sábado, 5 de maio de 2012

O Ofício de Ser Professor

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ver alunos do ensino superior cometendo erros primários de ortografia me faz desconfiar da qualidade do ensino num país que diz ser de todos: "Brasil um país de todos". Talvez alguns digam que criticar a educação seja o mesmo que "bater em cachorro morto". Cachorro morto é incapaz de reagir. Não quero bater em cachorro morto e nem mesmo bater na mesma tecla sobre a importância da educação na construção de um país melhor, de um país com mais oportunidades e mais acesso aos direitos fundamentais, sejam estes civis, políticos ou sociais.


Quero hoje falar sobre o ofício do professor, este que é uma das peças fundamentais no processo de ensino-aprendizagem. Todavia, ser professor num país que tem sucateado a educação não é nada fácil. O professor convive ao mesmo tempo com uma remuneração vergonhosa e com uma estrutura que não o permite planejar contingências que tornem possível a aquisição de comportamentos, por parte dos alunos, que sejam úteis tanto no contexto escolar e em outros contextos, mas principalmente em outros contextos. Esta é a função da educação, permitir a partir do arranjo de certas contingências a aquisição de comportamentos que sejam úteis em outros contextos. Sendo assim, a educação formal, aquela que é viabilizada por meio da escola, deve preparar o aluno para lidar com circunstâncias que ele vai encontrar fora do contexto educacional, deve permitir que certas habilidades sejam desenvolvidas, habilidades que permitirão a resolução de certos problemas que serão encontrados fora dos muros da escola.

Se o papel da escola é este que acima foi assinalado, é lícito dizer que ele se cumprirá mediante o ofício dos professores. São os professores os responsáveis pelo planejamento das contingências que modelarão os comportamentos que serão úteis para a resolução de problemas encontrados em outros contextos diferentes do contexto educacional. Logicamente que este planejamento deve estar assentado sobre alguns pilares. Gostaria de refletir sobre dois destes pilares que dizem respeito especificamente ao trabalho do professor. Estes pilares são: competência técnica e competência relacional.


Espera-se que o professor domine o conteúdo que ele vai lecionar, ou seja, que ele tenha as competências técnicas para modelar no repertório de seus alunos aquelas habilidades técnicas que devem ser adquiridas para que estes aprendam a resolver problemas bastante específicos. Esta verdade é principalmente aplicável ao ensino superior. Um professor de mecânica deve planejar contingências que permitam a modelagem de habilidades bastante específicas, habilidades que se referem ao universo dos motores. Os alunos deverão entender como funciona um motor, devem saber montá-lo e desmontá-lo, substituir peças etc.

Mas num país em que os professores são mal remunerados, surge um fenômeno bastante curioso: professores lecionam conteúdos que eles não têm nenhum domínio. Os professores precisam sobreviver, e acabam aceitando lecionar conteúdos que não dominam, pois esta é a forma de aumentarem os seus rendimentos. Esta realidade se faz presente em todos os níveis de ensino: fundamental, médio e superior. A consequência disso? Vocês podem imaginar... As habilidades que deveriam ser desenvolvidas acabam não sendo desenvolvidas. Isso perpetua um ciclo pernicioso, pois parte destes alunos se transformam no futuro em professores... Outra parte vai para o mercado de trabalho tradicional, mas este acaba selecionando os mais habilidosos. E os menos habilidos e competentes? Bem, estes têm destinos os mais diversos.


No entanto, existem professores que são competentes, ou seja, dominam os conteúdos técnicos, contudo, são um desastre no ofício de estabelecerem relações saudáveis com seus alunos. Suas relações são sempre mediadas por muito controle aversivo. Certamente o resultado do uso de controle aversivo não é dos melhores... Como planejar contingências que permitam a modelagem de certas habilidades com base em controle aversivo? O controle aversivo acaba gerando comportamentos que concorrem com as contingências que deveriam permitir a modelagem daquelas habilidades que serão úteis em contextos a serem encontrados fora do ambiente escolar.

Professores com poucas habilidades sociais se tornam estímulos aversivos potenciais. Ao entrarem em sala eliciam respondentes de mal estar e operantes de fuga, esquiva e contracontrole. Evasão escolar é um exemplo de comportamentos de fuga e esquiva. Depredação do patrimônio escolar é um exemplo de comportamento de contracontrole. Boicotar as aulas de um certo professor é um outro exemplo de comportamento de contracontrole. Nosso sistema de ensino precisa de professores competentes tecnicamente e relacionalmente, de professores que tenham domínio sobre os conteúdos que lecionam, mas que também sejam capazes de se relacionarem bem com seus alunos.

Se relacionar bem com os alunos também é importante para a potencialização do processo de ensino-aprendizagem. Relacionamentos aversivos geram efeitos emocionais colaterais que acabam interferindo com a aprendizagem. Geram também comportamentos os mais diversos, inclusive de contracontrole, comportamentos de atacar com punições e ameaças de punições as fontes de controle aversivo, fontes institucionalizadas no papel exercido pelo professor. E muitas vezes esse contracontrole que tem como meta o professor, faz com que este seja submetido a fontes de estresse. Por sua vez o estresse acaba provocando adoecimento. Professor que usa controle aversivo estará sujeito também a contracontrole aversivo.


Outra questão importante é que o professor é modelo de comportamento. Se suas estratégias de ensino estão baseadas em controle aversivo, acaba ensinando para seus alunos por modelação que o controle aversivo é a forma mais eficaz de se obter o que quer. Professor que usa punição ensina seus alunos também a usarem punição, e muitas destas punições podem ter como alvo o professor e o sistema educacional. A palmatória foi abolida, mas tem muitos professores que por não terem as competências técnicas ou relacionais, usam notas para ameaçarem seus alunos, usam controle aversivo para conseguirem exercer autoridade.

A melhor forma de exercer autoridade é cativando, é estabelecendo alianças. Fazer inimigos é gerar fonte de estímulos aversivos que retroagem sobre quem as criou. Sala de aula não é lugar para se criar inimizades, não é lugar para controle aversivo. Sala de aula é espaço para aprendizagem, e a aprendizagem ocorrerá naturalmente e sem efeitos emocionais colaterais nocivos se comportamentos forem consequenciados com reforçamento positivo.

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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Polícia na Escola: experimentação social ou utilização da velha lógica da coerção?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Pouco mais de um ano depois da tragédia na escola municipal Tasso da Silveira , em Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro, as autoridades do estado do Rio através de uma parceria entre as secretarias de educação e segurança, resolveram criar o que chamaram de Programa Estadual de Integração de Segurança (Proeis). O programa consiste em colocar Policiais fardados e armados em 90 escolas estaduais.



Estes policiais trabalharão em seus horários de folga. É a oficialização do bico. A justificativa é que muitos policiais já exerciam este trabalho, mas o faziam como bico sem nenhum respaldo do Estado. 423 policiais serão beneficiados com esta medida, pois receberão para fazer um bico nas escolas, e farão isso com farda e tudo que tem direito, inclusive armas. Armas são aqueles aparatos utilizados para inutilizar a vida alheia. Ok, ok, ok, eu sei que as armas são as ferramentas de trabalho dos policiais e isso não é o que está em jogo na análise que proponho.

Oficializar o bico é admitir que no mínimo os policiais são mal remunerados para exercerem suas funções, e diga-se de passagem que são funções que colocam em risco suas vidas. Ninguém está dizendo que o papel da força militar não é importante para o funcionamento da sociedade. Isso não está sendo cogitado. O que se pretende indagar com este breve texto é se o problema da violência nas escolas é apenas um problema que precisa ser tratado no âmbito das políticas de segurança pública.

É a velha tática de tapar o sol com a peneira. Esse ditado é mais velho que meus falecidos avós, no entanto, continua sendo bastante útil, inclusive para esta ocasião. Em outro post em que falei da criminalidade e dos problemas relacionados ao funcionamento do sistema prisional, deixei muito claro que coerção gera coerção. Coerção é uso ou ameaça de uso de punição. Punição não extingue o comportamento punido, e sobretudo, gera efeitos colaterais bastante nocivos: agressão, culpa, baixa autoestima, ansiedade etc.

A violência nas escolas possivelmente é resultado de uma sociedade que perpetua o controle coercitivo e de uma sociedade que submete uma parcela significativa da população a muitas privações. Privações em todos os sentidos. Privações que podem ser medidas em termos materiais, mas também privações que não podem ser expressas numericamente, pois dizem respeito às frustrações de não se conseguir alcançar o tão sonhado ideal da ascensão social, ideal que como regras de conduta (descrições de contingências) controlam boa parte dos comportamentos de nossos repertórios. A questão é que as contingências descritas nestas regras não se concretizam para muitos. Aí vem toda sorte de frustrações que podem se transformarem em fontes produtoras de agressão.

A presença da polícia na escola são estímulos discriminativos que sinalizam a possibilidade de coerção. O que faz a polícia? A função da força militar é reprimir o que perturba a ordem social. O que mais além disso a polícia pode fazer na escola? Sua presença certamente inibirá as práticas de violência, pois sendo um estímulo aversivo, a população escolar vai se engajar em comportamentos de esquiva, comportamentos que evitem punições. Mas isso não coloca um fim na violência. É muita ingenuidade achar que a violência no contexto escolar vai deixar de ocorrer por causa da presença de policiais. É uma questão empírica. Todo estímulo aversivo condicionado pode perder sua função quando deixar de ser associado ocasionalmente a punições. Quando associado novamente a punições ele readquire sua função. 



A princípio a presença de policiais pode inibir as práticas de violência. Elas deixarão de ocorrer por um tempo. Com isso o policial deixará de atuar repressivamente. Deixando de atuar repressivamente sua função de estímulo aversivo condicionado pode sofrer extinção. Sofrendo extinção cria-se a possibilidade para o ressurgimento das práticas de violência. Ressurgindo as práticas de violência o policial terá que agir. Agindo sua conduta é novamente associada a punições, reassumindo sua função de estímulo aversivo condicionado.

Logicamente que os policiais receberão um treinamento para agirem no contexto escolar. Mas, ainda, assim, fardas e armas são estímulos que continuarão sinalizando possibilidade de coerção, e a mídia se encarrega de fazer esta associação todos os dias. Trata-se de uma experimentação social. Não precisamos ser completamente pessimistas. No entanto, não podemos deixar de questionar que o problema da violência no contexto escolar deva ser tratado apenas com práticas coercitivas, ou seja, deva ser tratado somente no âmbito das políticas de segurança pública.

Talvez seja a hora de se pensar seriamente a inserção de profissionais como Psicólogos(as) e Assistentes Sociais nas escolas, pois a violência que se manifesta neste contexto é produto de questões que transcendem os muros da comunidade escolar. Trata-se de um problema a ser tratado no âmbito das políticas de saúde e assistência social. Reprimi-lo com a presença ostensiva de um aparato militar é apenas camuflar uma situação que tem dimensões muito maiores. 



Se a inserção da força militar no contexto escolar tiver a função de gerar as condições necessárias para que outros trabalhos sejam feitos, pode-se dizer que ela é válida. É como no caso das UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora). Estas desenvolvem um trabalho que permite que o Estado adentre certas comunidades oferecendo aquilo que é de sua obrigação: saúde, saneamento básico, educação etc. Se a inserção de policiais no contexto escolar seguir uma lógica semelhante aquela seguida pelas UPP’s, podemos esperar algum resultado desta intervenção, ou seja, se ela objetivar gerar as condições para que o Estado ofereça outros serviços que tornem melhor o espaço educacional, podemos acreditar que esta intervenção possa produzir algum resultado positivo. Mas se este não for o objetivo, corremos o risco de estarmos apenas reproduzindo a velha lógica da coerção. Estaremos, assim, desperdiçando uma boa oportunidade de conduzir um bom experimento social.



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