questão é que o termo comportamental é tão genérico que se faz necessário elucidar que referências teóricas são adotadas quando se fala de terapia comportamental, por isso este texto em diversos momentos sublinhou que a terapia comportamental do qual está se falando é aquela orientada pelos princípios teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical, e que isso fique bem claro.

Fica claro na citação de Rangé (1998) que os cognitivistas entendem os processos cognitivos como fatores determinantes na ocorrência do comportamento, e sublinham que estes são os fatores mais importantes a serem considerados. Os processos cognitivos, como crenças e mapas cognitivos vão mediar a ocorrência do comportamento, e a atuação do terapeuta deve visar a modificação destes processos, e sem que isso seja feito não há alterações no comportamento. Os terapeutas cognitivos até adotam a utilização de técnicas de modificação de comportamentos oriundas da análise do comportamento e das teorizações do Behaviorismo Radical, mas para eles estas técnicas apenas dão um suporte para que comportamentos sejam influenciados, pois a verdadeira mudança é aquela que decorre das alterações em processos cognitivos. Por causa da utilização destas técnicas é que fazem uso das denominações cognitivo e comportamental simultaneamente.

Talvez o leitor esteja se perguntando, mas o trabalho de terapeutas cognitivos-comportamentais não produz resultados? Isso é difícil de ser refutado. Realmente há resultados, mas isso é explicável. Qualquer terapia a princípio pode produzir resultados, até mesmo terapias de orientação psicanalítica. Ainda que não se adote o comportamento como foco da intervenção e sim as ficções mentalistas, durante o trabalho terapêutico são arranjadas contingências de reforço que levam a mudanças comportamentais, todavia, estas contingências são arranjadas acidentalmente, ou seja, o planejamento delas não ocorre da mesma forma como na terapia comportamental de orientação behaviorista radical.

A terapia psicanalítica nem é um bom parâmetro de comparação, pois nesta não há nenhum planejamento, e se surgem contingências que produzem modificações comportamentais, estas são um produto do mero acaso. Já na chamada terapia cognitivo-comportamental há algum planejamento, ainda que este não atue diretamente sobre o comportamento, pois o foco da intervenção são os processos cognitivos. Todavia, a postura mais ativa do psicoterapeuta potencializa as chances de que sejam arranjdas contingências que gerem mudanças comportamentais, e certamente a valorização da relação terapêutica, algo que os terapeutas comportamentais-cognitivos levam bastante a sério, cria circunstâncias que favorecem a mudança de comportamentos.

Mesmo que eles atuem sobre processos cognitivos, que na verdade são exemplos de comportamentos, acabam atuando sobre variáveis importantes e que levam a mudanças comportamentais. Crenças, que são exemplos de mapas cognitivos que influenciam a percepção da realidade, de acordo com os cognitivistas, são na verdade exemplos de descrições de contingências (regras) geradas por operantes verbais. Se as crenças são modificadas, ou seja, se os operantes verbais que controlam a emissão de outros comportamentos são modificados, é de se esperar que esses outros comportamentos também se modifiquem. Ao menos no que tange a probabilidade de emissão estes comportamentos serão modificados, pois sendo as regras estímulos discriminativos que sinalizam a ocorrência de determinados reforços, a sinalização atuará como fator no aumento ou diminuição da probabilidade de que certos comportamentos ocorram.

Logicamente que a modificação de regras não é suficiente, pois estas também são comportamentos, e por sua vez estes comportamentos são produto de outras contingências de reforço. Regras se alteram quando são modificadas as contingências de reforço que as originam. Então, o foco da intervenção devem ser as contingências de reforço que produzem as regras, as contingências arranjadas pelas regras e o controle exercido por elas na emissão de certos comportamentos e as outras contingências que junto com as regras também afetam o comportar-se.

Portanto, a adoção deste ou daquele modelo teórico acaba levando a modos diversos de atuação. Se trabalho com crenças, vou procurar atuar sobre variáveis intermediárias, o que na prática é um exercício de mentalismo. Atuando sobre variáveis intermediárias posso até conseguir alguma mudança, pois acidentalmente contingências de reforço podem ser criadas, contingências que produzem modificações comportamentais. Mas se trabalho com contingências de reforço ao invés de crenças ou mapas cognitivos, atuarei diretamente sobre aquelas variáveis relevantes para que ocorram mudanças comportamentais efetivas, e neste caso as mudanças não serão um produto acidental do processo psicoterápico.

Por conseguinte, encontramos no Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento os meios necessários para que deliberadamente planejemos contingências de reforço que levem a mudanças comportamentais efetivas, sem que seja necessário fazer referência à conceitos que ao invés de representarem um avanço, são uma espécie de retorno ao mentalismo.

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REFERÊNCIAS:

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In: RANGÉ, B. (Org.).
Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática,  aplicações e problemas.  2. ed.  Campinas: Editorial Psy, 1998. p. 27-34.

MATOS, M. A. Com o que o Behaviorista Radical trabalha?. In: BANACO, R. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista. 2 ed. Santro André: ARBytes, 1999, p. 45-53.

RANGÉ, B. Psicoterapia Comportamental. In: RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática,  aplicações e problemas.  2. ed.  Campinas: Editorial Psy, 1998. p. 27-34.

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 

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