segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Saravá, mangalô três vezes: mandingas e fim de ano

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Fim de ano é sempre a mesma coisa. A mídia enche a cabeça das pessoas de bobagens. Com todo respeito a crença de cada um, não são um punhado de conchas atiradas sobre uma peneira decorada com colares e outros objetos que vão mudar o seu futuro. Mandinga nenhuma que existe sobre a terra pode alterar o seu futuro. O seu futuro depende de duas coisas: daquilo que você fez no passado e daquilo que anda fazendo no presente.

O que você fez no passado é tão importante quanto aquilo que anda fazendo no presente. O que fez no passado pode ter produzido as tendências comportamentais que você vem apresentando no presente. Então, não tente entender seu presente sem ao menos dar uma olhadinha para o seu passado. O Homem é um ser histórico, portanto, sua história faz dele o que ele é. O que você continua fazendo no presente pode tanto reforçar as tendências comportamentais modeladas no passado, quanto reverter estas tendências, ou pode ainda criar outras.

Sendo assim, olhar para o passado e para o presente é o primeiro passo que deve ser dado para gerar novas tendências comportamentais que se manifestarão no futuro. De certa forma todo mundo sabe disso. Todo mundo sabe que sem entender o passado somos privados de compreender o "porquê" de agirmos assim ou assado no presente, como também sabe que aquilo que se planeja no presente pode alterar os resultados das ações no futuro. Esse é um conhecimento que faz parte do senso comum.

Embora faça parte do senso comum, ninguém conhece os meios adequados de como se pode construir conhecimento sobre o passado, e, sobretudo, como este conhecimento pode ser aplicado para alterar o presente e planejar o futuro. É aí que entre a Ciência do Comportamento com todo o seu arsenal filosófico, teórico e tecnológico. O que a ciência do comportamento tem a nos oferecer é a possibilidade de entermos a nós mesmos, e este conhecimento deve ser o ponto de partida para qualquer tipo de planejamento que queiramos fazer a respeito de nossas vidas.

Inclusive, esta ciência pode nos oferecer a possibilidade de entender porque as pessoas se deixam seduzir por promessas de mandingas, simpatias, advinhações e outras práticas culturais que invadem a mídia nos fins de ano. Se invadem é porque rendem algum ibope, e isso é fato. Mas por que as pessoas são seduzidas tão facilmente a colocarem em prática ações que não têm o menor poder de alterar suas vidas? Que mecanismos de aprendizagem subsiste atrás destas práticas? Destaquemos alguns: imitação, reforçamento acidental, controle de estímulos e coerção.

Imitação. A imitação está na base da aprendizagem de muitos dos comportamentos que fazem parte de nosso repertório total de comportamentos. Desde tenra idade imitamos os adultos, e quando o comportamento imitativo se aproxima do comportamento imitado é seguido de reforços positivos. A aquisição da fala é um bom exemplo. O pai diz "papai". A criança repete "papá". O comportamento se aproximou do comportamento do pai, e por causa disso é reforçado. Com a repetição da cena logo a criança aprende a dizer papai. O mesmo mecanismo é válido para a aquisição de outras palavras e para a formulação de frases mais complexas.

Quem nunca viu uma criança calçando os calçados dos pais ou mesmo vestindo suas roupas? Esse comportamento de imitar os pais é a base para o comportamento de fazer no futuro aquilo que os pais fazem, inclusive é a base para seguir os seus conselhos. Quando não sabemos nos virar em certa situação geralmente imitamos quem sabe. Por exemplo, se um sujeito está em uma danceteria e não sabe dançar, ele arrisca alguns passinhos observando aquilo que as pessoas estão fazendo. Em seguida começa a fazer o mesmo, e se é bem sucedido possivelmente seu comportamento é reforçado.

Com os comportamentos de fazer simpatias, pular ondinhas, ler horóscopo, vestir roupa de determinada cor não é diferente. Se um sujeito como o apresentador Luciano Huck oferece flores para Iemanjá no programa de encerramento do ano, é possível que muitos dos seus fãs façam o mesmo. Os fãs seguem o apresentador na tentativa de obter aquilo que ele tem: carisma, fama, sucesso, dinheiro, etc. Lógico que as pessoas não têm consciência disso, mas acabam agindo por imitação. Podem não imitar exatamento o Huck. Todavia podem acabar imitando alguém mais próximo que disse que seu ano foi bem sucedido porque ofereceu flores para Iemanjá no ano anterior.

Reforçamento acidental. Reforçamento acidental pode acabar modelando comportamentos supersticiosos. Se o menino que ao jogar bolas de gude com os amigos faz "figa" com os dedos todas as vezes que realiza uma jogada, e se algumas das jogadas acabam sendo bem sucedidas, gera-se um comportamento de acreditar que a "figa" foi responsável pelo sucesso. Acidentalmente o comportamente de fazer "figa" foi reforçado. Com o horóscopo não é muito diferente. Ocasionalmente o que se lê no horóscopo dos jornais pode se confirmar na realidade. Mera coincidência. Todavia, o reforço acidental pode modelar a tendência de continuar baseando decisões na leitura do horóscopo. O problema do reforço ocasional é que o comportamento supersticioso é modelado em um esquema de reforçamento intermitente, e sabemos que esquemas de reforçamento intermitente geram comportamentos resistentes à extinção.

Controle de estímulos. O termo controle de estímulos faz referência ao fato de que o comportamento também é controlado pelos estímulos do contexto em que ocorre. Então o comportamento operante é controlado tanto por suas consequências quanto pelo contexto em que ocorre. Os estímulos do contexto aumentam a probabilidade de que o comportamento ocorra. O bombardeamento midiático cria contextos que elevam as chances das pessoas se renderem às mandingas e simpatias, principalmente se estes comportamentos já fizerem parte de seus repertórios. Os programas de TV mostram pessoas que obtiveram sucesso porque consultaram a numerologia, os búzios, as cartas, etc. Mandingas e simpatias são associadas a reforçamento positivo, e isso pode criar ocasiões propícias para que sejam modelados comportamentos supersticiosos.

Coerção. Coerção é uso de punição ou a ameaça de uso de punição. O futuro é sempre algo inigmático, e a ele estão associadas as possibilidades de catástrofes e eventos inesperados. Catástrofes e eventos inesperados são estímulos bastante coercitivos. Se tais estímulos puderem ser minimizados de alguma forma, possivelmente as pessoas se entregarão às práticas que podem minimizá-los, que podem evitá-los ou diminuir seu raio de ação. Jogar búzios, cartas, ler o horóscopo, etc, são tentativas de diminuir a imprevisibilidade do futuro, tornando-o, assim, menos aversivo. Tudo que as pessoas querem acreditar quando se inicia um novo ano é que ele será menos aversivo do que o ano que passou, por isso muitas se entregam a estas práticas já citadas.

As quatro situações citadas podem ajudar-nos a entender os motivos que estão por trás de comportamentos supersticiosos. Mas o futuro não pode ser alterado com mandingas, simpatias ou qualquer outro tipo de prática oculta. Isso não quer dizer que ele não possa ser modificado. Sim, ele pode, desde que haja planejamento. Mas nenhum planejamento terá a chance de obter sucesso se não estiver ancorado em informações críveis sobre o passado e também sobre o presente. É em nossa história que encontramos a oportunidade de conhecer as variáveis que controlam o nosso comportar-se, e é alterando estas variáveis  que modificamos a nossa forma de agir. Qualquer promessa fora destas possibilidades é pura fantasia! Aproveitando a oportunidade, desejo a todos os leitores um feliz 2013!

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.

-->
Leia mais...