sábado, 18 de agosto de 2012

Relação Terapêutica e Calor Humano

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Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Muitas visões deturpadas orbitam em torno do tema psicoterapia, seja porque não existe uma única forma de conduzir uma "terapia do psicológico", e isso se dá em função da existência de diferentes perspectivas teóricas dentro da Psicologia, seja porque o modelo mais tradicional de psicoterapia mantém com o modelo médico uma relação de proximidade. Neste modelo há entre médico e paciente uma relação de distanciamento, e o paciente submete seu adoecimento ao saber quase onipotente do médico.

Logicamente que este modelo está em falência mesmo dentro da medicina, pois muito se fala em humanização do atendimento, humanização capaz de produzir circunstâncias que aumentam as chances do paciente aderir ao tratamento. Sendo assim, fica patente a importância do estabelecimento de uma relação profissional em que a expressão das emoções acaba se transformando em reforços que fortalecem os comportamentos de colaboração por parte do paciente.

No princípio da clínica psicoterápica, e a Psicologia deve sua inserção na clínica à Psicanálise, o psicoterapeuta se ausenta da relação para dar lugar à palavra. Vem daí o uso do famoso divã, uma espécie de sofá em que o paciente se deita e fala de suas emoções livremente. O psicoterapeuta para deixar que as emoções fluam naturalmente assume um lugar atrás do divã, pois o principal ator neste momento é a palavra, e é ela que levará a elucidação dos sentidos ocultos atrás de cada expressão emocional, dos sentidos que levariam aos labirintos de um suposto "inconsciente".

É típico deste tipo de condução do processo psicoterápico a "apatia" emocional do psicoterapeuta, o que colabora para que a relação terapêutica se torne em algo desprovido de afetividade. Mas a palavra pode continuar tendo o seu lugar de destaque sem que para isso seja sacrificada a relação terapêutica. O divã não é uma regra, e talvez seja muito mais uma exceção, pois tudo que se espera numa psicoterapia é acolhimento, acolhimento que gera a disposição para que o portador do sofrimento fale daquilo que lhe traz desconforto.

Ninguém busca a psicoterapia para dizer que está feliz. Ninguém pagaria um profissional para dizer: "olha, minha vida está ótima, e foi muito bom compartilhar isso com você!" Busca-se a psicoterapia no intuito de se conseguir produzir alterações naquelas circunstâncias geradoras de sofrimento. Se o sofrimento estabelece as circunstâncias favoráveis para a busca de ajuda profissional, ele pode ser também o motivo para que alguém desista de ser ajudado, desde que não se sinta devidamente acolhido, o que transforma a relação em algo bastante aversivo.

Estímulos aversivos geram comportamento de fuga. Desistir da ajuda é fugir, e a fuga pode tanto ser motivada pela aversividade da relação terapêutica, quanto pela aversividade do próprio sofrimento que precisa ser narrado, e ao ser narrado novos estímulos aversivos são gerados, e por sua vez estes estímulos aumentam a probabilidade de comportamentos de fuga. Depreende-se daí a ênfase numa relação que promova acolhimento, o que significa que o profissional pode e deve ser empático, pode e deve demonstrar compaixão, entendendo compaixão como um esforço em se colocar no lugar daquele que sofre.

Outro aspecto importante da relação que se estabelece entre profissional e cliente é a reciprocidade. Isso significa que expressões emocionais podem dar um feedback sobre o tipo de situação relacionada ao que é sentido tanto pelo cliente quanto pelo terapeuta. A relação terapêutica não é diferente de outros tipos de relações vividas fora do âmbito do setting clínico. Sendo assim, quanto mais natural for a relação terapêutica, mais o ambiente terapêutico vai imitar o ambiente do cliente, favorecendo, desta forma, a emissão de comportamentos clinicamente relevantes, de comportamentos que só poderiam ser observados em ambiente natural.

Se no seu ambiente natural o cliente experimenta emoções em suas relações, por que não haveria de experimentá-las na relação terapêutica? Por que a relação terapêutica não pode favorecer a ocorrência de comportamentos emocionais que ocorrem em ambiente natural? Ela não só pode como deve favorer a ocorrência destes tipos de comportamentos, o que acaba gerando informações valiosas sobre as contingências de reforço presentes na vida do cliente.

Os sentimentos do terapeuta não precisam ser ocultados do cliente, pois assim ele poderá se conscientizar do efeito que geralmente os seus comportamentos têm sobre as pessoas que fazem parte do seu convívio. Portanto, a relação terapêutica é um espaço de manifestação de calor humano, pois ela não se difere de outros tipos de relações, a não ser pelo fato de ser profissional, tendo assim o propósito muito claro de promover o reestabelecimento da parte que sofre.

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2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto Bruno! Vc estava na ABPMC? Não te vi...

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    1. Obrigado Maria Ester. Infelizmente não foi possível ir à ABPMC.

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