sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Reflexões Sobre o Tempo e o Controle de Estímulos

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Não quero entrar nos detalhes epistemológicos envolvidos na definição da categoria "tempo". Deixo esta tarefa para os filósofos da ciência. Minha pretensão é mais modesta. Concordando com Caetano Veloso, eternizado na doce voz de Maria Gadu, aceito poeticamente que o tempo é o "tambor de todos os ritmos". Isso quer dizer que eu aceito que todos aqueles aspectos relacionados ao tempo exercem sobre o comportamento de descrevê-lo ou quantificá-lo um controle discriminativo, e que esse controle vai se alterando na medida em que nossos repertórios comportamentais vão sendo modificados pela ação imperiosa das contingências de reforçamento, ou para ser mais poético, que nossas experiências vão se alargando a partir de nossas vivências concretas ditadas pelos ritmos dos tambores do tempo.

Disso resulta uma conclusão imediata: a forma de "percebermos" a passagem do tempo modifica-se na medida em que mudamos a nossa forma de relacionarmos com o mundo. Basta uma pequena observação para constatar tal façanha, que não é obra do tempo e nem do acaso, e sim das contingências de reforçamento. Pare e pense: como é para mim a passagem do tempo? Depois de responder a essa questão, tente responder a uma outra: eu tenho a impressão de que o tempo tem passado cada vez mais rápido? Uma última: as coisas sempre foram assim, ou seja, sempre tive essa impressão de que o tempo é um senhor severo que passa tão rápido sem que eu tenha algum controle sobre ele?

As coisas nem sempre foram assim... Na medida em que envelhecemos, e eis aí a ação imperiosa do tempo e das contingências filogenéticas, nosso comportamento de contar a passagem do tempo produz a impressão de que ele passa tão rápido que não é possível frear a sua ação sobre nossos corpos. Surgem as rugas, mas com elas a experiência. Mas, também com elas é alterado o controle discriminativo do comportamento de contar a passagem do tempo. O controle discriminativo é alterado porque mudam as referências que servem como parâmetros para se fazer a contagem do tempo.

Retrocedamos um pouco na infância para entender como é modelado o comportamento de fazer a contagem do tempo. Para as crianças o brincar e os brinquedos são os reforços mais importantes, e toda contagem de tempo se faz quase que exclusivamente em função destes reforços. Quanto éramos crianças ficávamos a espera da hora de brincar e dos momentos em que recebíamos os nossos reforços mais importantes: os brinquedos. Geralmente isso acontecia em três oportunidades: aniversários, dia das crianças e natal.

O tempo parecia demorar a passar, pois os marcadores de tempo eram eventos que ocorriam anualmente. Talvez vocês estejam questionando que minha análise seja um tanto etnocêntrica, que ela não se aplicaria a crianças oriundas de classes menos favorecidas e que não tiveram a oportunidade de fazer uma contagem de tempo baseada no recebimento dos reforços brinquedos. Vocês estão certo! Estas crianças certamente tem uma parâmetro de contagem de tempo completamente distinto. Muito cedo começam a vender balas nos faróis das grandes cidades, e precisam aprender a contar o tempo de forma mais acurada, pois ele pode ser um aliado ou um inimigo na obtenção da sobrevivência. Para elas o sol não pode se esconder no poente sem que tenham produzido o necessário para a própria sobrevivência e para a sobrevivência da família. Acredito até que este é um excelente objeto de estudos: a contagem do tempo em crianças submetidas à lógica perversa do capital...

Depois de um tempo, mais precisamente quando entramos no universo escolar, mudam-se os parâmetros da contagem de tempo. A criança aprende que todos os dias num determinado horário ela deve tomar banho, fazer a refeição e se aprontar para ir para a escola. Ela aprende que alguns dias da semana ela vai para a escola e que em outros ela fica em casa com os pais. Começa, então, a aprender a diferença entre dia e noite, que o nascer do sol significa um novo dia que se inicia, e que o cair da noite sinaliza discriminativamente o fim de mais uma jornada diária. Começa a se estabelecer o controle discriminativo para a contagem do tempo em termos de dias e semanas. Levará algum tempo para aprender a fazer a contagem do tempo em termos de horas, dias, semanas e meses.

No entanto, haverá uma ocasião em que a criança será submetida ao controle do relógio, ou seja, ela aprenderá que os ponteiros num determinado local é sinal de uma determinada hora do dia. Com isso ela aprende que o dia se divide em algumas partes: manhã, tarde e noite. Ela aprende que existe 8:00 da manhã e 8:00 da noite, que existe 5:00 da manhã e 5:00 da tarde. A partir, de então, o tempo começa a ser contado em termos de horas. Se antes ele era contado anualmente a espera da data do aniversário, agora passa a ser contado de hora em hora.

Com isso a criança aprende a discriminar que em determinadas horas do dia ela deve se entregar a algumas tarefas. Deve tomar banho para ir para a escola, deve sentar-se à mesa para fazer a refeição, deve realizar as tarefas escolares, deve cuidar de outros afazeres etc. Assim ela aprende que determinadas atividades devem ser feitas num determinado momento do dia. A partir daí ela conta o tempo em função destas atividades e a partir do posicionamento dos ponteiros do relógio. Ela aprende também que se as atividades forem realizadas no momento correto do dia, receberá por isso um reconhecimento, e se não forem, talvez seja punida de alguma forma. Dessa maneira, o tempo se torna um parâmetro para recebimento de reforços positivos ou para a esquiva de punições.

Mais tarde na vida adulta, esse controle discriminativo da contagem de tempo será essencial para a esquiva do controle coercitivo ou para o recebimento de benefícios. Outras variáveis envolverão a contagem do tempo na vida adulta. E ressaltamos aqui as variáveis econômicas. Dia do pagamento do boleto do cartão, da mensalidade do colégio dos filhos, do recebimento do salário etc. Hora de ir para o trabalho, hora de almoçar, hora de levar e buscar as crianças na escola, hora de sair do trabalho, hora de descansar etc. Há tantas atividades a serem feitas e uma boa contagem do tempo é essencial para o sucesso em todas elas, que passamos a viver em função destas atividades e do tempo correto para realização de cada uma delas. Assim, se faz necessária uma contagem acurada da passagem do tempo. Daí surge a impressão de que o tempo passa muito rápido!

Em outras palavras, quanto mais acurada é a contagem do tempo, maior será a impressão de que ele passa rápido. Se alguém não sabe contar o tempo, pouca probabilidade tem de perceber que ele está passando, a não ser pelo sinais inevitáveis do envelhecimento do corpo.Sendo assim, não há um controle natural do tempo sobre os nossos comportamentos. Contar o tempo é um comportamento que se aprende, e quanto melhor é a discriminação de contingências que envolvem essa contagem, mais o tempo se torna importante. Em alguns casos, talvez na maior parte deles, ele exerce um controle discriminativo sobre muitos de nossos comportamentos, em outros ele é um reforçador importante. Fato importante é que saber contar bem o tempo é essencial para relacionarmos com o mundo de forma mais efetiva, principalmente numa sociedade em que os atrasos são consequenciados com punição.

Para terminar, deixo vocês com Maria Gadu:



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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Psicopatologia: o que o Behaviorismo Radical tem a nos dizer?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Se Psicologia significa o estudo da vida mental, faz parte deste estudo a investigação sobre os quadros patológicos que venham a perturbar o funcionamento da mente. Neste sentido, a construção de uma psicopatologia, confere à Psicologia o estatuto epistemológico que ela precisa para ser reconhecida como área do saber que pode reivindicar para si o status de ciência. Então, a luta da Psicologia para ser reconhecida como ciência, coincide com o esforço empreendido na identificação dos diversos quadros patológicos, em saber situar a origem destes quadros e seus possíveis desdobramentos, podendo, assim, proceder a diagnósticos e prognósticos.

Tudo isso acaba conferindo à Psicologia uma utilidade, pois, desta forma, as patologias se tornam tratáveis, e aquilo que faz o homem sofrer pode ser eliminado ou ao menos minimizado. Todavia, a psicopatologia, pilar que dá à Psicologia a possibilidade de ter um estatuto epistemológico próprio, pode ser questionada, e sua fragilidade se revela quando se tem a possibilidade de demonstrar que aquilo que é chamado de doença, muitas vezes não passa de formas de agir que foram aprendidas a partir da vivência de certas experiências.

É aqui que se revela a grande contribuição do Behaviorismo Radical para a Psicologia, que é demonstrar que por mais estranho que seja um comportamento, por mais que ele produza desconforto, por mais patológico que pareça, seja por causa da forma estereotipada como é expressado, seja pela frequência com que interfere na emissão de outros comportamentos capazes de produzirem benefícios, ele é um comportamento aprendido, pelo menos isso é verdade quando se trata de comportamento operante. Não se trata de ignorar outros tipos de comportamentos que sejam produtos de outras formas de seleção, e neste artigo serão destacadas três: filogenética, ontogenética e cultural.

O Behaviorismo Radical, cujo criador é B. F. Skinner, é a filosofia de um modo bastante particular de investigação do comportamento (SKINNER, 1993), filosofia que ao invés de adotar a mente e assemelhados como objeto de estudos da Psicologia, elege o comportamento como sendo este objeto. Este modo particular de investigação é conhecido como Análise Experimental do Comportamento. O método experimental compõe o conjunto de estratégias utilizadas para a produção de conhecimentos sobre o comportamento visando investigar as leis que o governam, por meio de manipulação sistemática de variáveis.

O Behaviorismo Radical é chamado de radical porque nega radicalmente explicações não materiais e se dedica ao estudo de qualquer comportamento sendo ele público ou privado. Mente e assemelhados são constructos hipotéticos que nada explicam e no modelo de causalidade ambientalista adotado pelo Behaviorismo Radical, é importante que se ressalte que ambiente é entendido como tudo aquilo que é externo ao comportamento e não necessariamente o que é externo ao organismo. (RIBEIRO et al, 2011). Esta definição de ambiente é ampla o suficiente para englobar aqueles eventos que são chamados de privados, pois tudo que afeta o comportar-se pode ser chamado de ambiente, inclusive eventos que se passam sob a pele, que se passam no mundo interior.

Eventos privados são aqueles acessados somente por quem se comporta (BAUM,1999). Pensamentos, imaginação, sonhos, emoções, entre outros, são exemplos de eventos privados. Mas, não é porque são privados é que são mentais (RIBEIRO et al, 2011). Estes são eventos comportamentais assim como os comportamentos públicos, ou seja, têm a mesma natureza de comportamentos acessíveis diretamente à observação. Em outras palavras, são eventos naturais, que ocupam um lugar no tempo e espaço, e por isso podem ser estudados cientificamente, inclusive com uso do método experimental. A única diferença entre eventos privados e públicos é a acessibilidade.
          
Tanto os eventos comportamentais públicos, quanto os privados são causados pelo ambiente. O ambiente exerce sobre o comportamento uma ação seletiva que opera em três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. No nível filogenético comportamentos que aumentaram as chances de sobrevivência da espécie foram selecionados assim como foram os traços anatômicos e morfológicos. Estes comportamentos são chamados de reflexos ou respondentes, pois ocorrem sem necessidade de aprendizagem. Eles são parte da dotação genética do organismo, portanto, não o preparam para se adaptar a um ambiente em constantes mudanças, mas somente para se adaptar a um ambiente semelhante aquele em que o comportamento foi selecionado na história evolutiva da espécie.

No nível ontogenético comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do organismo a um ambiente mutável. Portanto, neste nível há aquisição de novos comportamentos, diferente do nível filogenético em que operam os comportamentos respondentes, e é esta aquisição de novos comportamentos que dá ao organismo maior capacidade de adaptação. No nível ontogenético estão os comportamentos que são chamados de operantes. São assim chamados porque operam no ambiente provocando determinadas modificações (SKINNER, 1993). “Por sua vez estas modificações também alteram o comportamento, tanto em sua função (sentido/intencionalidade) quanto em sua topografia (forma). [...] Sendo assim, o operante é selecionado (determinado) pelas consequências que produz.” (RIBEIRO, 2012, p. 73).



O mecanismo de seleção pelas consequências é análogo ao processo de seleção natural. Na seleção natural certas características foram selecionadas por causa do seu valor de sobrevivência, enquanto que na seleção operante certos comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do indivíduo. Mas, dizer que a seleção gera comportamentos adaptados não significa dizer que as consequências apenas selecionam o que há de melhor, pois este processo pode gerar produtos que a curto prazo parecem benéficos, mas que a longo prazo são prejudiciais. O comportamento de usar drogas é um exemplo de comportamento que a curto prazo parece produzir benefícios (prazer, alívio etc), mas que a longo prazo acarreta consequências nefastas. (RIBEIRO, 2012, p. 78).



Micheletto (1999) assim se refere à seleção pelas consequências, modelo de determinação adotado por Skinner para explicar o comportamento operante, comportamento que engloba a maior parte de nossas ações, ações que vão desde um aceno com a mão até pilotar um avião:




A seleção por consequências não resulta, segundo Skinner, em um processo que se dirija para algo melhor e mais desenvolvido. Ela pode produzir processos e produtos nefastos à espécie e ao próprio homem, como o comportamento supersticioso, ou práticas sociais que poderão significar a destruição da espécie humana. (MICHELETTO, 1999, p. 124).



Este modelo de seleção é aplicável também às práticas culturais que são selecionadas por causa de suas consequências, por causa de seus impactos sobre grupos e culturas. Para guisa de uma conclusão, nos questionemos: que relação pode ser feita entre o modelo de seleção pelas consequências, modelo de causalidade adotado pelo Behaviorismo Radical para explicar o comportamento, e a construção de uma Psicopatologia em Psicologia, construção que coloca em lados opostos o normal e o patológico, a saúde e a doença?

Micheletto (1999) e Ribeiro (2012) assinalam que o efeito da seleção por consequências pode resultar em comportamentos nefastos ao homem, ou seja, que as contingências de reforço podem selecionar comportamentos que colocam em risco a vida humana. Contingências de reforço é um termo para se referir ao fato de que o comportamento operante estabelece relações de dependência com as consequências que produz e com o contexto em que ocorre. Estímulos presentes neste contexto quando associados às consequências (reforços) também passam a agir na determinação do comportamento, e agem de modo a aumentar sua probabilidade de ocorrência. Outros estímulos semelhantes a estes passam a ter a mesma função, o que demonstra que o comportamento é multideterminado, ou seja, que muitas são as variáveis relacionadas à sua ocorrência.

Se as contingências de reforço são responsáveis pela seleção do comportamento, há boas razões para um certo ceticismo acerca da dicotomia normal versus patológico, pois todo comportamento é produto das consequências e estímulos presentes nos contextos em que ocorre, e esse raciocínio é válido até mesmo para os comportamentos mais estranhos, para os comportamentos que caracterizam o que alguns psicólogos chamariam sofrimento psíquico. Desta forma, persistir na construção de uma psicopatologia que coloca de um lado a normalidade e de outro as patologias pode ser questionável.





[...] Se acredito na seleção do comportamento por contingências, quem sou eu para classificar algum comportamento como patológico? A crença na seleção leva a, no mínimo, pensar que todo e qualquer comportamento seja adaptativo, dentro das contingências que o mantém. E se for possível proceder a uma análise funcional da situação na qual o comportamento dito “patológico” se insere, chegar-se-á à conclusão de que aquele seria o único comportamento que poderia acontecer, dadas aquelas contingências. (BANACO, 1997, p. 81).




Banaco (1997, p. 81) ainda acrescenta que “apesar de serem adaptativos no sentido de terem sido selecionados, alguns comportamentos causam sofrimentos às pessoas que os emitem ou àquelas que estão às suas voltas.” Portanto, as contingências de reforço, ou seja, as consequências e circunstâncias relacionadas à probabilidade de emissão do comportamento podem selecionar e evocar comportamentos que geram sofrimento para quem se comporta e para seu grupo social. Sendo assim, a distinção entre normal e patológico pode fazer pouco sentido, pois mesmo os comportamentos que produzem desconforto são selecionados por suas consequências.

Tal argumentação ainda coloca em questionamento o que geralmente são chamadas de doenças psicossomáticas, doenças físicas que tem como origem uma causa mental e/ou emocional. Fenômenos mentais e emoções são exemplos de comportamentos. Se emoções são comportamentos, melhor dizendo, são comportamentos emocionais, estes ao invés de serem tomados como causa de qualquer outro tipo de comportamento, devem ao contrário serem explicitados por meio da elucidação das contingências responsáveis por suas ocorrências. O comportamento emocional como qualquer outro comportamento está sujeito à ação das contingências de reforço. Skinner (1993) sugere que as mesmas causas que provocam o comportamento, são também responsáveis pelo adoecimento físico que se supõe ter como origem os desajustamentos mentais e/ou emocionais:




Uma das mais dramáticas manifestações do suposto poder da vida mental é a produção de doença física. Assim como se diz que uma ideia na mente move os músculos que a expressam, assim também se diz que as atividades não-somáticas da psique afetam o soma. Afirma-se, por exemplo, que as úlceras são produzidas por uma raiva “internamente dirigida”. Deveríamos dizer, antes, que a condição sentida como raiva está medicamente relacionada com a úlcera e que uma situação social complexa provoca as duas. (SKINNER, 1993, p. 135).




Portanto, a chave para o entendimento de qualquer comportamento está nas contingências de reforço, ou seja, nas consequências que o comportamento produz e nas circunstâncias em que ocorre, como também nas contingências filogenéticas e culturais. Toda perplexidade e tendência de entender o comportamento como patológico cai por terra quando se evidenciam as contingências responsáveis por sua seleção e manutenção. Manipular as contingências para modificar o comportamento e assim eliminar possíveis desconfortos relacionados à sua ocorrência parece ser uma alternativa mais promissora que meramente descrever psicopatologias com supostas causas mentais.





REFERÊNCIAS



BAUM, W. M. Compreender o Behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

BANACO, R. A. Auto regras e patologia comportamental. In: ZAMIGNANI, D. R. (Org.) Sobre comportamento e cognição: a aplicação da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos. São Paulo: ARBytes, 1997, p. 80-88.

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas. 2. ed. Campinas: Editorial Psy, 1998, p. 27-34.

MICHELETTO, N. Variação e seleção: as novas possibilidades de compreensão do comportamento humano. In: BANACO, R. A. (Org.). Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos. Metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. 2 ed. Santo André: ARBytes, 1999, p. 1117-131.

RIBEIRO, B. A. et al. Uma análise do programa de recuperação dos alcoólicos anônimos. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 6, n. 2, p. 65-78, jul./dez. 2011.

RIBEIRO, B. A. Uma análise behaviorista radical de um modelo prototípico de formação da realidade social proposto por Berger e Luckman. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 7, n. 1, p. 69-83, jan./jun. 2012.

SKINNER, B . F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 

 
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sábado, 9 de novembro de 2013

Dos Equívocos Sobre o Comportamento Operante

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Que o Behaviorismo Radical é a matriz teórica mal amada da Psicologia ninguém tem nenhuma dúvida. Tratei deste assunto em um dos primeiros textos postados aqui no blog: "Behaviorismo: a matriz teórica mal amada da Psicologia". No texto mencionado aponto alguns dos motivos que alimentam esse ódio dirigido ao Behaviorismo Radical. Em função de tantas incompreensões que rondam tal matriz teórica, é muito comum que equívocos sejam cometidos quando seus conceitos são tomados como alvo dos mais diferentes tipos de análises.

Neste texto, trataremos de alguns equívocos que aparecem em uma vídeo-aula do Departamento de Ensino a Distância da Fundação de Ensino Superior de Passos-MG (FESP-UEMG), que é uma das unidades da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) no interior do estado. O título da vídeo-aula é: "Os Componentes do Comportamento Operante". Segue o link do vídeo para a apreciação dos leitores: https://www.youtube.com/watch?v=eubQk8iasp0

Comecemos com uma indagação: componentes do comportamento operante? O que isso quer dizer? O pensamento parece um tanto gestáltico! Parece querer indicar que existe um todo e que também existem partes de um todo. O todo seria o comportamento operante e as partes seriam as operações que determinam as formas como as consequências afetam o comportar-se. Esta forma de pensar pode dá a entender que o comportamento é uma coisa e não uma função do organismo que se expressa pela relação entre o que é feito e aquilo que ocorre no ambiente. Aqui se revela o aspecto relacional do comportamento operante.

Ao invés de falarmos de componentes, melhor seria tratar dos eventos que participam do controle do comportamento operante: eventos consequentes e eventos antecedentes. A professora que aparece no vídeo começa sua aula pelos eventos consequentes, ou seja, tratando dos procedimentos de reforçamento, que são: reforçamento positivo e negativo. É bom não confundirmos reforçamento com reforço. Reforçamento é processo e reforço é estímulo.

Enquanto processo o reforçamento indica que as consequências produzidas pelo comportamento operante afetam a sua ocorrência. É um termo que envolve o comportamento emitido e a consequência produzida. De acordo com Catania (1999), observa-se que existe uma relação entre a consequência produzida e o comportamento emitido quando:

1) O comportamento ocorre com mais frequência do que quando não produz a consequência;
2) O comportamento aumenta de frequência quando somente a consequência ocorrer e não uma outra coisa;

Enquanto estímulo o termo indica que há certos tipos de consequências que afetam o comportamento que as produz, de modo que elas podem ser chamadas de "reforço". Dito isso, fica claro que nem tudo aquilo que sucede o comportamento temporalmente pode ser chamado de reforço. A relação temporal não tem preponderância sobre a relação que chamamos contingência. Contingência é um termo que indica que entre o comportamento e certos eventos ambientais existe uma relação de dependência, de modo que a ocorrência do evento ambiental cria as condições para que o comportamento se manifeste.

A professora nem chega a falar de reforçamento. Ela apenas faz referência ao termo reforço e começa sua explanação pela definição de reforço positivo. Há em sua definição uma clara confusão entre reforço positivo e recompensa. Este é um equívoco muito comum.O reforço positivo não é uma recompensa. O termo "positivo" faz referência ao fato de que um estímulo é acrescentado em decorrência da emissão de um comportamento e somente em decorrência da ocorrência deste e não de qualquer outra coisa, caso contrário, não se caracteriza a relação de dependência entre o comportamento e a consequência produzida.

O que seria, então, um estímulo? Uma modificação em qualquer parte do ambiente. Se Joãozinho aperta o botão ligar do controle remoto e o aparelho televisor começa a funcionar, e no futuro o comportamento de apertar o botão continua ocorrendo e a consequência "televisor ligado" continua sendo produzida, pode-se dizer que há uma relação de dependência entre o comportamento de usar o controle remoto e a consequência "ligar a televisão". Neste caso a parte do ambiente que se modificou foi o funcionamento da televisão. E se esta modificação tornou mais frequente o comportamento de apertar o botão, ela pode ser chamada de reforço positivo.

Imaginemos que seja a primeira vez que joãozinho aperte o botão. Diante do televisor ligado um adulto diz: "muito bem Joãozinho!" O elogio/recompensa pode funcionar como reforço positivo? A resposta só pode receber um afirmativo "sim" se for observado um aumento na frequência do comportamento de apertar o botão. A princípio o comportamento pode ficar sob o controle do reforço exógeno que é o elogio do adulto. Exógeno apenas quer dizer que a consequência não foi produzida diretamente pela emissão do comportamento. Posteriormente o comportamento de apertar pode ficar sob o controle da consequência TV ligada, o que dispensa a "recompensa" por parte de um adulto. Neste caso se diz que o reforço é endógeno, ou seja, produzido mecanicamente pela ocorrência do próprio comportamento.

No entanto, nem toda recompensa se configura necessariamente como um reforço positivo, isso porque nem toda recompensa assume uma relação de dependência com o comportamento por ela precedido. Nem tudo que ocorre após a emissão do comportamento passa a assumir o controle de sua emissão. Outras variáveis com poder reforçador muito maior podem concorrer com a recompensa no momento em que ela for apresentada, tornando, assim, a recompensa um estímulo neutro em relação ao comportamento, ou seja, um estímulo sem qualquer função de reforçar. Estados de saciação podem afetar o poder reforçador da suposta recompensa. Depois de muitos elogios e menções honrosas vindas de pessoas importantes, uma que vier de uma pessoa de posição social menos significativa pode ser insignificante para o comportamento que se quer reforçar. Portanto, reforço positivo não se confunde com recompensa, ou dizendo de uma outra forma, nem toda recompensa é necessariamente um estímulo reforçador positivo.

A professora usa um exemplo interessante para tornar mais clara sua conceituação de reforço positivo. Um aluno fez uma boa prova e recebe um elogio do professor. Segundo ela, isso aumenta a autoestima e consequentemente melhora o desempenho do aluno. Outro grande equívoco! Não são os estados emocionais os responsáveis pela melhora observada no comportamento do aluno, mas as consequências produzidas pelo seu comportamento de estudar. Emoções são comportamentos, o que quer dizer que também estão sujeitas a ação das consequências que produzem. Tanto o que é sentido enquanto emoção, quanto a melhora no desempenho do aluno, são produtos gerados pela exposição às contingências de reforço. A este respeito há diversos textos neste blog. Clique aqui para ter acesso a eles. Como a professora fala de autoestima, em especial, sugiro o seguinte texto: Autoestima: uma breve análise comportamental.

A seguir a professora entra na definição de reforço negativo. Novo equívoco é cometido. Segundo ela, o reforço negativo é importante porque pode ser usado para eliminar comportamentos inadequados. Confunde-se reforço negativo com punição. E mesmo a punição não elimina comportamento. Há diversos estudos sobre isso e não vou me alongar no assunto. Indico o livro do Murray Sidman para maiores esclarecimentos sobre o uso do controle coercitivo: "Coerção e suas implicações". Ao contrário do que se imagina, além de não eliminar comportamento a punição produz diversos efeitos colaterais indesejáveis. Há diversos textos neste blog sobre essa questão, mas indicamos um em especial: "Prisões e punições: algumas reflexões preliminares". E, sobretudo, punição não se confunde com reforço negativo.

O reforço negativo é aquele estímulo que quando removido pela ocorrência de um comportamento, observa-se um aumento na frequência deste em decorrência da eliminação do estímulo. Skinner (1993) é categórico a este respeito, e diz que reforçamento negativo produz comportamento. Dito isto, não se pode afirmar que reforço negativo elimina comportamento. O termo negativo faz referência ao fato de que o estímulo é removido (subtraído) pela ocorrência do comportamento. Joãozinho liga a TV e coloca em seu canal favorito. Mas, Joãozinho observa que o canal está fora do ar. Joãozinho muda então para outro canal, eliminando, assim, o estímulo aversivo. Se todas as vezes que o canal favorito de Joãozinho estiver fora do ar e for observada uma mudança de canais, pode-se dizer que o comportamento de mudar o canal ou mesmo desligar a TV é reforçado negativamente.

Para exemplificar o reforço negativo a professor fala dos vigilantes do peso. Quem perde peso recebe uma pontuação e quem ganha peso não recebe a pontuação. O comportamento de ganhar peso não está sendo punido e nem mesmo reforçado negativamente. Neste caso ele apenas está sendo colocado em extinção pela suspensão dos reforços positivos que funcionam sob a forma da pontuação. Logicamente que a suspensão de reforços positivos é aversiva. Para eliminar tal condição a pessoa terá que emagrecer para voltar a receber a pontuação. O que tem mais peso para o comportamento de emagrecer, a eliminação da condição aversiva ou a pontuação que reforça positivamente esse comportamento? Esta resposta precisa ser investigada individualmente, ou seja, cada caso é um caso e precisa ser analisado em seus detalhes. Então, o exemplo da professora não ilustra necessariamente o uso de operações de reforçamento negativo.

Por fim, a professora chega a sugerir que o efeito do reforço negativo vai depender das "estruturas de personalidade". Eis aí um erro conceitual muito grave, para não usar adjetivo pior como "bizarro" ou "grotesco". O Behaviorimo Radical rompe com o mentalismo e não aceita explicações para o comportamento que apelem para o uso de entidades metafísicas, entidades que dão origem a sistemas causais circulares, de modo que a única evidência da causa é o efeito. No mentalismo a única evidência da causa (mente) é o efeito (comportamento). Não se pode usar o efeito para explicar as causas quando o que está em jogo é a produção de conhecimento científico. Para o comportamentlismo proposto por Skinner, as causas devem ser buscadas nas relações estabelecidas entre comportamento e ambiente.

Em seguida a professora fala da punição. Ela diz que a punição remove temporariamente o comportamento. Bem, ela não está completamente incorreta. De fato, como já explanado, a punição não remove comportamentos. Além de não fazer isso, ela gera efeitos colaterais indesejáveis. A pergunta que se faz é a seguinte: será que a professora está comparando a punição com o reforço negativo e está sugerindo que este último remove definitivamente comportamentos e a primeira não? Ao menos parece ser esta a função da comparação que ela faz, o que seria conceitualmente incorreto e enganoso pelos motivos já apontados. E tudo indica que esta seja a intenção dela, pois logo adiante menciona que a punição não resolve definitivamente os problemas humanos e cita as prisões e as penitenciárias como exemplo. Então, perguntemos a ela: a punição não remove comportamentos definitivamente e o reforço negativo remove? Novamente fica a ideia do reforço negativo como operação para remover comportamentos, o que é um erro.

Por fim ela entra nas operações de controle de estímulos. Estamos no terreno dos eventos antecedentes. Como sabemos o operante é afetado pelas consequências e pelo contexto em que ocorre. O contexto faz referências aos eventos antecedentes, aos eventos que antecedem a emissão de determinados comportamentos, aumentando, assim, a probabilidade de ocorrência destes. Isso acontece porque eles sinalizam a ocorrência dos reforços que seguirão a emissão do comportamento. Adquiriram esta função por terem sido associados aos reforços que seguiram o comportar-se. A operação que torna possível esta associação é chamada de discriminação. Por sua vez, esta associação é estabelecida entre estímulos: os antecedentes e os consequentes.

O organismo não discrimina nada como quer sugerir a professora entre 5:25 e 5:30: "o estímulo tem que estar muito bem discriminado". Entre 5:30 e 5:39 ela menciona que a discriminação "é a capacidade da pessoa perceber, diferenciar o estímulo condicionado de outros estímulos". Mais um erro que ocorre com frequência entre os que não conhecem a Análise do Comportamento. Não é o organismo que discrimina. A discriminação ocorre no ambiente. Apresente um cubo vermelho a uma criança que está aprendendo formas e cores. Imagine que ela responda apenas "vermelho". O estímulo é o cubo vermelho. Vermelho é uma das propriedades deste estímulo. Na resposta da criança fica evidente que apenas a propriedade "vermelho" controla o seu comportamento com referência ao cubo.

Imaginemos que a resposta da criança seja "cubo vermelho". Então o "cubo vermelho" é o estímulo discriminativo que controla a emissão da resposta "cubo vermelho" no momento da apresentação do cubo. Dizendo cubo vermelho ela é reforçada de alguma forma: ganha uma bala, um elogio, etc. A partir de então o comportamento de nomear corretamente os objetos pode ser uma fonte potencial de reforçamento. Toda vez que uma situação de nomear objetos se fizer presente, há a probabilidade do comportamento de nomear acontecer. Situações de nomear exercem um controle sobre o comportamento de nomear, aumentando, assim, a probabilidade de ocorrência deste comportamento. Não foi a criança que "discriminou" que situações de nomear estão associadas a reforços. Simplesmente houve a associação entre situações propícias para nomear objetos com os reforços que seguiram o comportamento de nomear. Estas situações são sinalizadoras de reforços, exercem um controle discriminativo sobre o comportamento. As operações que tornam este tipo de associação possível são chamadas de situações de controle de estímulos.

A professora insiste em dizer que é o organismo quem "discrimina", e reforça tal intencionalidade ao falar dos clássicos exemplos de laboratório para estudar o controle de estímulos. No clássico experimento de discriminação de estímulos, o comportamento de pressionar a barra por parte do rato só é reforçado quando uma luz está acesa dentro da câmara experimental. Quando está apagada o comportamento é colocado em extinção. Ao final do experimento o roedor só pressiona a barra quando a luz está acesa. Isso significa que a luz sinaliza a possibilidade de reforçamento, ou seja, ela estabelece as condições em que o reforço pode acontecer. Sendo assim, ela assume um controle discriminativo sobre o comportamento de pressionar a barra. O rato não discriminou nada! Como ela pode afirmar isso? Como faríamos para saber se o rato discriminou/diferenciou qualquer coisa se ele não pode nos contar nada a esse respeito? Mais uma vez é bom lembrar que não é o organismo que discrimina. A discriminação é uma operação que ilustra o controle de estímulos.

Após a operação de discriminação ela fala da generalização de estímulos. Mas, faz uma confusão conceitual tão grande que não é fácil entender o que ela diz. A generalização diz respeito ao fato de que estímulos que guardem qualquer propriedade em comum com o estímulo discriminativo, passam também a ter controle sobre a emissão do comportamento controlado por este. O rato vai emitir a resposta de pressionar a barra com a luz acesa e também em outras situações em que a luz seja mais fraca. Quanto mais fraca é a luz e quanto mais ela se aproxima da situação luz apagada, menor a taxa de comportamentos de pressionar a barra. Há aí uma generalização de estímulos. Luz mais intensa produz taxas maiores e luzes menos intensas produzem taxas menores. Luz intensa se aproxima mais da situação em que a luz está completamente acesa e se encontra em seu grau máximo de intensidade e luz fraca se aproxima mais da situação luz apagada.

A sensação de dejavu ilustra a generalização de estímulos. Dejavu é aquela situação em que nos sentimos mais ou menos assim: "conheço este lugar, mas nunca estive aqui. Parece que já vivi esta situação, mas tenho a certeza de nunca ter vivido". A situação se assemelha em algum aspecto a alguma outra situação já vivenciada e que de alguma forma assumiu o controle discriminativo de alguns comportamentos de nossos repertórios. Não se trata de experiências que são produtos de vidas passadas como querem as diversas formas de espiritismo. É nada mais e nada menos do que uma situação que ilustra a generalização de estímulos.

E o último erro é tão grave quanto os anteriores. Nele a professora diz que é complicado depender apenas dos processos de condicionamento, pois estes não permitem a mudança nas estruturas de personalidade. Mais uma vez o mentalismo vem à tona. E já fomos enfáticos a este respeito: o behaviorismo radical rejeita qualquer forma de mentalismo. Não há espaço para o mentalismo dentro do Behaviorismo Radical, e o mínimo de conhecimento sobre a obra de Skinner é suficiente para tecer conclusões a este respeito.

Que lição fica disso tudo? Que só devemos nos meter a falar de algo quando tivermos certeza do que estamos falando. É muito perigoso explanar sobre teorias que não conhecemos. Tal atitude é anti-científica e pode contribuir para a propagação dos mais diversos tipos de simplificações grosseiras. E se você quer saber mais sobre o comportamento operante, recomendamos o seguinte texto deste blog: "O condicionamento operante: definição e aplicações".

Abraços e até a próxima!

REFERÊNCIAS:

CATANIA, A. C. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995.

SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993.





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domingo, 6 de outubro de 2013

Contingências acidentais: análise comportamental do filme Monstros S.A.

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Monstros S.A. é um brilhante filme produzido pela Pixar em parceria com a Walt Disney. Os números de bilheteria são impressionantes e dão uma ideia da atraente trama que continua atraindo a muitos aficcionados por filmes no estilo desenho animado. Lançado em 2001 ele rendeu somente nos EUA US$ 255.873.250. No mundo inteiro produziu a cifra de US$ 525.366.597. Estes dados estão de acordo com a página do filme na Wikipédia. De acordo ainda com o site, o filme teve aprovação de 95% dos críticos de cinema.O índice de aprovação é quase um record.

Mais do que atrair pela trama bem humorada e envolvente, Monstros S.A. ensina-nos algumas lições importantes sobre a Análise do Comportamento. Ele demonstra como contingências acidentais podem criar ocasiões para o surgimento de novos comportamentos e até mesmo de novas práticas culturais que beneficiam os grupos que operam segundo estas práticas e também as pessoas que deles fazem parte. Logicamente que estas também podem resultar em acidentes que produzem comportamentos e práticas culturais pouco adaptativos.

Em certo sentido todo comportamento é adaptativo conforme as contingências responsáveis por sua manutenção, mas há comportamentos que beneficiam aquele que se comporta e também as pessoas que estão próximas, enquanto existem também aqueles comportamentos que geram malefícios ou benefícios bastante diminutos para pessoas e grupos. O que importa é que tanto um comportamento quanto o outro são selecionados e mantidos pelas contingências de reforço, e podem surgir de contingências acidentais como bem demonstra o filme Monstros S.A. No filme contingências acidentais mudam a história dos personagens principais e alteram também as práticas culturais responsáveis pelo funcionamento da cidade de Monstrópolis.

O filme conta a história de Monstrópolis. Monstrópolis é como uma cidade humana qualquer, exceto pelo fato de ser habitada por monstros. A energia responsável pelo funcionamento da cidade é produzida pela empresa Monstros S/A. Monstros entram no quarto de crianças humanas pela porta do armário assustando-as. O grito de medo das crianças produz energia que é armazenada e posteriormente distribuída para toda a cidade. A porta do armário funciona como uma ligação entre dois mundos, entre duas dimensões diferentes: a dimensão humana e a dimensão dos monstros. Por sua vez a porta é operada por um equipamento responsável por produzir a conexão entre os dois mundos.

O trabalho de assustar as crianças é feito em duplas. Um parceiro é responsável pelo manuseio do equipamento. Já o outro entra pela porta e realiza o trabalho de assustar. Há uma disputa entre as duplas e um ranking geral que pontua o desempenho de todos. Os melhores desempenhos entram para o ranking e recebem uma pontuação. Eis aí o reforçamento positivo. As melhores duplas são Mike e Sulley e seu concorrente direto que é Randall e o seu parceiro. Randall utiliza de todos artifícios para superar Mike e Sulley, inclusive tentar trapacear de modo a ficar no primeiro lugar do ranking.

Até aqui temos uma contingência de reforço importante: gritos de medo de crianças humanas produzem energia. Tal contingência é descrita sobre a forma de uma regra que controla o comportamento de assustar dos monstros. Regras são descrições de contingências de reforço. Elas descrevem relações do tipo "se" e "então". Por exemplo, se aperto o interruptor, então, a lâmpada se acende. O "se" é a condição em que o comportamento ocorre, neste caso a existência do interruptor e de uma lâmpada que não esteja queimada. O "então" é a consequência produzida em decorrência da emissão do comportamento que ocorre  na ocasião especificada pelo "se", neste caso é a lâmpada acesa.

No filme o "se" é o acesso ao quarto das crianças humanas através da porta operada pelo equipamento que conecta os dois mundos. O "então" é a energia produzida pelo comportamento de assustar as crianças. Se o susto é grande, mais energia é produzida, e mais significativo é o reforço para o comportamento de assustar do monstro. Os comportamentos de assustar são mantidos tanto pelo reforço imediato gerado pela energia produzida pelo susto, quanto pela regra que especifica que assustar é essencial para a geração de energia. Esta regra é muito importante para o funcionamento de Monstrópolis. Aliás, toda a energia de Monstrópolis depende do seguimento desta regra. Sendo assim, ela é uma prática cultural importante para o funcionamento da sociedade dos monstros, e sua falência poderia representar o colapso desta sociedade.

No entanto, em determinado momento do filme essa regra vai ser questionada por um evento inesperado que ocorreu durante a operação do equipamento que permite a conexão entre os dois mundos. Mike havia deixado uma papelada sem preencher. Diante disso pediu ao amigo Sulley para retornar ao trabalho e preenchê-la. Chegando no andar das portas, Sulley encontrou uma conectada a um equipamento em funcionamento. Este estava sendo operado por Randall que trapaceando trabalhava fora do horário de expediente para aumentar sua pontuação no ranking geral. Num acidente Sulley abre a porta e uma criança humana tem acesso ao mundo dos monstros.

Depois disso ocorre uma sucessão de eventos que levam Sulley e Mike a tentarem esconder a criança, pois crianças humanas são consideradas tóxicas, sendo, portanto, fontes potenciais de contaminação. Existe, inclusive, uma agência responsável pela descontaminação dos monstros quando estes têm contato com crianças ou qualquer objeto humano. Para não serem apreendidos por esta agência e serem demitidos, Mike e Sulley enfrentam as mais inusitadas situações para esconderem a criança chamada de "Boo".

Todavia, a convivência com Boo produziu contingências acidentais que mudaram a história de Monstrópolis para sempre. A primeira delas permitiu a descoberta de que crianças humanas não eram tóxicas. Com isso vai se embora a crença da toxidade. Esta crença era uma regra. Ela era responsável pela manutenção dos comportamentos que preservavam os monstros longes das crianças. Esta regra era baseada em controle aversivo. O monstro que tivesse contato com crianças tinha que passar por um humilhante procedimento de desintoxicação. Não ter contato com as crianças era um modo de fugir da humilhação e da possibilidade de contaminação. Trata-se de comportamentos de fuga/esquiva mantidos por reforçamento negativo.

Contudo, o contato com Boo não produziu nenhuma contaminação. Disso, conclui-se, que a regra sobre o contato com crianças era falsa, ou seja, ela não descrevia contingências reais. Muitas vezes em nossas vidas sofremos porque estamos sob o controle de regras que não descrevem contingências reais. Na base dos estereótipos estão regras deste tipo. "Todo baiano é preguiçoso". Este é um estereótipo típico dos regionalismos deste país continental chamado Brasil. Ela não se aplica a todos os baianos. Ela não se sustenta diante de provas empíricas. Há baianos preguiçosos, como também há mineiros, paulistas, cariocas, paranaenses etc. Entre populações de humanos sempre vamos encontrar alguém que se comporta de maneira mais preguiçosa em determinadas ocasiões. Mas mesmo o mais "preguiçoso" dos seres não age com preguiça a maior parte do tempo.

O depressivo costuma dizer para si mesmo: "melhor eu me fechar em meu mundo, eu me trancar em meu quarto, pois assim evito aborrecimentos". O depressivo acaba realizando uma generalização, pois nem todos os contatos sociais vão resultar em aborrecimentos. Portanto, sua regra é falsa. Mas, quanto mais ele se fecha, mais ele se priva das possibilidades de submeter sua regra a um teste real, a um teste que resista a exposição a novas contingências de reforço. Foi o que ocorreu no filme. A regra sobre a contaminação não resistiu a contingências reais. Quando submetida a um teste descobriu-se que ela era falsa. Isso foi fundamental para alterar o comportamento dos monstros com relação as crianças e as práticas culturais que mantinham o funcionamento de Monstrópolis.

Mas, o contato com Boo levou a uma outra descoberta. O sorriso das crianças produziam muito mais energia do que o grito de medo. Esta descoberta gerou uma nova regra: "melhor fazer as crianças rirem do que fazer elas chorarem". Isso aumentou o índice de produção de energia da fábrica Monstros S/A. Toda a sociedade de Monstrópolis ganhou com isso. A descoberta também garantiu para Sulley uma promoção para o cargo de supervisor do andar em que ficavam as portas e os equipamentos que conectavam o mundo dos humanos e dos monstros.

Uma única contingência acidental mudou o funcionamento de toda uma sociedade. Isso demonstra algo importante: a exposição a novas contingências é essencial para a modelagem de novos comportamentos e para o surgimento de novas práticas culturais. Aumentando a variação nas contingências aumentamos as possibilidades de seleção de novos comportamentos. Se esta variação ocorrer de modo planejado, maiores são as chances de serem selecionados comportamentos e práticas culturais que beneficiem indivíduos, grupos, instituições, sociedades e também toda a humanidade. A Análise do Comportamento coloca a nossa disposição os fundamentos teóricos e o amparo metodológico necessário para a realização deste tipo de planejamento, basta utilizarmos estes meios para aumentarmos as chances de sobrevivência das sociedades humanas.



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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Vontade: um exemplo de explicação fictícia para o comportar-se

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A professora perguntou ao Joãozinho: "Por que você bateu no Pedrinho?". Joãozinho respondeu: "porque me deu vontade". Fica difícil conjecturar sobre as causas do comportamento de Joãozinho apenas com a resposta fornecida por ele. Deveríamos ficar satisfeitos com a resposta, afinal o ser humano é um ser de vontades, um ser que age a partir daquilo que sente. Mas, as coisas não são bem assim, e em outros textos já tivemos a oportunidade de analisar que emoções não são causas de comportamentos. Emoções são também comportamentos, e antes de explicarem qualquer coisa, elas também precisam ser explicadas à luz das contingências de reforço. Para entender um pouco mais sobre as emoções clique aqui.

Supondo que a professora tivesse a oportunidade de observar o comportamento de Joãozinho, algumas pistas poderiam surgir e fornecer indicações dos motivos que levaram-no a agredir Pedrinho. Talvez Pedrinho tenha arrancado das mãos de Joãozinho um brinquedo. Então, alguém poderia dizer: "Joãozinho agiu com base em um impulso de agressividade". A explicação ainda não seria suficiente, pois além de explicar o impulso, teríamos também que explicar como este é acionado, e por sua vez restaria esclarecer como ele age provocando comportamentos agressivos, ou seja, como se transformaria no fim das contas em um comportamento que tem como meta a agressão de outrem. O impulso não fornece uma saída mais interessante do que a explicação que passa pelos estados emocionais agrupados sobre o termo "vontade".

"Joãozinho agiu com agressividade porque perdeu o brinquedo". A explicação ainda não é suficiente, mas já fornece pistas mais concretas a respeito do comportamento agressivo de Joãozinho. Perder o brinquedo significa a suspensão de um reforço positivo importante. Se for possível observar os comportamentos de Joãozinho em situações semelhantes, situações de perda de reforçamento positivo, e isso nos levar a constatar que ele age agressivamente na maior parte das vezes, teríamos dados que permitiriam conjecturas sobre a capacidade de lidar com frustrações de nosso jovenzinho.  Incapacidade de lidar com frustrações pode significar uma história de vida em que os comportamentos de Joãozinho quase sempre eram reforçados em esquema de reforçamento contínuo. Joãozinho não foi treinado para aquelas situações em que o reforço era atrasado com relação ao comportamento reforçado.

Se no passado quando Joãozinho agrediu seus pares ele obteve algum reforçamento, aprendeu, assim, que o comportamento de agredir é uma potencial fonte geradora de reforços. Onde fica a vontade de Joãozinho em agredir? Ela se reduz aos estados emocionais sentidos quando Joãozinho enfrenta situações de frustrações. Tanto o comportamento de agredir quanto o que é sentido quando se é frustrado têm relação com aquilo que está ocorrendo no ambiente, e o que está ocorrendo no ambiente presente tem relação com o que ocorreu no passado quando houve a exposição a certas contingências de reforço.

Todo o raciocínio construído até aqui poderia ser objetado, e os mais obtusos diriam que há uma intencionalidade no comportamento de Joãozinho, pois ele é dirigido para um alvo, neste caso Pedrinho. O comportamento não pode ser causado por aquilo que não aconteceu. Explico-me. Eventos futuros não podem ter qualquer efeito sobre eventos presentes, pois por definição o futuro ainda não aconteceu. Qualquer dicionário que o leitor consultar vai definir vontade como a capacidade da pessoa agir com uma intencionalidade definida. Neste sentido, a vontade dá ao comportamento uma direção bastante definida, como se este fosse uma flecha atirada contra um alvo. No entanto, a meta de atingir o alvo não é a explicação para o comportamento de voar da flecha. A meta enquanto um evento futuro não pode causar um evento presente.

Se a flecha voa até o alvo é porque houve quem a disparasse. Houve um evento no presente que permitiu o lançamento da flecha, neste caso o arqueiro com suas habilidades de atirar. Estas habilidades foram modeladas por exposições a contingências de reforço no passado. No passado essa exposição permitiu que se estabelecesse relações de dependência entre eventos comportamentais e eventos ambientais. Os eventos comportamentais seriam os comportamentos de praticar tiro ao alvo. Os ambientais seriam as instruções sobre como atirar e as consequências proporcionadas pelo seguimento das mesmas.

Normalmente o comportamento dotado de intencionalidade é chamado de voluntário. O termo só faz obscurecer as variáveis envolvidas na determinação do comportar-se, pois a rigor não existem comportamentos voluntários, ou seja, comportamentos livres de determinação, produtos explícitos do livre arbítrio. Isso não quer dizer que não sejamos capazes de escolhermos entre alternativas diferentes. Sim, nós somos, mas, mesmo o comportamento de escolher não está livre de determinação.

Vontades e impulsos pouco explicam. Vontade é um estado emocional, uma tendência para agir de uma determinada forma. Mas, tanto o que é sentido como emoção quanto a tendência em agir de uma determinada maneira são produtos das contingências de reforço. Alguém que diz que está com vontade de comer chocolates, está dizendo que chocolate é um reforço positivo. Está também dizendo que o chocolate enquanto reforço positivo proporciona estados corporais agradáveis (emoções). Mas, sobretudo, a pessoa está sinalizando que não come chocolate há algum tempo, portanto, está privada do reforço chocolate, o que aumenta a probabilidade de sair em busca da obtenção deste reforço.

Contudo, a ideia de comer chocolate não surge no vácuo. Houveram contingências de reforço que aumentaram a probabilidade de ocorrência desta. A pessoa ouviu alguém falar sobre chocolate. Viu na TV um comercial sobre chocolates. Talvez a páscoa esteja próxima, e ela sempre compra ovos de chocolate nesta ocasião. Ou quem sabe seja um sábado, e nos sábados ela come chocolate como sobremesa após o almoço, de modo que opera sobre o seu comportamento um esquema de reforçamento em intervalo fixo. Enfim, muitas são as variáveis que podem explicar a vontade de comer chocolate. Antes de ser uma explicação, a vontade é um produto a ser explicado, fruto de incontáveis operações comportamentais.

Portanto, vontade é mais um exemplo de explicação fictícia para o comportar-se. O termo no máximo pode indicar o tipo de controle que está operando sobre o comportamento que se supõe ser um produto da vontade, mas mesmo assim precisa ser contextualizado de modo que se identifique que condições foram responsáveis pelo aparecimento daquilo que se sente. Não se trata de desprezar o que é sentido, afinal, o que se sente, fornece pistas sobre as contingências de reforço responsáveis tanto pelo sentir quanto pelo agir. Todavia, sempre é bom salientar que o agir nunca é um produto do sentir.


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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Lei da Atração e Comportamento Encoberto

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Dizem por aí que basta pensar positivo para que tudo ao nosso entorno se transforme. Será? A literatura de autoajuda chama esse fenômeno de "lei da atração". Funciona mais ou menos assim: o pensamento positivo agiria como um imã capaz de atrair a ocorrência de eventos positivos. Da mesma forma o pensamento negativo atrairia a ocorrência de eventos negativos. É como se os pensamentos tivessem propriedades magnéticas e por isso atraíssem a ocorrência de fenômenos com polaridades similares.

No entanto, esse paralelo com a física não pode ser levado muito longe. Primeiro porque os pensamentos não possuem propriedades magnéticas. Quando pensamos até ocorre no córtex mudanças neuroquímicas que produzem impulsos elétricos, e estes impulsos se fazem por meio do rearranjo de elétrons, o que acaba criando um pequeno campo magnético, mas nada suficiente para atrair qualquer objeto metálico, muito menos a ocorrência de eventos positivos ou negativos, se é que os termos positivo e negativo querem dizer alguma coisa. No máximo eles fazem referência ao tipo de controle que está operando sobre o comportamento, indicando se este está sendo submetido a controle aversivo ou reforçamento positivo. Se fosse assim, todos seríamos como o Magneto, inimigo número um do Professor Charles Xavier dos X-Men. Viveríamos, portanto, a atrair ou repelir metais.

O pensamento é comportamento. O pensamento é um evento privado. O Behaviorismo Radical não se furta a explicar os eventos privados. O pensamento é chamado de comportamento encoberto. O termo encoberto faz referência ao fato de que este comportamento ocorre num num nível que só pode ser acessado por quem se comporta. Pensamento não é causa de comportamento. Ele até pode ser um elo numa cadeia de comportamentos, produzindo estímulos discriminativos que aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos públicos. Eis aqui uma explicação plausível para a "Lei da Atração". Para entender o que são estímulos discriminativos e como eles agem, é aconselhável que o leitor leia o texto "Condicionamento operante: definição e aplicações". 

Quando alguém pensa positivamente, este comportamento encoberto pode alterar estímulos que aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos públicos. Uma pessoa que pensa que vai ganhar na loteria, até pode vir a ganhar na loteria, mas não porque pensou que ganharia e o pensamento se concretizou. Ao pensar que iria ganhar na loteria, tal comportamento encoberto gerou estímulos que aumentaram a probabilidade de ocorrência dos comportamentos de apostar. Os comportamentos de apostar acabam produzindo chances reais de se ganhar na loteria. Alguém pode pensar que vai se tornar um profissional excepcional. Este pensamento aumenta as chances da pessoa se comportar de modo a se tornar um profissional excepcional.

Vejam, então, que o que muda o mundo são comportamentos. É o que aprendemos com a definição de comportamento operante, um comportamento que opera no mundo modificando-o, e por sua vez também é modificado pelas alterações que produz. São ações que mudam o mundo ao nosso entorno. Mas, muitas vezes agimos sem que tenhamos consciência de que estamos agindo de determinada forma e quais são as variáveis relacionadas às maneiras como nos comportamos. Essa inconsciência a respeito do que se faz, do como se faz e do porque se faz, acaba gerando a impressão de que muitos eventos estão relacionados ao que pensamos. Mas não é o pensamento que altera o mundo. Ele pode até criar as condições para que certos comportamentos sejam emitidos. Todavia, são os comportamentos que alteram o mundo em que vivemos e por sua vez estas alterações acabam nos modificando sem que muitas vezes tenhamos a consciência de que as mudanças estão acontecendo.

Como qualquer outro comportamento, o pensamento também está sujeito às ações de suas consequências. Da mesma forma, ele também está sujeito às ações dos contextos em que ocorre. Pensamentos são comportamentos que foram aprendidos publicamente. Posso imaginar que estou dirigindo o meu carro. Consigo visualizar que estou segurando o volante, virando a chave, posicionando a marcha, alterando as posições dos pedais etc. Posso até sentir o carro se deslocando. Mas tudo isso é possível porque o comportamento de dirigir um veículo foi aprendido depois que fui exposto a contingências de reforço que tornaram possível a sua modelagem. No meu caso aprendi a dirigir um automóvel com o instrutor de uma auto-escola. Ele dizia o que eu devia fazer e eu seguia as suas instruções. Na medida em que o comportamento de seguir suas instruções eram consequenciados com reforçamento positivo, seja o reforçamento proporcionado pelo próprio instrutor, ou o reforçamento gerado pelo carro em movimento, criou-se as contingências para a modelagem do comportamento de dirigir.. A princípio meus comportamentos estiveram sob o controle de regras formuladas pelo comportamento verbal do instrutor, mas depois ficaram sob o controle das contingências arranjadas pela mecânica do carro.

Pensamento não é a mente em movimento! Pensamento é comportamento que precisa ser analisado à luz das contingências de reforço. São estas que serão reveladoras no sentindo de apontar porque um determinado comportamento está ocorrendo em nível encoberto e não em nível aberto. Alguém pode pensar na presença de uma outra pessoa: "que sujeito chato!". Se dissesse isso abertamente poderia estar sujeito a punições. O pensar permitiu a esquiva de contingências de controle aversivo. O pensar também pode proporcionar reforços positivos não encontrados na realidade, e neste caso ele seria chamado de fantasiar. Alguém pode imaginar-se rico, morando em uma mansão e andando de carro importado. Momentaneamente estes pensamentos proporcionarão reforçamento positivo. A questão é se o sujeito se torna refém do reforçamento gerado por meio de fantasias, o que o faz se distanciar da realidade. Neste caso só as contingências revelariam o motivo deste sujeito agir desta forma.

Portanto, a lei da atração é um bom exemplo de controle de estímulos. Comportamentos encobertos podem gerar estímulos que alteram a ocorrência de comportamentos públicos, e por sua vez os comportamentos públicos tornam mais provável a concretização daquilo que foi imaginado em pensamento. Não há nenhuma magia nisso. Mas é bom que se saiba, o que muda o mundo são as ações! Você até pode pensar positivo, mas tente agir de modo a aumentar as chances de ocorrer aquilo que tanto almeja.



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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Há algo mais profundo que as contingências de reforço?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Psicologia profunda é somente aquela que cuida da mente inconsciente? Muitas vezes o termo profundidade é quase sinônimo de vida mental, ou ao menos aponta para a possibilidade de existência de uma vida mental, de uma mente que funciona apesar de todo ato de volição. Isso faz com que a psicologia fique dividida entre as psicologias profundas, aquelas que cuidam da vida mental, em especial se debruçam sobre a tarefa de desvendar os segredos do inconsciente, e as psicologias superficiais, aquelas que tratam o comportamento apenas como respostas que surgem como ações provocadas por estímulos. Nada mais enganoso!

O mentalismo é mesmo encantador. Ele abre-nos a possibilidade de uma hermenêutica sem fim, fazendo acreditar que ciência se constrói com retórica. Retórica como a arte de falar não define aquilo que o cientista faz. O cientista trabalha com previsão e controle, e isso significa que deve ser capaz de isolar as variáveis responsáveis pelo comportamento de seu objeto de estudos. Não há nada mais trabalhoso e "profundo" do que selecionar as variáveis relevantes para a explicação do comportamento de um determinado de objeto de estudos, principalmente quando este objeto é o comportamento humano.

O problema com o mentalismo é que ele não deixa claro quais são as variáveis relevantes para se ter um mínimo de controle e previsão sobre o comportar-se. Se estas variáveis são o id, o ego e o superego, não temos como alterá-las, uma vez que são inacessíveis a qualquer tentativa de manipulação direta. Objetariam os mentalistas dizendo que estas podem ser acessadas indiretamente via comportamento. Então, temos aqui um problema. Se o objeto de estudos, no caso o comportamento, é a única evidência sobre as variáveis que o produzem, não há possibilidades reais de serem testadas mudanças significativas neste objeto, já que a rigor é inviável provar que as mudanças apontadas estão relacionada a alteração em certas variáveis. Em outras palavras, qualquer relação de causalidade não pode ser estabelecida, o que abre campo para a pura especulação.

O problema se agrava quando se hipotetiza sobre as variáveis causadoras do comportamento, especulando que estas têm um comportamento muito próprio. Isso vai tornando cada vez mais problemático o estudo, pois não são mencionadas que outras variáveis são responsáveis pelo comportamento daquelas variáveis que são diretamente responsáveis pelo comportar-se. As variáveis responsáveis pelo comportar-se precisam ter o seu comportamento explicado, e ao se explicar o comportamento destas, perde-se o foco do comportamento em si. Desta forma, toda explicação mentalista tende a ser circular. O comportamento é a única evidência das causas que o provocam, e as causas precisam ter o seu comportamento explicado para que se possa acreditar que o comportamento em si é uma evidência contundente daquilo que o causa. No fim das contas o comportamento é a explicação para si mesmo.

As contingências de reforço fornecem-nos uma saída mais interessante, pois indicam qual é o objeto a ser estudado e quais são as variáveis responsáveis pela forma como esse objeto se apresenta. Na Análise do Comportamento as contingências de reforço constituem a unidade básica de análise. Elas indicam a princípio que pelo menos dois processos são responsáveis pela ocorrência do comportamento: o reforçamento e o controle por estímulos. Para melhor compreensão destes processos é sugerida a leitura do texto "Condicionamento operante: definição e aplicações."

O reforçamento faz referência às operações de consequenciação. Trocando em miúdos, o comportamento é afetado por suas consequências, que podem ser de dois tipos: reforçamento positivo e negativo. A princípio parece ser um modelo explicativo bastante simples. Mas não é como parece. As consequências afetam o comportamento de diferentes formas. Elas vão depender, por exemplo, dos esquemas que determinam a forma como elas são apresentadas, e aqui entramos no terreno dos esquemas de reforçamento. O leitor vai entender melhor os esquemas de reforçamento lendo outro texto deste blog: "Jogos de azar: uma breve reflexão sobre os esquemas de reforçamento." O esquema de reforçamento vai ser determinante para que as consequências produzam comportamentos mais ou menos resistentes à extinção, comportamentos mais ou menos frequentes, comportamentos mais ou menos vigorosos.

O número de consequências que podem afetar os comportamentos que constituem nosso repertório total de comportamentos são incontáveis. Algumas consequências podem ter maior poder de controle sobre o comportamento se forem biologicamente importantes: sexo, bebidas, comidas etc. A importância biológica vai ser determinada pela história filogenética da espécie a qual o organismo pertence. Então, o ambientalismo como modelo explicativo não está contido em si mesmo, pois depende de outros níveis de explicação. A adoção do modelo de causalidade ambientalista remete-nos a um diálogo fecundo com outras ciências que explicam como funcionam o substrato biológico que dá amparo ao comportar-se. Neste sentindo, uma psicologia contida em si mesma é um projeto estéril desde a sua concepção. Não se faz análise do comportamento sem considerar variáveis ambientais e também variáveis biológicas.

O número de consequências que afetam o comportar-se aumenta exponencialmente se considerarmos que variáveis previamente neutras quando associadas a outras variáveis que já afetam o comportar-se, passam a adquirir poder de controle sobre este. Neste rol entram aquelas variáveis que foram associadas às consequências de importância biológica. Estas novas variáveis podem se associar a outras, gerando, assim, novas variáveis controladoras do comportamento. Há um infinito de possibilidades de associações entre variáveis ambientais e comportamentais, o que demonstra o quão "profundas" são as contingências de reforço.

Até aqui estivemos considerando somente as operações de reforçamento. Há as operações de controle de estímulos, o que é outra forma de dizer que não somente as consequências afetam o comportar-se, mas também os contextos em que os comportamentos ocorrem. Nestes contextos estão estímulos que assumem o controle do comportamento depois de serem associados às consequências. Após esta associação estes estímulos adquirem a função de sinalizadores de consequências, aumentando ou diminuindo a probabilidade dos comportamentos que controlam. No texto "O Condicionamento operante: definição e aplicações" o leitor vai encontrar uma explicação mais detalhada sobre como os contextos assumem o controle do comportar-se.

O número de variáveis dos contextos que afetam o comportar-se é ampliado se considerarmos que outras variáveis parecidas àquelas que controlam as emissões do comportamento, adquirem também a função de diminuir ou aumentar suas probabilidades de ocorrência. Por sua vez, o poder de controle destas variáveis sobre o comportar-se vai depender dos esquemas de reforçamento, ou seja, vai depender da forma como as consequências ocorrem. As combinações entre variáveis do contexto e as operações de consequenciação podem ser as mais diversas possíveis, o que revela o caráter multideterminado do comportamento, ao mesmo tempo que revela a complexidade deste objeto de estudos. Sobretudo, revela quão "profunda" são as contingências de reforço.

A coisa piora se ainda considerarmos que as contingências dos comportamentos individuais podem se entrelaçar com as contingências culturais. Por sua vez a cultura acaba estabelecendo regras para as condutas individuais, regras que afetam o comportamento de pessoas e grupos. O resultado final do comportamento de pessoas, grupos e instituições é a manutenção ou mudança de padrões culturalmente estabelecidos, e tais padrões podem ser determinantes para a sobrevivência da humanidade e de seu modo de existir. E aqui se revela a necessidade de diálogo da Análise do Comportamento com as Ciências da Sociedade, por mais que estas tenham a tendência em descrever as culturas em termos topográficos ou apelarem para descrições mentalistas no afã de explicar os comportamentos das coletividades.

De tudo isso fica uma constatação: as contingências de reforço são muito mais profundas do que qualquer modelo de causalidade mentalista. Enquanto unidade de análise as contingências do reforço permitem uma visualização das variáveis determinantes para a ocorrência do comportar-se, e da complexidade que envolvem a sua emissão. Sobretudo, elas permitem a construção de uma empreitada científica que abre margens para o controle e previsão. Por sua vez esta empreitada as transforma em um instrumento não somente de análise, mas também numa poderosa ferramenta de intervenção. Então, porque as contingências do reforço não haveriam de ser profundas?



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