terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Ditados populares: uma análise comportamental

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ditados populares são expressões de uso comum em uma dada população. São usados para fazer referência a modos de agir que quando evitados ou promovidos acarretam em determinadas consequências. Portanto, servem como sinalizadores de consequências, como descrições de contingências de reforço. Como descrições de contingências de reforço podem dizer muito sobre uma determinada cultura e sobre os modos de agir de um povo, afinal de contas uma cultura é um conjunto de contingências de reforços que agem umas sobre as outras e determinam a maneira como grupos de pessoas se comportam. Se os ditados populares sobrevivem como práticas culturais, é sinal que descrevem contingências importantes para a sobrevivência da cultura. Abaixo serão transcritos alguns ditados populares e será apresentada uma possível análise que se pode fazer deles.

Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Poderíamos dizer assim: quem pune também está sujeito a ser punido. Coerção gera coerção. Coerção é o uso de punição ou a ameaça de uso de punição. Habitualmente pensamos que punição elimina comportamento. Mas não é bem assim que acontece. Punição suprime temporariamente o comportamento punido. Todavia, os efeitos emocionais colaterais gerados pelo uso da punição podem ser devastadores: ansiedade, medo, submissão, tristeza, raiva, etc. Outro efeito é que o punidor se torna uma fonte de punição, algo a ser evitado ou contra-atacado. Então, punicão gera comportamentos de contracontrole, ou seja, comportamentos de atacar a fonte geradora de punição. A temática da punição já foi analisada extensamente em outros posts. Para ter acesso a estes posts clique aqui. Um post em especial eu recomendo aos leitores: "Prisões e punições: algumas reflexões preliminares." Evitar o uso desnecessário de punição é fundamental para que tenhamos relações interpessoais que promovam o bem estar.

Galinha que acompanha pato morre afogada. É lógico que a galinha vai acabar morrendo afogada se acompanhar um pato, pois ela não tem o equipamento biológico (anatomia e fisiologia) de um pato para poder ter o mesmo desempenho na água. O mesmo acontece conosco. Somos todos diferentes uns dos outros. Podemos ter o mesmo equipamento biológico, mas há diferenças abismais entre nós, diferenças determinadas pela herança genética e também pela história de vida. Sobretudo, temos repertórios comportamentais bastante distintos uns dos outros, o que nos torna pessoas únicas. Se alguém for acompanhar um exímio nadador nas corredeiras de um rio pode acabar morrendo afogado, pois não tem em seu repertório comportamentos para saber nadar com destreza em correntezas. A pessoa pode até nadar bem em uma piscina, mas não terá o mesmo desempenho em rios com fortes correntezas. Saber reconhecer tais diferenças pode ser fundamental para a sobrevivência! Reconhecer que somos diferentes uns dos outros pode evitar muitos problemas! Sobretudo, respeitar as diferenças é fundamental para nos relacionarmos bem com o mundo ao nosso entorno.

A fruta proibida é mais apetecida. O que é proibido geralmente parece ter um gostinho especial. O que pode estar por trás da atração sentida pelo proibido são operações de privação. Se alguém está privado de reforçamento sexual, pode acabar buscando esse reforço de diferentes maneiras. Pode se sentir atraído por parceiros que nunca pensou cobiçar. Privação em excesso gera estimulação aversiva. O que puder ser feito para eliminar a estimulação aversiva acabará sendo reforçador. É preciso, então, muito cuidado ao lidarmos com privações, pois seus efeitos podem gerar tendências comportamentais que produzem muitos problemas. Privar nossos parceiros de afeto pode resultar em um esfriamento da relação. Privar nossos filhos de carinho pode resultar em relações pouco amistosas.

A união faz a força. Determinadas contingências de reforço podem ter seu poder maximizado se forem capazes de atingirem mais pessoas num intervalo maior de tempo. Isso pode ser conseguido através do comportamento grupal. O comportamento de um grupo pode ser muito mais efetivo do que o comportamento de pessoas agindo individualmente. Imagine pessoas se mobilizando para combater a pedofilia. A campanha vai ter mais resultados quanto mais ela for divulgada. Quanto mais pessoas contribuírem na divulgação, maiores são as chances de outras pessoas serem sensibilizadas. Quanto mais pessoas envolvidas na divulgação, maior é a probabilidade de que a campanha se mantenha nos meios de comunicação por mais tempo. Isso nos faz lembrar que podemos e devemos contar com os outros, pois não temos a capacidade de fazermos tudo sozinhos!

A ignorância é a mãe de todas as doenças. Alguém pouco consciente das consequências de seus comportamentos está mais sujeito a aborrecimentos. Certamente está mais sujeito a envolver-se com problemas que podem acarretar em prejuízos para a saúde. Tomar consciência das contingências de reforço que movem nossos comportamentos pode ter como resultado uma vida mais saudável. Dessa forma, poderemos manipular as contingências e diminuir a probabilidade de comportamentos que produzem problemas e aumentar a probabilidade de comportamentos que produzem benefícios. Mas a consciência, que é comportamento descritivo, só surge quando a comunidade verbal arranja as condições apropriadas. Portanto, estar atento ao que os outros nos dizem ou aos seus questionamentos, é fundamental para termos mais consciência acerca de nós mesmos.

Não vamos aumentar demasiadamente nossa lista de ditados. Os que foram apresentados são suficientes, pois são capazes de demonstrar que os ditados populares podem nos fornecer pistas importantes sobre as contingências de reforço em vigor em uma determinada cultura. Os ditados podem fornecer pistas importantes sobre como as pessoas pensam, agem e sentem. E por serem importantes eles têm sobrevivido enquanto práticas culturais. Analisá-los pode nos ajudar a entender determinadas práticas culturais comuns em uma dada cultura.

E você, usa muitos ditados populares? Cite nos comentários algum ditado que você conheça e apresente sua análise a respeito.

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2 comentários:

  1. nem tudo que reluz é ouro... onde há fumaça, há fogo... e ai?

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    1. "Nem tudo que reluz é ouro". Mesmo a utilização de reforçamento positivo pode ter efeitos coercitivos a longo prazo. Comer chocolate é muito bom, mas comer muito e com razoável frequência pode ser prejudicial. A glicose, triglicerídeos e colesterol podem aumentar.

      "Onde há fumaça, há fogo".Se refere à contingência de três termos: antecedentes, comportamentos e consequentes. Na contingência de três termos um estímulo discriminativo sinaliza a ocorrência dos eventos consequentes, que podem ser coercitivos.

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