sábado, 2 de março de 2013

Educação: entre a quantidade e a qualidade

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ao refletir no texto "O Ofício de Ser Professor" sobre a missão do professor, acabei também construindo uma reflexão sobre a missão da educação. Naquela ocasião mencionei que a educação tem a missão de preparar o estudante para resolver problemas que vão ser encontrados além dos muros da escola. Para isso as escolas têm que contribuírem para o desenvolvimento de habilidades (comportamentos) que serão úteis na resolução destes problemas. O professor tem um papel fundamental em todo este processo, pois é ele o responsável, junto com a comunidade escolar, por arranjar as contingências de reforço que vão permitir a aquisição destas habilidades.

Creio que até aqui todos concordamos. Mas a questão começa a ficar séria quando as escolas passam a funcionarem conforme as contingências culturais arranjadas por nossa sociedade capitalista. Antes de vocês pensarem que este texto tem o propósito de cair no lugar comum de acusar o capitalismo por todos os males vividos por nossa sociedade, digo que esta não é a pretensão do mesmo. Todavia, não há como negar que as contingências arranjadas por nossa sociedade acabam moldando a forma das instituições escolares funcionarem, principalmente as instituições privadas.

Uma das molas propulsoras do sistema de produção capitalista é a concorrência. As instituições que oferecem o melhor produto ou serviço tendem a superarem os seus concorrentes, ou seja, se saem melhor as instituições que são mais eficientes. Todavia, no contexto de uma sociedade capitalista a eficiência está fortemente associada à ideia de produtividade. Quem produz mais num intervalo menor de tempo, e isso é possível graças as tecnologias industriais, acaba tendo melhores condições de oferecer no mercado um produto mais barato.

Isso acaba criando as condições ideais para a propagação da ideia de que quantidade é quase um sinônimo de qualidade, ou seja, é mais eficiente aquele que produz mais. E as escolas entraram nesta onda, principalmente as escolas da rede privada. Digo principalmente as escolas da rede privada porque elas concorrem entre si, elas estão atrás do mesmo público-alvo. Sendo assim, precisam cativá-los. Quem é o público-alvo destas escolas? Certamente você respondeu que são os estudantes! Eu convido você a reformular sua resposta. O público-alvo são os pais, pois são eles que pagam as mensalidades.

São os pais que precisam ser convencidos pelas escolas de que elas oferecem um serviço de qualidade. As escolas utilizam inúmeras maneiras para fazerem isso, mas tem uma forma que tem se tornado cada vez mais comum e que poucas vezes a levamos em consideração. Me refiro aos deveres de casa, e até eles têm funcionado conforme a lógica capitalista de que maior quantidade representa melhor qualidade. Será? Os pais se deixam convencer muito facilmente por esta lógica, e não é incomum encontrar aqueles que dizem: "a escola do meu filho é tão boa, que todos os dias passa uma quantidade enorme de tarefas para casa, então, ele fica o tempo todo estudando."

Certamente esta estratégia é tomada como boa por muitos pais, pois eles ficam livres das peripécias dos pequenos enquanto estes estão envolvidos com os deveres escolares. Reforçamento negativo! As tarefas escolares em abundância são boas porque livram os senhores pais das chateações que os filhos poderiam estar causando enquanto se debruçam sobre os deveres da escola. Quantidade não quer dizer qualidade! É um erro pensar que mais deveres escolares criam a oportunidade (contingências de reforço) para a aquisição das habilidades que os estudantes precisam desenvolver, habilidades que ajudariam na resolução de problemas que possivelmente serão encontrados para além dos muros escolares.

O raciocínio é ligeiramente simples. Uma quantidade maior de tarefas escolares não garante necessariamente que reforços positivos sejam contingentes aos comportamentos que precisam ser modelados, comportamentos que tornariam os estudantes mais aptos a lidarem com os problemas da vida cotidiana. Mais não é sinônimo de bom! Quantidade não implica em qualidade!

Contudo, você deve estar pensando: "mas as ecolas privadas não acabam produzindo mais resultados? Elas não aprovam, por exemplo, mais alunos nos vestibulares?" Sim, isso é verdade! Elas preparam os estudantes para se tornarem bons autômatos, bons decoradores de fórmulas e regrinhas que garantem maiores desempenhos em vestibulares. É verdade também que os professores possuem melhores condições de ensino, pois têm ao seu dispor mais tecnologia: lousas digitais, computadores, laboratórios de informática etc.

No fim das contas as escolas têm preparado os alunos para se adaptarem razoavelmente bem ao sistema capitalista. Elas preparam os alunos para serem produtivos, para produzirem mais em menor tempo. E não é isso que o capitalismo espera de nós, ou seja, que sejamos produtivos? Mas fico aqui pensando nas consequências deste modelo educacional. A criança enquanto está tomada pelas tarefas escolares, acaba perdendo boas oportunidades de se aproximar dos pais, de brincar um pouco mais, de se divertir etc.

Há quem defenda que uma quantidade maior de tarefas escolares gera maior responsabilidade. Se entendermos o comportamento de ser responsável como a capacidade de analisar as consequências das próprias ações, não precisamos necessariamente esperar que as tarefas escolares sejam o meio exclusivo para aquisição de responsabilidade. Uma criança pode muito bem aprender a ter responsabilidade através do brincar. Brincadeiras têm regras, e o cumprimento ou descumprimento das regras ocasiona em consequências diferentes, o que gera ocasiões perfeitas para que a criança aprenda que comportamentos têm consequências, e que por sua vez estas consequências atingem tanto quem se comporta quanto as outras pessoas que estão próximas.

Não é necessário privilegiar os deveres escolares como único meio para a aquisição de responsabilidades. Mas as escolas precisam convencerem os pais que oferecem um ensino diferenciado. Utilizam, então, os deveres para demonstrarem que estão ocupando as crianças e bombardeando-as com informações que vão torná-las seres humanos melhores. Usam os deveres para demonstrarem que são escolas produtivas e eficientes, pois obrigam os seus alunos a adquirirem responsabilidade. Com isso horas de lazer são sacrificadas, horas que poderiam ser gastas com jogos e brincadeiras que ensinariam as crianças que o cumprimento ou o descumprimento de regras ocasionam em consequências diferentes.

Todavia, esta lógica não tem ficado restrita ao ambiente das instituições privadas. Ela também tem atingido o ensino público, e não é raro encontrar pais que pressionam as escolas públicas para aumentarem a carga de deveres escolares de seus filhos. Para fugirem das pressões dos pais as escolas acabam cedendo. E, assim, o sistema educacional vai preparando pessoas para se adaptarem às exigências de produtividade do capitalismo. Aí eu me pergunto: elas preparam as pessoas para questionarem o sistema? Deixo a pergunta para vocês!

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6 comentários:

  1. Objetivo & Positivo só para não fugir do exercício da minha de associações livres desenvolvido ao longo de tantos anos de análise. Tal como sublinhado por você, tudo isto são estratégias mercadológicas de materiais educativos promotores do novo consumidor do mercado editorial com promessa de reforço ao final da cadeia de Ensino Médio:

    http://200.136.76.28/default.asp
    http://www.editorapositivo.com.br/editora-positivo/sistemas-de-ensino/sistema-positivo-de-ensino.html

    Quais os fins da educação, afinal? Dentre outros: reforçar o lucro das empresas editoriais e instituir um mercado de bens simbólicos. Sim, Educação é mercadoria. Grade Pierre Bourdieu de quem lhe sugiro a leitura, em ritmo digestivo, do seu imprescindível A DISTINÇÃO: CRÍTICA SOCIAL DO JULGAMENTO.

    Mais uma vez, parabéns pela lucidez dos seus escritos.

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    1. Excelente colocação Paulo! De fato o objetivo da educação é reforçar os lucros das empresas editoriais. E concordo plenamente que educação é mercadoria, sobretudo, uma mercadoria de alto valor. Vou ler o texto indicado do Pierre Bourdieu.

      Mais uma vez obrigado por suas contribuições! Grande abraço!

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  2. Olá Bruno!
    Adorei a sua visita no blog.
    Será um prazer ter sua parceria. Gosto de conteúdo inteligente e textos originais.
    Já adicionei seu banner na página de parceria. Só mudei um pouquinho seu banner para ficar do tamanho padrão de minha página.
    Grande abraço!

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    1. Obrigado Erica por ter aceitado a parceria. Penso que a mesma pode render bons frutos. Grande abraço!

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  3. Bruno:
    Creio que o papel da educação, cabe aos pais.
    A escola tem o dever de ensinar.
    São coisas totalmente distintas, e que geram confusão.
    Nesse contexto, é lógico que a escola deveria fomentar o questionamento e incentivar a reflexão.
    Mas por trás do dever, existe a cobrança pra estimular o consumo em massa.
    E o resultado é exatamente o que você descreveu no seu texto, ou seja, um desperdício de tempo com coisas inúteis.
    Abraços:
    Sil

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    1. Muito bem colocado Silvana! A educação se transformou em uma mercadoria de alto valor, por isso são utilizadas todas estas estratégias mercadológicas para que esta mercadoria seja consumida num mercado altamente competitivo.

      Grande abraço!

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