sexta-feira, 29 de março de 2013

Conheça-te a ti mesmo: uma reflexão sobre a gestão de pessoas

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Comecemos com uma historinha. Certa vez numa experiência quatro cegos foram convidados a dizer o que era um elefante depois de apalpar uma das partes do seu corpo. O primeiro apalpou a tromba e disse: um elefante é como uma mangueira de incêndio. O que apalpou a orelha retrucou dizendo: não é nada disso, um elefante é como uma grande folha, plano, porém espesso. Logo o terceiro cego, que havia apalpado uma das pernas mencionou: um elefante não é uma mangueira e nem mesmo uma grande folha, um elefante é como um grande poste de madeira. O quarto cego depois de apalpar a calda disse sorrindo: vocês estão todos enganados, um elefante é como um chicote, fino e com pêlos em sua extremidade.  

E se um dos cegos tivesse a brilhante ideia de questionar: um elefante não seria tudo isso que mencionamos? Se os cegos tivessem trabalhado juntos e somado as percepções não teriam eles chegado a um denominador comum? Não teriam eles decifrado o que é um elefante? Muitos supervisores, gerentes e diretores de empresas são como estes cegos. Só enxergam o seu trabalho. O seu trabalho é sempre mais importante do que o trabalho da equipe. Esquecem da valiosa lição de gestão de pessoas que nos apresenta esta historinha: “o pior cego é aquele que não quer ver”.  

O pior cego é aquele que não quer ver que o sucesso de uma empresa é um produto do trabalho de pessoas. E o bom gestor de pessoas não coloca a sua visão acima da visão de seus colaboradores, ao contrário, ele faz com que a visão da equipe esteja acima dos caprichos individuais. O bom gestor de pessoas não se prende à sua visão, pois sabe que a sua visão é parte integrante de um todo formado pela visão dos colaboradores que compõem a sua equipe de trabalho. O bom gestor de pessoas não é como os cegos da nossa historinha, ele sabe a hora de renunciar à sua visão, pois compreende que o seu sucesso individual é fruto do sucesso da equipe.  

Mas, o que é Gestão de Pessoas? Gestão de Pessoas é um conjunto infinito de atitudes para extrairmos das pessoas o que elas têm de melhor. Pessoas são como um diamante bruto que precisa ser lapidado. O diamante bruto tem o seu valor? Sim, ele tem. Mas, depois de lapidado o seu valor fica muito maior. E é isso o que faz o gestor de pessoas, ele aprimora conceitos e atitudes, primeiro os seus próprios conceitos e atitudes, depois os conceitos e atitudes dos seus colaboradores.  

Disto inferimos que não há gestão de pessoas sem inteligência emocional. Ninguém pode gerir o outro se não pode gerir a si mesmo. Eu sou um bom gestor de pessoas na medida em que o conhecimento que tenho de mim mesmo me permite prever quais serão as minhas atitudes em circunstâncias específicas. Se posso prever, posso evitar aquelas atitudes que têm o potencial de gerar conseqüências desastrosas para os meus relacionamentos.  

Seja inteligente, conheça-te a ti mesmo. Conheça-te a ti mesmo e será um bom gestor de pessoas. Pense nisso! 

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Controle Comportamental e Liberdade

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A discussão sobre controle comportamental inexoravelmente remete-nos à discussão sobre a questão da liberdade. Quando se fala em controle logo se pensa em perda da liberdade. Estas duas questões estão de tal forma relacionadas que controle e liberdade dificilmente são definidos sem que se faça uso de um ou de outro termo como antônimo na definição. Quem tenta explicar o que é a liberdade cita como exemplos situações em que o uso de um determinado tipo de controle levou à perda de locomoção ou da capacidade de expressão. Esta perda representaria uma restrição na liberdade. Melhor colocar a questão como uma pergunta: a existência do controle comportamental implica em perda de liberdade? Faz sentido falar em liberdade quando se admite a existência do controle comportamental?

Recomendo ao leitor que antes de prosseguir na leitura deste texto, se possível faça a leitura de um outro texto também postado neste blog: "Controle comportamental: algumas considerações". No texto recomendado apresento uma discussão sobre o que é o controle comportamental, e sobre como a Análise do Comportamento lida com esta melindrosa questão. Antes de prosseguirmos é bom recapitular o que diz o texto e lembrar que controle comportamental para a Análise do Comportamento é equivalente a relações de determinação. Isso significa que o comportamento é determinado, o que acaba sendo um golpe duro na noção de liberdade.

A liberdade como ausência de determinação não existe. Mas o sentimento de liberdade pode existir, dependendo apenas do arranjo de certas contingências de reforço. Contingências de reforço em que há prevalência de reforçamento positivo produzem com maior probabilidade uma sensação de liberdade. Contingências que possibilitam o exercício do contracontrole também contribuem para que as pessoas se sintam mais livres, pois estas contingências simplesmente tornam possível a eliminação das fontes de estimulação aversiva.

Um sujeito ao cumprir sua pena de prisão, depois de sair do presídio vai dizer que se sente livre porque se livrou das grades e das atrocidades cometidas dentro do sistema prisional. Neste sentido ele está dizendo que se livrou das fontes de estimulação aversiva ao qual estava submetido. O nosso sujeito hipotético tinha seus comportamentos na prisão mantidos por controle aversivo. Fora da prisão tem a oportunidade de se expor a contingências de reforçamento positivo, aumentando, dessa forma, as chances de sentir liberdade. A questão é que dentro ou fora da prisão seu comportamento continua sendo controlado pelo ambiente. É certo que haverá uma mudança no tipo de controle, o que ocasionará comportamentos emocionais diferentes.

Na prisão o nosso sujeito hipotético se encontrava sob o controle de contingências aversivas,  por isso se sentia oprimido e privado de liberdade. Fora da prisão ele acaba se submetendo ao controle de contingências que possibilitam a ocorrência de comportamentos que não poderiam ser emitidos enquanto estava preso. Vai poder namorar, trabalhar, se divertir etc. Talvez tais comportamentos até pudessem ocorrer na prisão, mas sob uma forte vigilância.

Se pedirmos alguém que viveu no tempo da ditadura militar para comparar o que sente agora com o que sentia quando estava submetido à vigilância de um regime militar, certamente esta pessoa vai dizer que se sente mais livre num regime político em que ela pode contestar e criticar as ações do estado do que em um regime em que estes comportamentos poderiam ser punidos com penas de prisão, tortura ou morte. A diferença está nas contingências de reforço. Em regimes militares comportamentos que se dirigem contra o governo são passíveis de punição. Já em regimes democráticos tais comportamentos podem ocorrer. Num regime prevalecem as contingências de controle aversivo e não existe a possibilidade de contracontrole. Noutro regime existe a possibilidade de contracontrole e são incentivados os comportamentos de participação na vida política do país. Mas nos dois regimes o comportar-se está sendo controlado pelas contingências de reforço. A diferença está no tipo de controle.

Ainda que a noção de controle comportamental represente um golpe duro para o conceito de liberdade, isso não quer dizer que controle e liberdade não possam coexistir, desde que se entenda que o comportamento não deixa de ser determinado, mesmo quando nos sentimos livres.O sentir-se livre é tão determinado quanto o sentir-se preso. É bom salientar que o sentimento de liberdade não é um bom parâmetro para concluirmos o quanto alguém está sendo capaz de assumir as rédeas do próprio destino. Uma pessoa pode se sentir livre, mas não ter consciência sobre as condições que produzem os seus comportamentos. Dessa forma, ela pode ser facilmente manipulada ou conduzida a agir de determinadas maneiras. A longo prazo estas maneiras de agir podem gerar produtos bastante nefastos, ou impedi-la de desenvolver uma maior consciência sobre si mesma e sobre o mundo em que habita. Falando de modo mais claro, alguém que se sinta livre pode continuar agindo como um cordeiro, sendo facilmente conduzido ao matadouro ou tosqueado por aqueles que conhecem as condições que afetam o seu comportar-se.

Outro problema com a noção de liberdade é que ela conduz à crença de que podemos agir como queremos, ou seja, ela supõe que o agir é causado pelo sentir, ou em outras palavras, ela assume que o comportamento pode ser causado pelas emoções. Emoções não são causas de comportamento. Emoções também são comportamentos. Recomendo a leitura de dois artigos postados neste blog para maiores esclarecimentos sobre o tema comportamento emocional: "Garçonetes de uma cafeteria nos EUA usam lingerie para aumentar as vendas: conversando sobre emoções" e "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos". Clique aqui para ter acesso a outros posts que também tratam desta temática.

Assumir que o comportamento pode ser causado pelas emoções é adotar o modelo de causalidade mentalista em que o comportar-se teria como origem um "eu iniciador", e este "eu" se encontraria em algum lugar da mente, sendo chamado ora de "Self" e ora de "Inconsciente". Em versões mais modernas das psicologias mentalistas, as funções desse eu recaem sobre as cognições ou até mesmo sobre o cérebro. Tais explicações obscurecem as contingências de reforço responsáveis pelo comportamento de sentir-se livre ou sentir-se preso. Uma vez obscurecidas as contingências de reforço, perdemos a oportunidade de construir aquelas condições que poderiam produzir mais "liberdade" e mais consciência a respeito das circunstâncias que afetam o comportar-se.

Portanto, a desconstrução do conceito de liberdade não implica em perda de liberdade, ou seja, não implica na criação de circunstâncias que venham eliminar as contingências de reforço que fazem com que as pessoas se sintam mais livres, ou na criação de contingências que as submetam ao controle aversivo. A desconstrução deste conceito oferece-nos a possibilidade de entender as condições que afetam o comportar-se e possibilita o planejamento de circunstâncias que favoreçam a construção de um mundo em que as pessoas tenham chances reais de serem felizes.

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quinta-feira, 14 de março de 2013

Dos Modelos Teóricos aos Modos de Intervenção: Terapia Comportamental e Terapia Comportamental-Cognitiva

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A junção entre os modos de intervenção clínica baseados nos modelos teóricos do comportamentalismo de orientação behaviorista radical e no cognitivismo, é tomado como algo que é tão natural, que faz parecer que não há incompatibilidades entre estes dois modelos que fazem referências a teorias que distam diametralmente uma da outra, é como se uma estivesse numa extremidade de uma reta e a outra na outra extremidade. As duas pontas da reta jamais vão se encontrar a não ser que a reta possa ser curvada, mas se isso ocorrer a reta deixa de ser reta, ou seja, a reta perde as suas características que a definem como sendo uma reta.

A terapia comportamental de orientação behaviorista radical perde suas características que a definem como comportamental ao seu unir à orientação cognitivista. Que características? A principal de todas elas é tomar o comportamento como foco da sua intervenção, entendendo-o como relação que se estabelece entre o organismo que se comporta e o ambiente. Por ambiente entende-se tudo aquilo que pode afetar o comportar-se (SKINNER, 1998). Ambiente é aquilo que é externo à ação e não o que é externo ao organismo (MATOS, 1999).

Nesta definição de ambiente entram os eventos privados, eventos que na concepção de Skinner (1993/1998) ocorrem num mundo debaixo da pele. Ainda fazendo referência a Skinner (1998), com relação aos eventos privados e à definição de ambiente ele diz:

"Quando dizemos que o comportamento é função do ambiente, o termo "ambiente" presumivelmente significa qualquer evento do universo capaz de afetar o oganismo. Mas parte do universo está encerrada dentro da própria pele de cada um. [...] Não temos necessidade de supor que os eventos que acontecem sob a pele de um organismo tenham, por essa razão, propriedades especiais. Pode-se distinguir um evento privado por sua acessibilidade limitada mas não, pelo que sabemos, por qualquer estrutura ou natureza especiais." (SKINNER, 1998, p. 281-282).

Eventos privados não são sinônimos de eventos mentais (MATOS, 1998). A acessibilidde limitada não transforma os eventos privados em eventos mentais. Eles continuam tendo propriedades físicas e temporais, ou seja, podem ser localizados no tempo e espaço, sendo, portanto, fenômenos naturais, fenômenos passíveis de serem estudados com os métodos das ciências naturais. O que torna difícil o estudo destes eventos é a sua acessibilidade, pois a comunidade verbal precisa arranjar contingências de reforço que permitam ao indivíduo falar de seu mundo privado, mas isso não é nada fácil, pois a comunidade verbal não tem acesso a este mundo. Então, ela faz isso com base em eventos públicos correlatos que acompanham os eventos privados. Para uma discussão mais pormenorizada de como esse processo acontece, sugiro a leitura de um outro texto deste blog: "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos."

O que fica claro é que o Behaviorismo Radical tem o arsenal teórico necessário para lidar com os eventos subjetivos, eventos geralmente equiparados a eventos mentais, sem que seja necessário recorrer ao mentalismo. Então por que a Terapia Comportamental, que é a aplicação dos métodos derivados da Análise do Comportamento e dos princípios teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical no entendimento e modificação do comportamento no setting clínico teria que recorrer ao cognitivismo? A terapia comportamental precisa do suporte teórico do cognitivismo?

É aqui que entra nossa reflexão que pretende diferenciar "bife à milanesa de bife ali na mesa". Bife à milanesa é uma forma de fritar bifes para que fiquem com uma crosta crocante, e bife ali na mesa é um bife de qualquer espécie localizado em cima de uma mesa. Da mesma forma Terapia Comportamental é uma coisa e Terapia Comportamental-Cognitiva é outra coisa completamente diferente, e a segunda não complementa e nem é uma espécie de evolução da primeira, antes representa muito mais um retrocesso do que um avanço.

Portanto, a adoção de um ou outro modelo teórico leva a modos de intervenção bastante distintos. Se o terapeuta comportamental considera como foco de sua intervenção o comportamento, ele analisará as contingências por trás de sua determinação, e em seguida planejará modos de intervenção que levem a modificações nestas contingências, de modo que estas modificações produzam alterações no comportamento. Ele agirá desta maneira porque entende e tem condições de provar que o comportamento é modelado pelo ambiente, ou melhor dizendo, que ele é modelado pelas contingências de reforço, e que as modificações nestas contingências levam a mudanças nas formas de agir.

Já o terapeuta cognitivista que adota a denominação comportamental-cognitivo ou cognitivo-comportamental, entende que o comportamento até pode ser influenciado pelo ambiente, no entanto, o mesmo é produto de processos cognitivos. Rangé (1998), ao se referir ao que chama de PCC (Psicoterapia Cognitivo-Comportamental), diz o seguinte:

"A  PCC é uma modalidade terapêutica desenvolvida a partir dos princípios de aprendizagem e, posteriormente, da ciência cognitiva, conforme estabelecidos pela psicologia experimental. Seu objeto de interesse é o comportamento como tal e seus fatores determinantes, como condições ambientais e processos cognitivos específicos, e não supostos processos subjacentes. [...] Segundo a PCC, os comportamentos que uma pessoa apresenta evidenciam a ação de princípios científicos do comportamento desenvolvidos pela psicologia experimental especialmente no campo da aprendizagem, da psicologia cognitiva e do estudo das emoções, além de conhecimentos gerados nas áreas de psicologia social, psiquiatria, psicologia clínica, desde que experimentalmente validados. Estes princípios estabelecem que o comportamento humano é grandemente determinado por suas relações com o ambiente atual e pela mediação cognitiva." (RANGÉ, 1998, p. 35).

Interessante notar que a citação acima é retirada de um artigo intitulado "Psicoterapia Comportamental", artigo em que o autor deveria apresentar a psicoterapia comportamental ao invés de tecer considerações sobre o que chama de PCC. A questão é que o termo comportamental é tão genérico que se faz necessário elucidar que referências teóricas são adotadas quando se fala de terapia comportamental, por isso este texto em diversos momentos sublinhou que a terapia comportamental do qual está se falando é aquela orientada pelos princípios teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical, e que isso fique bem claro.

Fica claro na citação de Rangé (1998) que os cognitivistas entendem os processos cognitivos como fatores determinantes na ocorrência do comportamento, e sublinham que estes são os fatores mais importantes a serem considerados. Os processos cognitivos, como crenças e mapas cognitivos vão mediar a ocorrência do comportamento, e a atuação do terapeuta deve visar a modificação destes processos, e sem que isso seja feito não há alterações no comportamento. Os terapeutas cognitivos até adotam a utilização de técnicas de modificação de comportamentos oriundas da análise do comportamento e das teorizações do Behaviorismo Radical, mas para eles estas técnicas apenas dão um suporte para que comportamentos sejam influenciados, pois a verdadeira mudança é aquela que decorre das alterações em processos cognitivos. Por causa da utilização destas técnicas é que fazem uso das denominações cognitivo e comportamental simultaneamente.

Talvez o leitor esteja se perguntando, mas o trabalho de terapeutas cognitivos-comportamentais não produz resultados? Isso é difícil de ser refutado. Realmente há resultados, mas isso é explicável. Qualquer terapia a princípio pode produzir resultados, até mesmo terapias de orientação psicanalítica. Ainda que não se adote o comportamento como foco da intervenção e sim as ficções mentalistas, durante o trabalho terapêutico são arranjadas contingências de reforço que levam a mudanças comportamentais, todavia, estas contingências são arranjadas acidentalmente, ou seja, o planejamento delas não ocorre da mesma forma como na terapia comportamental de orientação behaviorista radical.

A terapia psicanalítica nem é um bom parâmetro de comparação, pois nesta não há nenhum planejamento, e se surgem contingências que produzem modificações comportamentais, estas são um produto do mero acaso. Já na chamada terapia cognitivo-comportamental há algum planejamento, ainda que este não atue diretamente sobre o comportamento, pois o foco da intervenção são os processos cognitivos. Todavia, a postura mais ativa do psicoterapeuta potencializa as chances de que sejam arranjdas contingências que gerem mudanças comportamentais, e certamente a valorização da relação terapêutica, algo que os terapeutas comportamentais-cognitivos levam bastante a sério, cria circunstâncias que favorecem a mudança de comportamentos.

Mesmo que eles atuem sobre processos cognitivos, que na verdade são exemplos de comportamentos, acabam atuando sobre variáveis importantes e que levam a mudanças comportamentais. Crenças, que são exemplos de mapas cognitivos que influenciam a percepção da realidade, de acordo com os cognitivistas, são na verdade exemplos de descrições de contingências (regras) geradas por operantes verbais. Se as crenças são modificadas, ou seja, se os operantes verbais que controlam a emissão de outros comportamentos são modificados, é de se esperar que esses outros comportamentos também se modifiquem. Ao menos no que tange a probabilidade de emissão estes comportamentos serão modificados, pois sendo as regras estímulos discriminativos que sinalizam a ocorrência de determinados reforços, a sinalização atuará como fator no aumento ou diminuição da probabilidade de que certos comportamentos ocorram.

Logicamente que a modificação de regras não é suficiente, pois estas também são comportamentos, e por sua vez estes comportamentos são produto de outras contingências de reforço. Regras se alteram quando são modificadas as contingências de reforço que as originam. Então, o foco da intervenção devem ser as contingências de reforço que produzem as regras, as contingências arranjadas pelas regras e o controle exercido por elas na emissão de certos comportamentos e as outras contingências que junto com as regras também afetam o comportar-se.

Portanto, a adoção deste ou daquele modelo teórico acaba levando a modos diversos de atuação. Se trabalho com crenças, vou procurar atuar sobre variáveis intermediárias, o que na prática é um exercício de mentalismo. Atuando sobre variáveis intermediárias posso até conseguir alguma mudança, pois acidentalmente contingências de reforço podem ser criadas, contingências que produzem modificações comportamentais. Mas se trabalho com contingências de reforço ao invés de crenças ou mapas cognitivos, atuarei diretamente sobre aquelas variáveis relevantes para que ocorram mudanças comportamentais efetivas, e neste caso as mudanças não serão um produto acidental do processo psicoterápico.

Por conseguinte, encontramos no Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento os meios necessários para que deliberadamente planejemos contingências de reforço que levem a mudanças comportamentais efetivas, sem que seja necessário fazer referência à conceitos que ao invés de representarem um avanço, são uma espécie de retorno ao mentalismo.

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REFERÊNCIAS:

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In: RANGÉ, B. (Org.).
Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática,  aplicações e problemas.  2. ed.  Campinas: Editorial Psy, 1998. p. 27-34.

MATOS, M. A. Com o que o Behaviorista Radical trabalha?. In: BANACO, R. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista. 2 ed. Santro André: ARBytes, 1999, p. 45-53.

RANGÉ, B. Psicoterapia Comportamental. In: RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática,  aplicações e problemas.  2. ed.  Campinas: Editorial Psy, 1998. p. 27-34.

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 
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domingo, 10 de março de 2013

"É Preciso Saber Viver": uma análise comportamental

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A música de Roberto Carlose e Erasmo Carlos "É Preciso Saber Viver" tem uma mensagem linda. Neste texto propomos uma análise comportamental de sua letra, e desta análise esperamos sinceramente que as contingências que a música descreve se transformem para todos nós em alvo de reflexão, pois em dias tão atribulados como os que vivemos, muitas são as pessoas que não estão sabendo viver e desfrutar dos pequenos prazeres que a vida pode nos proporcionar. Isso ocorre porque em muitas ocasiões estamos ocupados demais correndo atrás de ilusões que não nos deixam sentir e viver em todas as matizes esses pequenos prazeres.

"Quem espera que a vida / Seja feita de ilusão / Pode até ficar maluco / Ou morrer na solidão / É preciso ter cuidado / Pra mais tarde não sofrer / É preciso saber viver". "É preciso ter cuidado para mais tarde não sofrer", eis aí a essência do comportamento operante. O que fazemos no presente é seguido de consequências. Estas consequências modelam ao mesmo tempo as topografias e as funcionalidades de nossos comportamentos, gerando, assim, propensões para agir de diferentes modos. Estas propensões se manifestam em condições semelhantes em que o comportamento foi modelado, o que revela a ação do contexto sobre o comportar-se, algo que é tecnicamente chamado de controle de estímulos.

Sendo assim, o que fazemos no presente será determinante no tocante à forma como nos comportaremos no futuro. Conscientizar-se das condições que podem afetar nossos comportamentos no presente, é uma forma de aumentar no futuro a margem de controle sobre as circunstâncias relacionadas às nossas propensões de agir desta ou daquela maneira. Isso pode potencializar as chances de que reforços positivos sejam produzidos e contingências de controle aversivo sejam mitigadas. O conhecimento a respeito de nós mesmos é primeiro passo rumo a uma vida mais feliz!

"Quem espera que a vida / Seja feita de ilusão". Muitos são os que sofrem porque encontram na fantasia, ou melhor dizendo, encontram no comportamento de fantasiar seu único refúgio. Quem é que não fantasia? Certamente todos nós vez ou outra nos refugiamos em nosso mundinho de fantasia, e como nesse mundinho os reforços positivos ocorrem em abundância! Isso é normal e saudável, desde que não façamos deste comportamento a nossa única via para a obtenção de reforços positivos.Uma perda de contato com a realidade minimiza as chances de conseguirmos transformá-la de modo que os reforços possam ocorrer de verdade. Mais cedo ou mais tarde a perda de contato com a realidade acaba ocasionando sofrimento, pois as chances reais para sermos felizes inevitavelmente são perdidas. Há até quem se sinta maluco quando isso acontece: "Pode até ficar maluco / Ou morrer na solidão." Fica maluco de frustração por ver que reforços que poderiam ser obtidos, deixam de ocorrer por medo de se encarar a realidade.

"Toda pedra do caminho / Você pode retirar / Numa flor que tem espinhos / Você pode se arranhar / Se o bem e o mal existem / Você pode escolher / É preciso saber viver." "Toda pedra do caminho / Você pode retirar": obstáculos fazem parte da vida. Não há vida sem algum controle aversivo, não há vida sem que às vezes ocorra alguma punição. A questão é saber se as punições estão sendo geradas pelo nossos comportamentos. Se sim, é hora de nos questionarmos: posso evitar certos cursos de ação? Isso é auto-conhecimento, ou seja, a descrição das contingências que estão relacionadas aos nossos cursos de ações, gera um tipo de conhecimento que pode ser utilizado para modificá-las, ou melhor dizendo, gera um tipo de comportamento que possibilita o melhor controle de outros comportamentos de nossos repertórios.

Esse melhor controle nos dá mais condições para retirar as pedras do caminho. Nos dá também melhores condições para entender que nem tudo que é belo quer dizer que é bom. Uma rosa pode ser bela, mas tem espinhos que podem nos arranhar. É preciso saber manusear uma rosa, como também é preciso saber manusear as contingências de reforço responsáveis pelos nossos comportamentos. Pode parecer bonito, por exemplo, se embebedar com os amigos, mas este comportamento tem consequências que produz a possibilidade de que arranhões irreparáveis sejam gerados. Saber se divertir, até isso envolve auto-conhecimento. Temos que nos perguntar: quais são os meus limites? Também podemos nos arranhar aos nos relacionarmos com as pessoas, mas isso não é motivo para transformar a vida em um muro das lamentações. Devemos escolher para o nosso círculo de convivência pessoas que nos fazem bem. Não somos obrigados a nos relacionarmos com pessoas desagradáveis.

"Se o bem e o mal existem / Você pode escolher." Muitas vezes nos encontramos em situações de conflito sem saber que tipo de decisão tomar. Escolheremos melhor se conhecermos as consequências que cada escolha pode produzir. Conhecendo as contingências relacionadas aos nossos comportamentos, podemos aumentar a probabilidade de ocorrência daqueles cursos de ações que produzem reforços positivos. Da mesma forma podemos evitar o controle aversivo relacionados a outras formas de agir. Certo é, que tudo isso só é possível com uma boa dose de auto-conhecimento.

Portanto, o que a música nos ensina, é que o auto-conhecimento é o ponto de partida para poder saber viver. Sem auto-conhecimento vamos continuar desperdiçando boas chances para sermos felizes. Continuaremos a reclamar, transformando, assim, a vida em um grande muro das lamentações! E você, se conhece bem o suficiente para aproveitar as chances de ser feliz que a vida tem te dado? Agora que terminou de ler o texto, curta a música na versão do Titãs:


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sexta-feira, 8 de março de 2013

Comissão de Direitos (Des)Humanos?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Nesta quinta-feira dia 07 de março de 2013 a política brasileira viveu mais um de seus episódios marcados por uma terrível contradição. Um pastor que já fez declarações contra negros e homossexuais foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados Federais. O pastor Marco Feliciano já chegou a declarar que os africanos são descendentes amaldiçoados de Noé, e que a AIDS é o câncer gay.

Num dos episódios mais recentes foi filmado em sua igreja pedindo a senha de um cartão de crédito de um fiel. O fiel ofertara à Igreja seu cartão de crédito, mas não disponibilizou a senha. De frente toda a assembleia o pastor mencionou que não adiantava oferecer o cartão e não disponibilizar a senha. Chegou a dizer que assim a graça de Deus não aconteceria. O pastor leva a assembleia a acreditar que os bens espirituais estão condicionados às ofertas que fazem para a igreja. Que fiel não quer receber as graças de Deus? Para receberem realizam suas ofertas... Tratei deste assunto num texto intitulado "Teologia da Prosperidade: contingências que conquistam fiéis".

A pergunta que deve ser feita é se o pastor possui as credenciais para assumir uma comissão tão importante? Comecemos pelo esclarecimento do que faz a Comissão de Direitos Humanos. Basicamente é uma comissão que tem a função de defender os direitos de parcelas da população vitimizadas por discriminações, de pessoas que com dificuldades acessam os serviços essenciais para terem uma vida digna.

As declarações do pastor se incompatibilizam com a função da comissão. Assuntos tão complexos e delicados como a orientação sexual e diferenças étnicas não podem ser tratados de um ponto de vista teológico. Teologia não é ciência. A teologia enquanto campo do saber se constitui como um discurso filosófico moralizante, discurso que julga a realidade não com base em fatos, mas sim com base em orientações religiosas.

Temas como orientação sexual e diferenças étnicas devem ser tratados tecnicamente, devem ser tratados a partir de dados produzidos pelo saber científico. E a ciência tem muito a nos dizer a respeito de temas tão delicados. Sobre as diferenças étnicas, por exemplo, a ciência tem demonstrado que as diferenças entre o DNA de negros e brancos é mínima. De um ponto de vista genético o termo "raça" não faz sentido. O termo é muito mais uma categoria política do que um conceito científico.

Sendo assim, negros não poderiam nunca serem considerados descendentes amaldiçoados de Noé. Primeiro porque a história do dilúvio é uma ficção bíblica. Os escolados em exegese, que é o estudo e interpretação dos textos bíblicos, sabem que o texto sobre o dilúvio é um ensinamento sobre os frutos que poderiam ser produzidos pelo pecado. Ninguém que trate seriamente os textos bíblicos, inclusive os exegetas sérios, acredita que o dilúvio tenha sido um fato natural, tenha ocorrido realmente.

Noé é apenas um personagem bíblico e possivelmente a sua existência seja apenas uma ficção, um personagem criado para ensinar algo sobre a doutrina a respeito do pecado e suas consequências. Não há linhagem de Noé sobre a Terra. Não há linhagem abençoada e muito menos linhagem amaldiçoada. Esse tipo de fundamentalistmo bíblico é muito perigoso, pois pode produzir muitas distorções na interpretação de questões importantes, questões como a que envolve a discussão sobre direitos humanos de populações vitimizadas por discriminações. 

Recomendo a leitura de uma pequena reportagem da BBC Brasil sobre a questão que envolve as diferenças entre as raças: "Genética alimenta polêmica sobre 'raças' no Brasil". A reportagem apresenta uma discussão muito interessante sobre os usos políticos do conceito de raça no Brasil. Os usos políticos tem suas funcionalidades ao criarem condições para que os negros tenham maiores chances de acessarem serviços que lhes foram negados durante séculos. Neste sentido é compreensível falar em raças, mas somente neste sentido, pois biologicamente a questão não faz sentido algum. Portanto, negros não são descendentes almadiçoados de Noé.

Sobre a homossexualidade o que sabemos de um ponto de vista científico é que a capacidade de amar e respeitar não dependem da orientação sexual. Sendo assim, homossexuais têm a mesma capacidade de darem e receberem amor que tem um heterossexual. São tão capazes de respeitarem os seus semelhantes quanto um heterossexual. O exercício da afetividade não tem ligação causal com a orientação sexual, ou seja, a orientação sexual não condiciona as capacidades de amar e respeitar.

Dizer que a AIDS é o câncer gay é pensar de uma forma muito limitada a realidade, é demonstrar que não se sabe nada sobre como são os mecanismos de transmissão das doenças sexualmente transmissíveis. Pensando assim o pastor demonstra que sua atitude está condicionada pela falácia dos grupos de riscos. Não há grupos de riscos, e sim comportamentos de riscos, comportamentos que podem ocorrer tanto entre homossexuais quanto entre heterossexuais. Acreditar que há grupos de riscos é pensar que homossexuais são promíscuos por natureza e que por isso têm a maior propensão para se infectarem com doenças sexualmente transmissíveis. Este tipo de pensamento além de não ter bases científicas, é também preconceituoso.

Para terminar eu diria que a eleição do pastor é reveladora sobre a forma de se fazer política no Brasil. No Brasil os critérios técnicos são deixados de lado. O que prevalece são as trocas de favores e as permutas de influências. É legítimo o desejo do pastor e da bancada envangélica a respeito da defesa da família, desde que isso não implique em uma cruzada étnica ou contra outros grupos que socialmente são vítimas de diferentes tipos de discriminações. Portanto, a preocupação deste texto reflete a essência do seu título: a comissão de direitos humanos continuará em defesa destes direitos, ou de agora em diante vai em busca dos direitos desumanos? O tracadilho parece engraçado, mas deve ser levado a sério!

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terça-feira, 5 de março de 2013

A Psicologia e o SUAS

O presente texto foi retirado do Jornal do Psicólogo do CRP-MG ano 27 número 99. Embora não esteja fundamentado em uma perspectiva analítico-comportamental, ou seja, ainda, que, não esteja fundamentado nos pressupostos teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical, o mesmo apresenta uma visão muito interessante sobre o trabalho do profissional da Psicologia no âmbido do Sistema Único de Assistência Social. É sabido que Assistência Social vem se abrindo à Psicologia, o que faz dela um campo para atuação dos psicólogos. Portanto, conhecer esse novo campo de trabalho é de extrema importância. Boa leitura!

AS PRÁTICAS DA PSICOLOGIA NO SUAS

Por: Jacques Akerman (CRP-04/5482) - Jacques é professor da Universidade FUMEC e psicólogo do SUAS/Betim.

Estamos em meio a uma temática muito rica na relação entre a Psicologia e o SUAS, que nos apresenta alguns desafios no tocante à inserção dos profissionais nesta política pública. A natureza e o objetivo geral do trabalho, no campo da assistência social, colocam para seus operadores a função de produzir o empoderamento cidadão de pessoas, famílias e comunidades em situações de vulnerabilidade e risco, visando à sua superação. Na fronteira com a pobreza e com a violência e na necessidade de articulação com outras políticas públicas, devemos, de início, considerar que o trabalho na assistência social requer do psicólogo a produção de intervenções complexas, já que se dirigem a um objeto necessariamente complexo, uma vez que multideterminado.

As políticas públicas remetem a um recorte, ao campo específico do “como viver juntos” e pressupõem um universal conectado e indissociável ao campo dos direitos de cidadania, entendida aqui como gestão do que, na lei, é antecipadamente considerado como necessário (GARCIA, 2009). A Psicologia, que se interessa pelo que não se ajusta ao “para todos”, que acolhe situações que envolvem as dimensões da cidadania e do desejo, entra neste cenário visando à construção de uma referência, uma saída, uma estratégia para os sujeitos (indivíduos e famílias), que se encontram do lado de fora do acesso aos direitos ou que resistem à ordenação universal ao preço do seu próprio sofrimento.

Uma primeira questão ética aparece: como tratar a dimensão de responsabilidade dos sujeitos envolvidos nas situações de vulnerabilidade ou de risco? No modelo neoliberal de subjetividade, cada um cuidaria sozinho da sua carga e ao Estado caberia propiciar as condições necessárias para que o mercado de consumo funcione sem sobressaltos. Não é a vertente que nos interessa...

Já um Estado, que visa ao bem comum, deve se orientar pela referência da equidade, na medida em que a desigualdade deve ser combatida a partir do desenvolvimento de estratégias que considerem que os desiguais devem ser tratados de forma desigual. Aqui encontramos nossa orientação!

Uma das vertentes éticas da Política de Assistência Social visa combater o assistencialismo, que pode ser definido aqui como uma espécie de sensibilidade, até mesmo, solidariedade daqueles que pretendem ajudar, pois sabem antecipadamente do que o usuário precisa, uma vez que o assistencialista sustenta-se em valores, por ele, considerados universais e, até mesmo, naturais. O saber do assistencialista pode ser traduzido como uma missão que busca preencher a ignorância e corrigir o desvio moral do usuário pela oferta de objetos e informações que, supostamente, lhe faltam.

A este ponto que é o combate às práticas assistencialistas, devemos também incluir o combate ao psicologismo que, da mesma forma que o assistencialismo, significa um saber antecipado, porém patologizante sobre o sofrimento e exclui o sujeito, reduzindo-o à condição de doente porque portador de um desvio da normalidade.

Podemos considerar então, que nessa política é preciso dar outra dimensão à nossa intervenção que deve ser sustentada por um paradigma nomeado como psicossocial. Este termo não é sem consequências. Quando apresentamos o termo paradigma é para indicar um ordenador poderoso, que envolve o pacto de uma comunidade em que há um ponto de amarração das suas práticas, reflexões e análises, orientadas e, ao mesmo tempo, limitadas por um determinado conjunto de crenças e visões de mundo que produzem o contorno sobre o real do qual se trata. Nesse sentido, nossa comunidade, a dos operadores, gestores e formadores da política de assistência social, está orientada pelo paradigma psicossocial, que se apresenta como ponto de intersecção, de atravessamento, de indissociabilidade das dimensões individual e coletiva da vida. Esta junção tem encarnado um problema: qual a dose de um e de outro? Há como estabelecer uma preeminência de um sobre o outro? O social determina? É possível pensar o indivíduo fora do seu campo?
As práticas possíveis se concentram, portanto, neste espaço entre o “para todos” e o “pelo menos um”, que não se encaixa na oferta para todos.

Neste sentido, no plano ético-teórico da Psicologia a questão sobre se há um único ponto de determinação na estrutura da subjetividade pode ser considerada superada. Afirmamos que há uma perspectiva reducionista na prática daqueles que vão considerar a história do indivíduo circunscrita apenas à dimensão intrapsíquica e isolada da sua inserção sociofamiliar. A transmissão de uma cultura se constitui no olhar, na linguagem, nas manipulações sobre o corpo, na voz e na apresentação dos objetos que o outro, orientado pelo Outro Social, dispõe para acolher o que interpreta sobre as necessidades e demandas do sujeito de quem se encarrega. Neste circuito, vão se estabelecendo as matrizes, os modos de satisfação e as letras do
que, para o sujeito, vão engendrar sua existência e produzir as bordas da sua condição singular.

Portanto, um ponto a desconstruir é a concepção de que o psicológico se dirige ao individual e o social ao coletivo.

Nesse sentido, a discussão central não parece ser sobre se o psicólogo pode ou não realizar, no âmbito do SUAS, a psicoterapia ou as terapias de modo geral. Sabemos, inclusive, que a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009), na descrição do PAIF, afirma que “as ações do PAIF não devem ter caráter terapêutico” (BRASIL, 2009). Esta frase carece de mais explicações e mesmo de melhor definição conceitual. Há uma infinidade de dispositivos dirigidos ao sofrimento que podem ser tomados nesta dimensão terapêutica, pois produzem alívio. O terapêutico é, portanto, uma palavra muito imprecisa, que deve ser repensada. Será necessário dar maior clareza ao caráter do que não deve ser feito no âmbito da proteção social. Para iniciar o debate, propõe-se que as práticas já consolidadas da clínica ampliada e da clínica do social, na vertente sócio-histórica, sejam consideradas e as intervenções sustentadas pelo “psicologismo” vedadas.

Fonte: Jornal do Psicólogo - Ano 27, N. 99.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação Nacional dos
Serviços Socioassistenciais. 2010.

GARCIA, Célio. Estamira, novas formas de existência. Belo Horizonte: Ophicina, 2011.

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sábado, 2 de março de 2013

Educação: entre a quantidade e a qualidade

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ao refletir no texto "O Ofício de Ser Professor" sobre a missão do professor, acabei também construindo uma reflexão sobre a missão da educação. Naquela ocasião mencionei que a educação tem a missão de preparar o estudante para resolver problemas que vão ser encontrados além dos muros da escola. Para isso as escolas têm que contribuírem para o desenvolvimento de habilidades (comportamentos) que serão úteis na resolução destes problemas. O professor tem um papel fundamental em todo este processo, pois é ele o responsável, junto com a comunidade escolar, por arranjar as contingências de reforço que vão permitir a aquisição destas habilidades.

Creio que até aqui todos concordamos. Mas a questão começa a ficar séria quando as escolas passam a funcionarem conforme as contingências culturais arranjadas por nossa sociedade capitalista. Antes de vocês pensarem que este texto tem o propósito de cair no lugar comum de acusar o capitalismo por todos os males vividos por nossa sociedade, digo que esta não é a pretensão do mesmo. Todavia, não há como negar que as contingências arranjadas por nossa sociedade acabam moldando a forma das instituições escolares funcionarem, principalmente as instituições privadas.

Uma das molas propulsoras do sistema de produção capitalista é a concorrência. As instituições que oferecem o melhor produto ou serviço tendem a superarem os seus concorrentes, ou seja, se saem melhor as instituições que são mais eficientes. Todavia, no contexto de uma sociedade capitalista a eficiência está fortemente associada à ideia de produtividade. Quem produz mais num intervalo menor de tempo, e isso é possível graças as tecnologias industriais, acaba tendo melhores condições de oferecer no mercado um produto mais barato.

Isso acaba criando as condições ideais para a propagação da ideia de que quantidade é quase um sinônimo de qualidade, ou seja, é mais eficiente aquele que produz mais. E as escolas entraram nesta onda, principalmente as escolas da rede privada. Digo principalmente as escolas da rede privada porque elas concorrem entre si, elas estão atrás do mesmo público-alvo. Sendo assim, precisam cativá-los. Quem é o público-alvo destas escolas? Certamente você respondeu que são os estudantes! Eu convido você a reformular sua resposta. O público-alvo são os pais, pois são eles que pagam as mensalidades.

São os pais que precisam ser convencidos pelas escolas de que elas oferecem um serviço de qualidade. As escolas utilizam inúmeras maneiras para fazerem isso, mas tem uma forma que tem se tornado cada vez mais comum e que poucas vezes a levamos em consideração. Me refiro aos deveres de casa, e até eles têm funcionado conforme a lógica capitalista de que maior quantidade representa melhor qualidade. Será? Os pais se deixam convencer muito facilmente por esta lógica, e não é incomum encontrar aqueles que dizem: "a escola do meu filho é tão boa, que todos os dias passa uma quantidade enorme de tarefas para casa, então, ele fica o tempo todo estudando."

Certamente esta estratégia é tomada como boa por muitos pais, pois eles ficam livres das peripécias dos pequenos enquanto estes estão envolvidos com os deveres escolares. Reforçamento negativo! As tarefas escolares em abundância são boas porque livram os senhores pais das chateações que os filhos poderiam estar causando enquanto se debruçam sobre os deveres da escola. Quantidade não quer dizer qualidade! É um erro pensar que mais deveres escolares criam a oportunidade (contingências de reforço) para a aquisição das habilidades que os estudantes precisam desenvolver, habilidades que ajudariam na resolução de problemas que possivelmente serão encontrados para além dos muros escolares.

O raciocínio é ligeiramente simples. Uma quantidade maior de tarefas escolares não garante necessariamente que reforços positivos sejam contingentes aos comportamentos que precisam ser modelados, comportamentos que tornariam os estudantes mais aptos a lidarem com os problemas da vida cotidiana. Mais não é sinônimo de bom! Quantidade não implica em qualidade!

Contudo, você deve estar pensando: "mas as ecolas privadas não acabam produzindo mais resultados? Elas não aprovam, por exemplo, mais alunos nos vestibulares?" Sim, isso é verdade! Elas preparam os estudantes para se tornarem bons autômatos, bons decoradores de fórmulas e regrinhas que garantem maiores desempenhos em vestibulares. É verdade também que os professores possuem melhores condições de ensino, pois têm ao seu dispor mais tecnologia: lousas digitais, computadores, laboratórios de informática etc.

No fim das contas as escolas têm preparado os alunos para se adaptarem razoavelmente bem ao sistema capitalista. Elas preparam os alunos para serem produtivos, para produzirem mais em menor tempo. E não é isso que o capitalismo espera de nós, ou seja, que sejamos produtivos? Mas fico aqui pensando nas consequências deste modelo educacional. A criança enquanto está tomada pelas tarefas escolares, acaba perdendo boas oportunidades de se aproximar dos pais, de brincar um pouco mais, de se divertir etc.

Há quem defenda que uma quantidade maior de tarefas escolares gera maior responsabilidade. Se entendermos o comportamento de ser responsável como a capacidade de analisar as consequências das próprias ações, não precisamos necessariamente esperar que as tarefas escolares sejam o meio exclusivo para aquisição de responsabilidade. Uma criança pode muito bem aprender a ter responsabilidade através do brincar. Brincadeiras têm regras, e o cumprimento ou descumprimento das regras ocasiona em consequências diferentes, o que gera ocasiões perfeitas para que a criança aprenda que comportamentos têm consequências, e que por sua vez estas consequências atingem tanto quem se comporta quanto as outras pessoas que estão próximas.

Não é necessário privilegiar os deveres escolares como único meio para a aquisição de responsabilidades. Mas as escolas precisam convencerem os pais que oferecem um ensino diferenciado. Utilizam, então, os deveres para demonstrarem que estão ocupando as crianças e bombardeando-as com informações que vão torná-las seres humanos melhores. Usam os deveres para demonstrarem que são escolas produtivas e eficientes, pois obrigam os seus alunos a adquirirem responsabilidade. Com isso horas de lazer são sacrificadas, horas que poderiam ser gastas com jogos e brincadeiras que ensinariam as crianças que o cumprimento ou o descumprimento de regras ocasionam em consequências diferentes.

Todavia, esta lógica não tem ficado restrita ao ambiente das instituições privadas. Ela também tem atingido o ensino público, e não é raro encontrar pais que pressionam as escolas públicas para aumentarem a carga de deveres escolares de seus filhos. Para fugirem das pressões dos pais as escolas acabam cedendo. E, assim, o sistema educacional vai preparando pessoas para se adaptarem às exigências de produtividade do capitalismo. Aí eu me pergunto: elas preparam as pessoas para questionarem o sistema? Deixo a pergunta para vocês!

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