quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O Amor e os Seus Mitos

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Novamente o amor é tema do blog Café com Ciência. O poder do amor, ou melhor dizendo, o poder que o comportamento de amar tem de produzir contextos (estímulos discriminativos) e de gerar estímulos reforçadores que respectivamente produzem disposições para agir de determinada forma, como também reforçam tais disposições, é o motivo pelo qual este sentimento, ou esta forma de se comportar ter sido tão retratada ao longo da história da humanidade em pinturas, poemas, histórias, novelas etc.

O amor exerce um grande fascínio sobre aqueles que amam. E o motivo não é muito difícil de entender. Quem ama se mobiliza para fazer com que o amor se transforme no tema central de sua vida. Se mobiliza porque o amor tem o poder de gerar estímulos reforçadores os mais diversos, inclusive e principalmente estímulos de natureza sexual. Não me refiro ao sexo propriamente dito. Um beijo, é por exemplo, um reforço de natureza sexual, pois deriva seu poder de reforçar da sua capacidade de estimular sensorialmente os lábios, e tal estimulação naturalmente vai provocar (eliciar) comportamentos reflexos (mudanças fisiológicas) descritas como prazer.

Logicamente que o poder do beijo de reforçar não advém apenas da seleção natural, da filogênese. Ele depende também da cultura. Em nossa cultura o beijo é uma espécie de rito de iniciação à vida sexual. Está associado à conquista e ao cortejo. Culturalmente o beijo é uma espécie de objeto de desejo, primeiro passo que sucede a tantos outros que podem levar a obtenção de prazer sexual. Filmes e novelas transformam o beijo em uma grande encenação teatral, e sendo dramatizado de tal forma passa a ser objeto de desejo das massas. Então, as contingências culturais também têm um papel na determinação do poder reforçador de um beijo ou mesmo de qualquer outro gesto de carinho.

Beijos e gestos de carinho são comportamentos através do qual o amor é expressado. Tais comportamentos geram disposições comportamentais no(a) parceiro(a), como também podem reforçar estas disposições. Dito isso, entedemos porque o amor exerce um fascínio tão grande sobre aqueles que amam, ou seja, isso acontece por causa do poder que o amor tem de produzir reforços, reforços que modelam os mais diversos tipos de comportamentos, reforços que derivam sua força da seleção natural e de contingências culturais. Em função disso muito já se disse sobre o amor ao longo da história, aliás, por causa disso muito ainda se diz a respeito do amor. Mas muito do que se diz sobre o amor são mitos e lendas. Gostaria de enumerar pelo menos dois destes mitos, e farei isso através de alguns questionamentos.

Só se ama uma vez? Quem leu o post "Uma Análise Comportamental da Dor de Amor" sabe que essa pergunta não pode ter um "sim" como resposta. O motivo é simples. Emoção é comportamento. O amor é uma emoção, logo é comportamento. Como comportamento ele está sujeito aos efeitos das consequências que produz, quanto do contexto em que ocorre. Em outros dizeres, o comportamento de amar está sujeito a ação das contingências de reforço, como também das contingências da seleção natural e das contingências culturais como já assinalado. Sendo assim, alguém pode deixar de amar uma pessoa, mas isso não quer dizer que ela perca a capacidade de amar, ou seja, isso não quer dizer que ela não pode voltar a amar uma outra vez.

Essa conversa de que só se ama uma vez é mito. Quando um relacionamento termina, quando um amor se acaba, os comportamentos de amar o(a) parceiro(a) entram em extinção. Expliquei esse processo com detalhes no texto "Uma Análise Comportamental da Dor de Amor", texto ao qual já fiz referência. Aconselho que leitor dê uma olhadinha neste texto. O que ocorre, então, é que se deixa de amar o(a) parceiro(a), ou seja, os comportamentos de amar direcionados aquela pessoa entram em extinção. Isso não quer dizer que o repertório total dos comportamentos que compõem a classe de comportamentos de amar sofra uma completa extinção.

A fila anda, e em nova ocasião pode aparecer um parceiro diferente que ofereça reforçadores bastante distintos, e isso é suficiente para que o comportamento de amar esse novo parceiro seja modelado e passe a fazer parte do repertório de comportamentos de amar. O que pode ocorrer é que a pessoa traga marcas do relacionamento anterior que interfiram no novo relacionamento. Em outras palavras, ela pode trazer disposições comportamentais modeladas por outros relacionamentos, e estas disposições acabam ocasionando problemas para o novo relacionamento. Mas isso não ocorre porque a pessoa perdeu sua capacidade de amar, mas sim por causa de eventos que no passado geraram disposições comportamentais com potencial para produzir problemas os mais diversos quando novos relacionamentos são estabelecidos. Sendo assim, consideremos derrubado o primeiro mito a respeito do amor: "só se ama uma vez".

Depois que deixamos de amar uma pessoa, podemos voltar a amá-la? Sim, nós podemos, embora, essa não seja uma tarefa muito fácil, porque quando se deixa de amar geralmente se cria aversão. Aquele que era objeto de amor muitas vezes acaba se transformando em objeto de outros sentimentos como a raiva, ou seja, aquele que era uma potencial fonte de reforços se transforma em uma fonte de estímulos aversivos, provocando repulsa (comportamento de fuga/esquiva). Nem sempre esse é o caso, mas muitas vezes acontece, principalmente quando o relacionamento termina de forma traumática.

Podemos voltar a amar alguém que se deixou de amar, bastando para isso identificar no relacionamento fontes de reforçamento que não foram exploradas. Estas novas fontes de reforçamento podem criar contextos que voltem a suscitar o comportamento de amar, de modo que este comportamento tenha a oportunidade de ser novamente reforçado. Com isso novas interações são criadas entre o casal, e estas novas interações produzem novos reforços. Por sua vez os novos reforços vão fortalecer o laço de amor entre o casal, ou seja, vão fortalecer as disposições de demonstrar amor entre os parceiros.  Fica derrubado, portanto, o segundo mito.

Poderia aqui explorar tantos outros mitos, mas estes dois nos dão uma dimensão do quão complexos são os comportamentos que envolvem as expressões de amor. Mas importante é saber que o amor é comportamento, e que comportamento pode ser modelado. Se pode ser modelado, relações podem ser refeitas. Importante é saber que as respostas para o amor e suas frustrações estão nas contingências de reforço. Uma vez analisadas as contingências podem nos revelar muito sobre os nossos sentimentos, inclusive sobre o amor.

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