sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Modernidade e o Circo dos Horrores

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Não restam dúvidas que a humanidade caminha a passos largos. Nunca se viu tantas tecnologias surgirem tão rapidamente e em tão pouco tempo. Até bem pouco tempo não existia internet. Há algumas décadas poucos eram os que tinham um aparelho de televisão em casa. Se viajarmos um pouco mais no tempo chegaremos num momento em que o “Repórter Esso” era um dos poucos meios de divulgação de notícias, e muitos ficavam grudadinhos em seus rádios para saber o que se passava no mundo. Agora quase todos têm computador com acesso à internet.

Vivemos num mundo das pessoas conectadas. Existe uma teia de relações espalhadas pelos ares através das ondas de transmissão de informação. Existem neste momento inúmeros relacionamentos sendo construídos via bytes que trafegam pelos cabos de fibra ótica ou de telefonia convencional. Teias de relacionamentos se formam como teias de aranha em uma caverna escura e abandonada, ambiente perfeito para proliferação de aracnídeos.

É o mundo midiático, em que tudo vira notícia. Caiu, escorregou e se machucou, vira vídeo e vai para o youtube, ou vira foto e é compartilhado por famigerados usuários do facebook em busca de uma sensação momentânea de satisfação originada pela desgraça do outro. É o mundo dos 15 minutos de fama em que pessoas buscam aparecer na mídia de qualquer forma em troca de dinheiro, em busca da tão prometida ascensão social veiculada nos outdoors e capas de revistas. Alguns poucos até conseguem seus poucos minutos de fama, mas logo são esquecidos, pois o turbilhão de informações que circulam nas teias da web faz o novo rapidamente ficar velho. É o mundo do passageiro: o novo é logo velho, tudo é descartável numa velocidade impressionante.



Com isso a lógica da web vai se impregnando em nossas relações. Pessoas são descartadas, relacionamentos são efêmeros e rapidamente substituídos por outros. É o mundo do fast food, da comida rápida, do sexo virtual. E neste mundo o que importa é o prazer. É o mundo que permite acesso fácil a inúmeras fontes de reforçamento positivo sem muito esforço. Este mesmo acesso facilitado treina pessoas pouco resistentes à frustração. Já parou para perceber qual é sua reação quando sua conexão de internet cai? Provavelmente você vai da ira à melancolia em instantes.

O mundo moderno é um circo dos horrores. Quando as pessoas são “treinadas” para terem acesso fácil a reforços positivos, ao ficarem sem eles entram em colapso, se debatem em um quadro quase caótico. É um mundo que nos condiciona a sermos felizes a custa da desgraça dos outros. Isso banaliza a cultura da punição. O legal é se divertir punindo os outros. O que dá IBOPE é mandar alguém para o paredão, só para fazer alusão a um certo programa de televisão em que a desgraça do outro gera muita audiência. O que dá IBOPE é tramar estratégias para fazer com que o outro seja colocado no paredão. É a perpetuação sem fim da cultura do controle aversivo, da cultura em que punir o outro é algo banal, algo normal. Normal? Se isso for normal quero gritar com Raul Seixas: “Pare o mundo que eu quero descer!”



No mundo moderno o que faz feliz as pessoas é ver uma panicat trocando suas madeixas por um pouco de grana e fama. É o circo dos horrores! É a banalização do esforço desmedido para se tornar famoso doa a quem doer. Neste esforço tudo se faz para se conseguir um lugar ao sol, vale até puxar o tapete do outro, vale até colocá-lo no paredão, e por que não fuzilá-lo? Vale vender suas madeixas, e por que não vender todo o resto, já que a sexualidade no mundo moderno é mercadoria altamente vendável? É o mundo do fast food sexual, em que as pessoas estão trocando relações reais por relações sexuais virtuais. Perde-se a referência do contato com o outro e com isso fontes importantes de reforçamento que poderiam contribuir para a modelagem de habilidades sociais. 



É o mundo do Reality Show, em que a vida privada virou comércio. Com isso perpetua-se a lógica de que não existe intimidade, de que tudo se pode fazer para invadir a privacidade alheia. É o mundo dos paparazzis, das revistas de fofoca, dos programas de Sônia Abrão, Casos de Família etc. Leva-se famílias para um palco de um programa de televisão para discutirem os seus problemas íntimos. Isso é fonte de diversão para muitos. Com isso perpetua-se a lógica da invasão da privacidade, da intimidade escancarada. Estamos a um passo de uma cultura em que não haverá limites claros entre a vida íntima e a vida pública, e esta confusão nos colocará muito próximos da completa ausência de parâmetros éticos, pois se tudo pode em nome do ibope, inclusive invadir a intimidade, o que será então proibido?




São as contingências do comportamento de consumir desenfreadamente, de consumir sexo virtual, consumir a intimidade escancarada nos reality shows, de consumir a cerveja gelada associada à imagem da mulher seminua, de consumir a novela que nos ensina que se vingar e punir é coisa normal. Onde vamos parar? Que mundo estamos construindo? Um mundo regido por contingências de controle aversivo e por contingências que expõem a vida íntima, pois expor a vida íntima é altamente reforçador. Um mundo que oferece acesso fácil a inúmeras fontes de reforçamento positivo, reforçamento consequenciado a muitos comportamentos que produzem prejuízos individuais e coletivos. 

Reforçamento positivo também pode gerar problemas, e isso não é novidade, pois o leitor que tem acompanhado o blog já viu esta questão trabalhada em outros posts. Estamos construindo um mundo de pessoas que são treinadas para serem frustradas, pois se acostumam tanto ao prazer fácil que quando ficam sem ele entram em colapso emocional. Estamos treinando pessoas que não sabem se esforçarem para obterem seus objetivos, pois desde tenra infância são acostumadas aos prazeres fáceis. Mundo dos circos dos horrores! Mundo das futilidades. Fica a pergunta: que futuro estamos construindo para a humanidade?

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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Planejamento e Política Pública: uma pequena amostra do caso brasileiro

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Um dos elementos que aumentam a margem de sucesso de uma política pública é o planejamento. É o planejamento que confere à política a racionalidade necessária para que os recursos investidos em sua implementação sejam bem utilizados, e a isso dá-se o nome de otimização ou racionalização da gestão. O que são políticas públicas? Políticas públicas são ações continuadas por porte do Estado que têm como objetivo o atendimento às necessidades da coletividade.


Formula-se uma política porque existem problemas a serem resolvidos. Existem políticas de saúde porque existem problemas de saúde a serem tratados e/ou prevenidos. Existem políticas de educação porque existem problemas educacionais a serem tratados e/ou porque a educação é um meio privilegiado para permitir o acesso a conhecimento, e por sua vez conhecimento pode ser utilizado para a transformação da realidade. Se a educação pública permite ou não a aquisição de conhecimentos úteis a transformação da realidade já é uma outra questão. E a serviço de quem a educação pública está é ainda uma outra questão. Ela está a serviço do cidadão para torná-lo mais consciente da importância do seu papel enquanto agente transformador, agente produtor de história, ou a serviço da ideologia das classes dominantes? Ideologia pode aqui ser entendida como o conjunto total de comportamentos que geram estímulos que criam a oportunidade de modelagem de comportamentos que não exerçam nenhum ou pouco contracontrole sobre os detentores do poder, sobre os detentores dos principais reforços que controlam as contingências responsáveis pelo funcionamento da economia, sistema político, sistema judiciário etc.

Ideologias se traduzem por descrições não oficiais de contingências de reforço. Estas descrições geram regras que controlam o comportar-se, mesmo que não sejam regras oficiais, regras reconhecidas pelo sistema judiciário. Embora não estejam codificadas por meio de leis, ou seja, embora não sejam oficialmente reconhecidas, acabam se transformando em códigos de condutas, em contingências de reforço que fazem parte da cultura de um povo, contingências que acabam modelando comportamentos que mantêm e preservam esta cultura, ainda que ela possa não produzir benefícios significativos para este povo. Mas para este povo perceber que as ideologias que reproduzem não os beneficiam, precisam adquirir conhecimentos que permitam que se conscientizem a este respeito, ou seja, é necessário que existam contingências que gerem comportamentos verbais que permitam descrever as circunstâncias que produzem as ideologias e como elas afetam o comportamento das pessoas inseridas numa determinada coletividade. Não estou certo se nosso sistema educacional modele comportamentos neste sentido, ou seja, no sentido de tornar as pessoas mais “conscientes” de suas realidades.

                                                         Ideologia

Já que estamos falando de ideologias e mencionamos que elas se traduzem por códigos de condutas não oficializados, e já que estamos também discorrendo um pouco sobre políticas públicas, seria oportuno mencionar que existe um código de condutas não oficial no Brasil quando o que está em jogo é o planejamento de políticas públicas. Infelizmente planejamento não é algo inerente ao processo de elaboração e implementação de políticas públicas no Brasil. A quem a ausência de planejamento beneficia? Boa pergunta... O código de conduta que diz “veladamente” que não é necessário planejar, pois no fim tudo se acerta, gera que tipo de produtos? Certamente gera desperdício de recursos públicos. O desperdício produz aumento na tributação, pois o dinheiro precisa sair de algum lugar para cobrir os rombos gerados por recursos subaproveitados ou mal aproveitados. Quem paga por isso é o bolso do contribuinte.

Já falei em outro post sobre a cultura do “jeitinho brasileiro”. Este comportamento de que no fim tudo se acerta gera produtos nefastos para toda a coletividade. Todos pagamos por adiarmos a resolução de problemas coletivos que afetam a vida de todos individualmente. Então, planejar políticas públicas é pensar nas contingências de reforço através dos quais estas políticas contribuirão para a geração de comportamentos que possam beneficiar toda coletividade, que possam aumentar as chances de sobrevivência da cultura e também da espécie humana, pois se não nos preocuparmos em modelar comportamentos que beneficiem a todos a sobrevivência da humanidade estará em risco. Um exemplo simples é a cultura do consumismo desenfreado.

Consumismo desenfreado leva a explorações indevidas do meio ambiente. Esta exploração gera depredação ambiental. Por sua vez, esta depredação altera o clima, o regime de chuvas, a temperatura global, produz novas doenças etc. Tudo isso a longo prazo produzirá circunstâncias que dificultarão a sobrevivência da espécie. Pensar em alternativas para o consumismo é pensar no benefício de toda a coletividade. A reciclagem é o exemplo de política pública que precisa de mais planejamento e investimento, sob pena de esgotarmos os recursos naturais essenciais a nossa sobrevivência como espécie. Mas, podemos contar nos dedos os municípios brasileiros que contam com um aterro sanitário e uma usina de reciclagem. É mais barato investir num aterro sanitário e numa usina de reciclagem do que posteriormente gastar recursos tentando consertar os danos gerados por lixões e por enchentes provocadas por bueiros entupidos com sacolas e garrafas plásticas.


No entanto, planejamento é algo que falta à política brasileira. Vejam um exemplo que ocorreu na Paraíba (clique aqui para ver). Para ajudar agricultores deste estado o governo nacional destinou para eles sementes para o cultivo das lavouras. Todavia, os agricultores recusaram as sementes, pois estas não eram apropriadas para o clima e tipo de solo da região. Não era uma questão de planejamento? Antes de destinar as sementes o governo não tinha que se questionar se elas eram ou não apropriadas? Cadê o planejamento que deveria fundamentar as políticas de agricultura? O Ministério da Agricultura não tinha que ter uma espécie de diagnóstico (mapeamento) dos tipos de solo e clima de cada região do país, de modo que qualquer decisão sobre o fornecimento de insumos para lavouras fosse tomada com base nestas informações? Pergunta-se: quanto se desperdiça de recursos num pequeno erro como este? Desperdiça-se tempo, combustível para transporte dos insumos etc.

Se este tipo de erro grotesco ocorre com políticas voltadas para a agricultura, o que esperar de políticas como saúde, educação, assistência social, urbanismo etc? Todo este problema poderia ser contornado se as políticas públicas neste país fossem elaboradas com base em diagnósticos que fornecessem informações sobre os fenômenos que se processam na realidade social. Em outras palavras, tudo isso poderia ser evitado se houvesse planejamento, se fosse refletido que contingências de reforço as políticas públicas devem produzir para modelar comportamentos que beneficiem toda coletividade, pois se são mesmo públicas, as políticas devem estar voltadas para o povo e não para os interesses escusos das classes dominantes, para a manutenção de um sistema político que legisla para manter suas próprias regalias.

Experimentação social é a saída, e neste sentido a Análise do Comportamento, ciência que estuda o comportamento e suas leis, tem muito a oferecer. Experimentos pilotos poderiam ajudar na decisão sobre o melhor rumo que uma política deve seguir. Skinner nos dá o exemplo em Walden II, um romance que fala de uma comunidade regida de acordo com os princípios da Análise Experimental do Comportamento, uma comunidade que tem como principal critério de funcionamento a sobrevivência da própria comunidade e também da espécie humana, e se este é o principal critério, ficam excluídas, portanto, as possibilidades de existirem circunstâncias que possam privilegiar mais a alguns grupos do que outros. É um livro que vale a pena ser lido. Fica, então, a dica de leitura para quem quiser aprofundar no assunto.

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terça-feira, 17 de abril de 2012

Prisões e punições: algumas reflexões preliminares

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

As prisões são tão antigas quanto a humanidade. Suas funções foram sofrendo modificações ao longo da história, mas algo nelas tem se preservado a despeito de toda mudança: são instituições criadas com o fim de engendrarem punições, ou seja, para prender e punir os infratores recolhidos em seus interiores.  A suposição que mantém a lógica do encarceramento é de que a punição pode servir à correção, de que a punição pode gerar mudanças comportamentais de modo a extirpar o comportamento punido. Será?


A Análise Experimental do Comportamento tem apontado em outra direção. Punição não extingue o comportamento punido. Punição suprime temporariamente o comportamento punido. Suprime porque os estímulos punitivos, tecnicamente chamados de aversivos, geram comportamentos incompatíveis com o comportamento punido. A criança que apanha por ter quebrado o arranjo de flores da mãe, deixa de se engajar em comportamentos de mexer no que não pode, porque a punição suscitou comportamentos emocionais incompatíveis com o comportamento punido, e o chorar é um exemplo deste tipo de comportamento emocional. Enquanto chora ela deixa de mexer no arranjo, mas pode ser ameaçada de nova punição por chorar, então, qualquer comportamento que termine a ameaça pode ser reforçado.

Disto se conclui duas coisas: a punição gera disposições emocionais geralmente incompatíveis com o comportamento punido e estabelece a ocasião para a ocorrência de comportamentos que terminem a punição. Estes comportamentos que terminam a punição são fortalecidos pela remoção dos estímulos aversivos, o que significa que o que está em vigor é uma operação de reforçamento negativo. Mas, terminada a punição o comportamento punido pode voltar a ocorrer. Sendo assim, a supressão do comportamento punido é apenas temporária, ou seja, ele desaparece enquanto perdurarem os efeitos da punição. Uma vez terminada a punição o comportamento geralmente volta a ocorrer com a mesma força.

Isso acontece porque este comportamento mesmo tendo sido punido produz algum reforçamento positivo. A criança que mexe nas coisas dos pais obtém algum reforçamento com isso, seja pela estimulação sensorial de manipular objetos diferentes, ou seja pela atenção dispensada pelos adultos. Imaginem pais relapsos que quase não dão atenção aos filhos. Chegam muito cansados do trabalho e sentam na frente da televisão ou do computador para acessar o facebook. Com isso não dão nenhuma atenção para os filhos e só fazem isso quando estes mexem em alguma coisa. O filho “descobre” que consegue fazer os pais saírem da frente da TV ou do PC mexendo em algo. Então todo comportamento punido foi anteriormente reforçado de alguma maneira. Para fazê-lo desaparecer é mais efetivo colocá-lo em extinção do que puni-lo, pois além da punição não fazer o comportamento desaparecer, ela gera produtos emocionais bastante nocivos, e tudo que se associar à punição passa adquirir a mesma função, ou seja, a função de gerar subprodutos emocionais nefastos.


A criança quando vê o chinelo na mão da mãe já chora por antecipação. O chinelo e certas feições da mãe, como também seu timbre de voz acabam se associando às punições, e por isso geram a disposição de chorar na criança antes mesmo de ser punida. Provavelmente a criança sentirá alguma ansiedade entre o intervalo do anúncio da punição até o momento que ela se efetive de fato, ou seja, sofrerá por antecipação. Não é que ela sofra de fato por antecipação, mas os estímulos do contexto associados às punições, estímulos como o chinelo, o cinto, certas feições, o timbre de voz entre outros, evocam respostas emocionais provocadas pela punição no passado. Punição gera estímulos punitivos (aversivos), ou seja, o uso de punição contribui para construir ambientes aversivos, ambientes hostis.

São diversos os produtos emocionais nocivos gerados pelas punições: ansiedade, depressão, baixa autoestima, medo, culpa, agressão etc. Chama a atenção este último. Punição gera agressão. Em outras palavras coerção gera coerção. Isso porque o organismo punido se engajará em comportamento que termine a punição. Este pode agredir para terminar a punição. A agressão é um comportamento de contracontrole que tenta colocar fim às fontes de estimulação aversiva. Talvez seja um dos produtos mais nefastos da utilização da punição. Mais cedo ou mais tarde todo sistema punitivo acaba gerando algum contracontrole, algum comportamento de ataque ao próprio sistema punitivo, cujo objetivo é colocar fim ao seu funcionamento.

As prisões são o exemplo perfeito de como sistemas punitivos geram contracontrole. Talvez o leitor se lembre da chacina do Carandirú em 1992, chacina que terminou com a morte de 111 detentos. Tudo começou com uma rebelião que foi detida com uma operação policial desastrosa. Presos protestavam por causa da superlotação e das condições precárias geradas por essa superlotação. O protesto dos presos são comportamentos de contracontrole. Assumir o controle do presídio é uma forma de se rebelar contra as fontes de punição. Mas o Estado com toda sua “inteligência policial” ou com todo o seu aparato policial repressor, tentou colocar fim a comportamentos de contracontrole e/ou a comportamentos de rebelião ocasionados pelas punições engendradas pelo sistema penitenciário com mais punição. O resultado não poderia ter sido outro: uma grande chacina. Resolver situações geradas por punição com mais punição geralmente se tem como resultado um quadro bastante “caótico”.


A questão que se coloca é que o objetivo que sustenta (motiva) a construção das prisões jamais será atingido: colocar um fim no comportamento delituoso através da punição. Está provado que punição não extingue o comportamento punido, somente o suprime temporiamente, mas ao mesmo tempo gera resultados que podem ser desastrosos tanto para os indivíduos separadamente, quanto para toda a sociedade. Utilizamos a punição porque ela aparentemente parece funcionar. Seus efeitos são imediatos. Assim que usada o comportamento punido parece declinar. Mas as aparências enganam. Comportamento punido declina temporariamente por causa dos efeitos de supressão da punição. Uma vez cessada a punição o comportamento volta a ocorrer.


Mas a análise precisa ir mais longe. Vivemos num mundo das coisas fáceis, ou que aparentemente são fáceis. A mídia promete ascensão social imediata, desde que se trabalhe, desde que se lute com unhas e dentes etc. No entanto, não há trabalho para todos, e nem nunca haverá, pois num sistema capitalista o exército de reserva (a massa de excluídos do mercado de trabalho) constitui-se enquanto estratégia utilizada pelo capitalista para exercer pressão sobre o trabalhador. Ele diz: “não quer trabalhar, há quem queira”. Não encontrando ascensão muitos tentam adquirir o prometido pela mídia através de delitos: furtos, roubos, tráfico etc. Não se trata de uma generalização em que os motivos dos crimes se reduzam a tentativa de obtenção de ascensão social ou de construção de meios de sobrevivência. Mas tal hipótese não pode ser descartada dada sua importância. Trata-se aqui de uma tentativa de pensar o crime a partir dos contextos sociais em que ocorre, algo que não é estranho ao Behaviorismo Radical, pois de acordo com esta perspectiva todo comportamento é determinado pelo ambiente, inclusive e principalmente pelos ambientes sociais.

Talvez a diminuição da criminalidade passe pela construção de uma sociedade que pense em sua própria sobrevivência e que pense também no bem-estar de seus membros, sobretudo, no bem-estar social de seus membros, pois é bem verdade que vivemos numa sociedade de mal-estar social, numa sociedade que constrói presídios e equipa as polícias com aparatos tecnológicos para lidar com os produtos que ela mesmo gera, e um destes produtos é a criminalidade. Mas punir a criminalidade fará com que ela desapareça ou mesmo reduza significativamente? Fica a pergunta.

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domingo, 15 de abril de 2012

Jovem "puxa gato" e morre eletrocutado: reflexões sobre o jeitinho brasileiro

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Neste domingo 15 de abril de 2012 um jovem de 14 anos morreu eletrocutado depois de tentar “puxar um gato” da rede elétrica em Esmeraldas, cidade situada na região metropolitana de Belo Horizonte. Clique aqui para ver reportagem. Certamente o que o jovem estava fazendo é um crime. Não sei nada sobre direito, mas imagino que deve existir algum tipo de punição para estes casos, principalmente porque a parte lesada seria a poderosa CEMIG.


Cabe uma análise da situação? Sim, certamente. Tentemos imaginar porque um jovem de 14 anos estava roubando energia da rede elétrica. Poderíamos levantar várias hipóteses. Uma hipótese plausível é o famoso “jeitinho brasileiro”. Brasileiro tem um jeito para todo tipo de situação. Este é um comportamento que é parte da cultura do nosso país. Ser brasileiro quase que virou sinônimo de fazer de tudo para dar jeito em qualquer tipo de situação. Ser brasileiro é praticamente sinônimo de tirar alguma vantagem em cima dos outros.

E a mídia reforça bastante este tipo de comportamento chamando-nos de guerreiros para que compremos cerveja, para que nos sintamos mobilizados a deixar em dia nosso título de eleitor, blá, blá, blá etc e tal. Fico aqui pensando com os meus botões se os maiores interessados neste padrão comportamental não são nossos políticos corruptos. Se tudo pode ser feito para tirar vantagem, não há problema algum em desviar alguns milhões de recursos públicos para a própria conta em paraísos fiscais.

Talvez queiram banalizar a cultura do “jeitinho brasileiro” para que tudo que se faça seja aceitável, inclusive o desvio de alguns milhões de recursos públicos que quando desviados deixam de serem investidos na saúde, educação, lazer, pesquisas científicas etc. Uma vez que acreditemos que é normal tirar vantagem em cima do outro, passamos a aceitar quase qualquer tipo de situação sem muita indignação. Assim criam-se contingências que diminuem a probabilidade de comportamentos de contracontrole, fazendo com que sejamos bons cordeirinhos e não nos rebelemos contra o cabresto que nos é imposto.

Tomando a cultura do “jeitinho brasileiro” como normal, deixamos inclusive de nos rebelarmos contra uma CEMIG que tem a tarifa de energia mais cara do país. Aceitamos sem muita rebeldia as tarifas que nos são impostas. Os que não aceitam tentam “puxar um gato” arriscando a própria vida. Então outra hipótese plausível para o comportamento de “puxar um gato” é que este é uma forma de contracontrole, de roubar de quem rouba primeiro, neste caso quem rouba primeiro é a concessionária de energia, que recebe todo o respaldo do governo do estado para nos assaltar com suas tarifas exorbitantes. Mas este é um comportamento de contracontrole -  comportamento que tenta eliminar uma fonte de estimulação aversiva - pouco efetivo, pois, além de colocar a vida em risco pode ser enquadrado como crime. Além do mais não contribui para a mudança das contingências de reforço, de modo que possam ocorrer alterações na legislação, alterações que poderiam modificar a tarifação de energia e outros serviços públicos.

Fica a pergunta: ao acreditarmos na “normalidade” do “jeitinho brasileiro” quem acaba saindo perdendo?

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sexta-feira, 13 de abril de 2012

Amizades fazem bem para a saúde

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Um estudo que vem sendo conduzido por cientistas da Universidade de Harvard nos EUA desde 1937, tem demonstrado que a amizade é algo extremamente importante para se ter qualidade de vida. De acordo com o estudo ter laços fortes de amizade pode aumentar a vida em até 10 anos e prevenir uma série de doenças, isso porque os laços de amizade contribuem para a produção de um hormônio chamado ocitocina. Este hormônio tem efeito contrário ao efeito provocado pela adrenalina. Enquanto a adrenalina aumenta os níveis de estresse do organismo, a ocitocina diminui os batimentos cardíacos e a pressão arterial, diminuindo, assim, a probabilidade de ocorrência de derrames e problemas cardíacos. Clique aqui para acessar a reportagem sobre o estudo.

O estudo demonstra algo muito importante: o tipo de relação que estabelecemos com o mundo ao nosso entorno é determinante para a saúde do nosso organismo. Em outras palavras, o que fazemos afeta a forma como nosso organismo funciona, estimulando certas funções e inibindo outras. Este achado é importante tanto de um ponto de vista médico, quanto de um ponto de vista comportamental, pois demonstra que nossos comportamentos afetam a nossa vida. Somos produtos das interações que estabelecemos com o mundo, seja de um ponto de vista médico ou de um ponto de vista comportamental, e esta interação, este intercâmbio é estabelecido através dos nossos comportamentos.


Portanto, entender o comportamento e suas leis é fundamental para a construção de uma vida mais saudável. Imaginemos uma pessoa com um déficit de habilidades sociais, ou seja, uma pessoa que não tem em seu repertório comportamentos que permitam estabelecer relações com outras pessoas. Esta pessoa pode sofrer por não conseguir interagir, como pode também está susceptível, de acordo, com o estudo citado ao desenvolvimento de certas doenças. O que pode ser feito por ela? Pode se programar contingências de reforço que possibilitem a expansão do seu repertório de habilidades sociais. Lógico que tal programação precisa estar fundamentada numa boa análise funcional do repertório de comportamentos da pessoa de nosso exemplo hipotético.

O que mais o estudo demonstra? Ele deixa claro como contingências de reforçamento positivo podem não somente modelar comportamentos de interação social, comportamentos que possibilitem interações de maior qualidade, como podem melhorar a saúde do organismo estimulando a produção de certas substâncias como a ocitocina. Isso demonstra como as contingências de reforço modificam não somente o comportamento. Elas também modificam o organismo.

A dica é expandirmos nossa rede de contatos sociais. Expandindo nossa rede de contatos sociais aumentamos a probabilidade de nos expormos com mais frequência a contingências de reforçamento positivo. Estas contingências aumentarão nossos padrões de qualidade de vida, e nosso organismo agradece por isso.

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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Desinstitucionalização do “doente mental”: algumas reflexões a partir do Behaviorismo Radical

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Desinstitucionalização do “doente mental” é um tema que vem sendo amplamente debatido na sociedade brasileira desde o final da década de 1970. O fim desta década foi marcante para que o movimento de substituição dos tratamentos manicomiais por outros modelos de tratamento ganhasse força. Isso aconteceu principalmente por causa da visita do psiquiatra italiano Franco Basaglia ao Brasil no ano de 1979. Neste ano Basaglia visitou o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil na época, hospital situado na cidade mineira de Barbacena.

                                                       Franco Basaglia

Entre os mineiros é comum dizer que todo “doido” vem de Barbacena. Barbacena recebeu esta fama por causa das atrocidades que foram cometidas no Centro Hospitalar Psiquiátrico visitado por Basaglia. Além deste centro Barbacena tem também um hospital psiquiátrico judiciário, vulgo manicômio judiciário. Durante décadas o tratamento dispensado aos pacientes internados no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena foi o mais desumano possível. Veja fotos abaixo:







Somente depois da visita de Basaglia e de uma série de reportagens feitas pelo repórter Hiram Firmino, para o Jornal Estado de Minas em 1980, que a situação começou a mudar. Até então o Centro Hospitalar era um depósito de “loucos”, tanto que as reportagens de Hiram Firmino se transformaram num documentário que recebeu o título de “Nos Porões da Loucura”. Porões é um termo bastante sugestivo, pois lembra um lugar escuro, geralmente úmido e mofado. Esta era a realidade do Centro Hospitalar naquele momento histórico, ou seja, era um lugar muito semelhante ou pior do que um porão.

Não restam dúvidas que a visita de Basaglia e a investigação de Firmino exerceram contracontrole sobre o modelo de tratamento manicomial adotado até então em Barbacena e em todo Brasil. Contracontrole são aqueles comportamentos que agem sobre certa fonte de estimulação aversiva tentando eliminá-la. Por exemplo, o sindicato que organiza uma manifestação para reivindicar aumento salarial exerce contracontrole sobre os patrões, pois está tentando eliminar a fonte de estimulação aversiva proporcionada pelos baixos salários, pelas condições de trabalho sub-humanas e pela ausência de valorização profissional. Comportamentos de contracontrole são mantidos por reforçamento negativo, pois são reforçados pela remoção da fonte de estimulação aversiva.

Voltemos a Basaglia e Firmino. A visita do pai da Reforma Psiquiátrica ao Brasil e o documentário de Firmino expuseram na mídia a degradante situação dos hospitais psiquiátricos brasileiros, colocando, sobretudo, em xeque a eficácia dos tratamentos baseados num modelo hospitalocêntrico e manicomial. Hospitalocêntrico porque toma os hospitais como a instituição central no tratamento de pessoas portadoras de sofrimento “mental” e manicomial porque adota como estratégia a internação antes de considerar outras possibilidades de tratamento.

A exposição na mídia deixou os governantes em uma saia justa. Alguma coisa precisava ser feita. Somado a tudo isso, o país no início da década de 1980 vivia o processo de redemocratização, e em meio a esse processo lutava-se pela construção de um Estado Bem-Estar Social que oferecesse saúde, educação e outros serviços públicos de qualidade à população. Então os movimentos sociais que encabeçaram a luta pela redemocratização e pela construção de um Estado de Bem-Estar Social também tiveram um papel importantíssimo, pois intensificaram o contracontrole exercido sobre o Estado brasileiro. É sabido que o resultado de toda esta luta foi a Constituição de 1988, conhecida como a constituição cidadã, uma vez que ela reconhece muitos direitos dos cidadãos que até então não eram reconhecidos, obrigando, desta forma, o Estado a oferecer as condições para que estes direitos fossem cumpridos. Entres estes direitos estavam o acesso a saúde pública, inclusive o acesso a políticas públicas de saúde mental.

                                                  Movimento "Diretas Já"

Então a reforma do modelo de assistência psiquiátrica brasileiro é produto de muito contracontrole, contracontrole que criou as condições necessárias para que o panorama da assistência aos “portadores de sofrimento mental” se modificasse, como também criou as condições para a promulgação da constituição de 1988. Outras mudanças foram alcançadas por este contracontrole, mas estas não vêm ao caso no momento. O que importa é compreender que boa dose de contracontrole foi necessário para que muitas coisas se modificassem.


Fato é que muita coisa se modificou na assistência prestada aos “portadores de sofrimento mental”. Importante ressaltar quais foram e continuam sendo os pilares que sustentaram e sustentam estas mudanças. Muitos avanços foram conseguidos graças a estes pilares, mas por outro lado eles impõem sobre a assistência em saúde mental limitações que impedem que estas mudanças sejam ainda mais profundas.

O trabalho de Basaglia foi um destes pilares. Franco Basaglia é o criador da reforma psiquiátrica, movimento que lutou durante a década de 1960 na Itália pelo fim dos manicômios, propondo como meio para tratamento dos “portadores de sofrimento mental” os centros comunitários em saúde mental. A principal bandeira do movimento reformista iniciado por Basaglia é a extinção do tratamento manicomial, pois este promovia a institucionalização do paciente. Por institucionalização se entende o processo pelo qual os internos dos manicômios se tornam dependentes das instituições em que estão internados, o que ocasiona o rompimento dos vínculos familiares e sociais, fazendo que estes internos percam a capacidade de dirigirem suas próprias vidas, ou seja, fazendo com que eles se tornem uma espécie de extensão destas instituições. A crítica ao manicômio e ao modelo de tratamento por ele proposto, é que o paciente é transformado em uma espécie de autômato, impedindo-o de construir uma vida mais saudável.

Os centros comunitários em saúde mental foi a alternativa proposta. São centros inseridos na comunidade de onde vem o “doente”, o que possibilita a manutenção dos vínculos familiares e sociais (comunitários), impedindo desta forma a institucionalização. Evitam-se as internações, e elas ocorrem somente quando for realmente necessário e se possível em leitos de hospitais gerais. Apregoa-se a necessidade de continuar mantendo o “doente” no seio de sua família. Os CAPS (Centros de Assistência Psicossocial) são inspirados neste modelo de tratamento proposto pelos centros comunitários em saúde mental.


A crítica do movimento reformista ao modelo hospitalocêntrico manicomial tem forte inspiração na obra de Foucault. Como se sabe Foucault dedicou boa parte de sua obra ao estudo dos sentidos atribuídos à “loucura” ao longo da modernidade, ou seja, ao longo do período que vai desde o final da idade média até o nascimento da psiquiatria no séc. XIX. Foucault é então o outro pilar do movimento reformista.

Foucault dedica especial atenção às instituições asilares, às instituições que foram utilizadas para promoverem a exclusão social durante toda a modernidade. Uma destas instituições é o manicômio. O manicômio foi criado para promover uma espécie de higienização urbana, para limpar as cidades daqueles que geravam algum tipo de incômodo, e entre estes estavam os “lunáticos”. A princípio não foram criados com o intuito de tratarem os “loucos”, mas apenas de exclui-los do convívio social. Mais tarde a psiquiatria ao longo do séc. XIX quando do seu nascimento, acaba por transformar o manicômio em seu laboratório.

                                                        Michel Foucault

Se antes do nascimento da psiquiatria o “louco” foi preso dentro do manicômio para que fosse promovida uma higienização urbana, após o nascimento desta especialização médica ele continua preso, mas agora para ser tratado. A psiquiatria confere ao trancamento do “louco” um status “científico”. Mas, ainda, assim, o “louco” continua trancafiado. Continua operando a lógica do trancamento do “louco”, e associada a esta lógica está a ideia da periculosidade. A ideia da periculosidade foi sendo gestada ao longo de toda a modernidade, e continua se fazendo presente mesmo depois do nascimento da psiquiatria. A psiquiatria moderna, de acordo com Foucault, é herdeira de todas as práticas sociais relacionadas à “loucura” ao longo da modernidade, e continua repetindo na essência os mesmos rituais de exclusão, mas a exclusão promovida pela psiquiatria do séc. XIX se faz em nome da ciência.

                                                         "Louco" perigoso?

Este modelo de tratamento persistiu até meados do séc. XX quando estourou a reforma psiquiátrica na Itália. Em outros lugares do mundo também surgiram outras propostas de reformas, mas um dos modelos que mais se popularizou foi o italiano, modelo que tem forte inspiração foucaultiana. E baseado na crítica de Foucault às instituições asilares, instituições que tiveram uma função higienista, a reforma de Basaglia, que serviu de modelo à reforma brasileira, acaba por questionar o modelo manicomial, propondo como alternativa centros descentralizados inseridos na comunidade de origem do “portador de sofrimento mental”, mantendo-o desta forma próximo às suas raízes, o que contribui para preservar os laços familiares e sociais, evitando, assim, a institucionalização. Trata-se de um modelo de tratamento que busca a desinstitucionalização. Ao se alcançar a desinstitucionalização, espera-se romper com todos os estigmas que rondam a “loucura”.

A ideia é muito simples. Inserindo de volta na família e sociedade o “doente”, todos perceberão que este pode viver em sociedade enquanto se trata, e que, sobretudo, ele não é perigoso. Desta forma, rompe-se com o estigma da periculosidade e todos os outros estigmas associados a este. No entanto, há uma radicalização do ideal anti-manicomial que sustenta o movimento reformista brasileiro, movimento de inspiração basagliana. Leva-se ao extremo a ideia da extinção dos leitos psiquiátricos e hospitais psiquiátricos públicos.

Há casos em que as internações são extremamente necessárias, e que precisam ser feitas em instituições psiquiátricas, pois estas são as instituições preparadas para este fim. Há casos que a internação quando feita em leitos de hospitais gerais acaba acarretando em transtornos para tais instituições, pois elas não estão preparadas para esse fim, e muitas delas não contam nem mesmo com alas psiquiátricas para prestarem um atendimento mais especializado.

Extinguir os leitos psiquiátricos é uma temeridade. É aqui que o Behaviorismo Radical pode dar sua contribuição. O Behaviorismo Radical nos oferece a análise funcional do comportamento, instrumento de análise extremamente importante, capaz de nos dar embasamento para decidirmos que casos precisam ou não de internação. É necessário criar instituições psiquiátricas com uma estrutura preparada para promover a análise funcional de cada caso.

Esta estrutura precisa se fazer presente tanto em hospitais psiquiátricos públicos, quanto nos serviços substitutivos como o CAPS. Ou seja, precisa se fazer presente em todos os níveis de complexidade da assistência aos “portadores de sofrimento mental”. Precisamos de instituições assistenciais em saúde mental que sejam funcionais, que estejam preparadas para discernirem em que casos é necessária a internação e em que casos ela não precisa acontecer. O “mal” que precisa ser atacado é o modelo manicomial, mas isso não precisa implicar em extinção dos hospitais psiquiátricos. Se os hospitais psiquiátricos estiverem equipados para serem funcionais e para promoverem a análise funcional de cada caso, eles não precisam ser extintos, pois há casos em que eles são extremamente necessários. Há casos em que o tratamento é inviável sem que exista uma estrutura especializada encontrada somente nos hospitais psiquiátricos. O que deve ser revertida é a lógica manicomial, o que não implica em extinção dos hospitais psiquiátricos públicos ou em diminuição radical de leitos nos mesmos.

                                                       Lógica Manicomial

Análise funcional é o que as instituições psiquiátricas precisam para funcionarem bem, para promoverem a desinstitucionalização do “doente mental”. Levada a cabo com todo o seu suporte teórico, a análise funcional coloca em xeque ainda a concepção de “doença mental”, pois nos faz entender que todo comportamento por mais estranho que possa parecer, é comportamento modelado pelas contingências de reforço. E embora muitos quadros como a esquizofrenia não sejam completamente entendíveis, ou seja, não tenham suas causas devidamente elucidadas, ainda, assim, é possível empreender uma análise funcional dos comportamentos comuns a estes quadros. No caso da esquizofrenia, por exemplo, pode se analisar funcionalmente comportamentos como delírios e alucinações, e a partir de uma boa análise funcional se programar a modelagem destes comportamentos, de modo que eles não produzam grandes interferências na vida social do sujeito.

Se é possível modelar alucinações e delírios a partir da realização de uma boa análise funcional, por que não proceder desta maneira? Mas muitos se opõem a este tipo de intervenção por considerarem que ela age sobre “sintomas”. Mais tarde o sintoma seria substituído por outro, conforme advogam os defensores das abordagens psicodinâmicas. Se o sintoma é o problema, por que não eliminá-lo? No entanto, o Behaviorismo Radical não trabalha com esta distinção entre sintoma e doença. Sintoma é comportamento, e é ele que precisa ser mudado. No fim das contas não há sintomas, pois não há doenças, mas sim comportamentos que precisam ser modificados a partir da alteração das contingências de reforço, comportamentos que produzem desconfortos e tais desconfortos serão eliminados quando os comportamentos forem alterados.


A verdadeira desinstitucionalização passa pelo questionamento do conceito de “doença mental”. Há doença mental? De um ponto de vista behaviorista radical não há doença mental, mas sim comportamentos selecionados e mantidos por certas contingências de reforço. Por isso ao longo do texto termos como “doença mental” e outros foram colocados entre aspas, pois estes não fazem sentido se entendermos que não existe doença, mas sim comportamentos a serem modificados. A verdadeira desinstitucionalização passa por uma mudança na forma de se pensar o tratamento dispensado às pessoas, que apresentam determinados quadros psiquiátricos, quadros que precisam de cuidados mais especializados. Ao invés de se pensar o tratamento a partir da dicotomia saúde versus doença, por que não pensá-lo em termos de contingências de reforço? Pensando assim não há porque falar em doença, o que acaba removendo um obstáculo, pois não sendo mais um doente o portador de certos quadros psiquiátricos não precisará mais ser temido, ficando seu tratamento condicionado a realização de uma boa análise funcional, análise que indicará a condução mais adequada ao caso, apontando inclusive em que nível de complexidade da rede de assistência em saúde ele deverá ser atendido (CAPS, Hospitais etc).

Criar serviços substitutivos como CAPS é uma boa alternativa. Mas não precisamos ficar atacando moinhos como Dom Quixote, ou seja, se a criação de serviços substitutivos é um avanço, pois aproxima o “doente” de suas origens e o insere na sociedade, por outro lado a vigência deste modelo não implica em um completo fim dos Hospitais Psiquiátricos Públicos ou numa redução drástica de leitos psiquiátricos. Extinguir os leitos e hospitais é atacar o problema errado, ou seja, é lutar contra moinhos. O problema é de outra ordem: a reversão da lógica manicomial que interna sem critérios. Da mesma forma que internar sem critérios é extremamente prejudicial, deixar de internar casos em que a internação se faz necessária também o é.


A demonização do hospital psiquiátrico em nada contribui para a reversão da lógica manicomial, pois esta pode continuar operando dentro dos serviços substitutivos, bastando para isso que se amarre o sujeito quimicamente e não necessariamente com uma camisa de força, impedido assim, a realização de um efetivo trabalho de modificação das contingências responsáveis pelos comportamentos que ocasionam todo o sofrimento. Promover o tratamento baseado num modelo assistencial dicotomizado entre saúde e doença, é correr o risco de deixar de olhar para as contingências que mantêm os comportamentos que produzem sofrimento.

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segunda-feira, 9 de abril de 2012

Casal emagrece junto: refletindo sobre contingências de reforçamento positivo

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Olhem a chamada de uma reportagem que encontrei na internet: “Casal engordou junto porque costumava abusar de comidas calóricas. Ela já eliminou mais de 30 kg, e os dois agora se exercitam juntos.” Clique aqui para ler a reportagem na íntegra. Em resumo, uma jovem precisava emagrecer, e para incentivá-la o namorado resolveu mudar junto com ela seus hábitos alimentares.

Ambos mudaram seus hábitos alimentares e começarem a se exercitarem, atingindo desta forma o objetivo que se proporam: o emagrecimento. Este é um caso que demonstra perfeitamente que comportamento é relação, não porque o casal emagreceu junto, mas porque alterações no ambiente, nas contingências de reforço produziram mudanças nos comportamentos alimentares do casal, e estas mudanças levaram ao emagrecimento.


A primeira mudança significativa foi a de conseguir um fator motivador para o emagrecimento da namorada. Para isso o namorado se propôs fazer junto com ela exercícios e mudanças na forma de comer. Este comportamento do namorado sinalizou: “estou junto com você nesta empreitada”. Trata-se de um estímulo discriminativo sinalizando a possibilidade de reforçamento positivo.


O comportamento do namorado criou uma contingência que favoreceu a motivação para emagrecer por parte da namorada. Certamente a cada quilo perdido o namorado consequenciava os comportamentos de continuar buscando o emagrecimento da namorada com reforço positivo. Por outro lado, a cada quilo que ele perdia a namorada podia ver que a mudança estava surtindo efeito. Ela via os efeitos da mudança em si e no namorado. Vejam o poder das contingências de refoçamento  positivo quando o reforço é utilizado para reforçar os comportamentos corretos.

O reforço também pode ser utilizado para consequenciar (seguir) comportamentos cujos resultados podem trazer malefícios à saúde. Basta olhar a vida deles antes do propósito da mudança. A comida era um reforçador positivo que fortalecia hábitos alimentares bastante inadequados. Eis uma prova de que reforço positivo nem sempre produz resultados assim tão positivos.

O problema superado por este casal é um problema enfrentado por muitas pessoas no mundo: a obesidade. Na pré-história da humanidade o “comer” era uma questão de sobrevivência, por isso trazemos em nós a susceptibilidade para termos muitos de nossos comportamentos reforçados com comida. Comida é um reforçador incondicionado em potencial. A questão é que o mundo mudou, e não temos que sair para caçar. Agora a comida está acessível, pode ser adquirida com muita facilidade, e isso é uma grande tentação, ou seja, isso cria contingências de reforço que aumentam a probabilidade dos comportamentos de comer.


Na pré-história o Homem comia muito, mas por outro lado queimava todo o excesso calórico na caça, nos cuidados da prole, no êxodo entre uma região e outra em busca de comida e proteção etc. O homem moderno tem comida em fartura, e não precisa mais sair de um lugar para o outro buscando proteção e alimentos. Os reforços positivos estão nas prateleiras, são noticiados nos meios de comunicação, e por isso a obesidade se tornou um grande problema. O Homem continua comendo muito, pois comer é altamente reforçador, no entanto, não queima os excessos calóricos, uma vez que sua vida é bastante sedentária. O resultado disso é obesidade, diabetes, enfartos etc.


Trata-se de contingências-armadilhas: contingências imediatas que provêm reforçamento imediato versus contingências postergadas que sinalizam com possibilidade de controle aversivo. O resultado é que as contingências imediatas geralmente se sobrepõem sobre as contingências postergadas, e quem perde com isso somos nós, e possivelmente toda a humanidade, pois se nada for feito estaremos deixando para as próximas gerações um péssimo legado. Tratei destas contingências no post que fala sobre o hábito de fumar. Clique aqui para ir para o post mencionado.

Parabéns ao casal, pois souberam modificar as contingências responsáveis por seus comportamentos alimentares! Fica aí o exemplo para que possamos fazer o mesmo... Aff, mas nem pensemos que vai ser fácil, pois na verdade não será. Até que antigos hábitos alimentares entrem em extinção uma dose de sofrimento certamente ocorrerá. A dica é investir em outros lazeres que não sejam somente o comer, pois substituímos um comportamento por outro e nossa saúde agradece.

E quem viu as fotos acima tem que concordar que valeu a pena as mudanças conseguidas pelo casal... Rs!!!



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terça-feira, 3 de abril de 2012

Rede Globo: manipulando contingências como ninguém!

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Neste domingo (01/04/2012) foi ao ar pelo Domingão do Faustão mais uma edição do evento “Melhores do Ano”. O evento funciona assim: funcionários da Globo e filiais indicam os melhores artistas em diversas categorias (melhor atriz, melhor ator, ator revelação etc). Os três mais indicados vão para votação pela internet e telefone. Aqui surge a primeira dúvida: prevalece o resultado da votação pela internet e telefone? Com relação a isso a dúvida vai continuar pairando no ar junto com as ondas da Rede Globo.


Mas não restam dúvidas sobre outras questões que passam despercebidas e que não deveriam passar. Primeira e mais importante de todas: a Globo manipula contingências de reforço como ninguém. Provarei isso para vocês! Não é estranho o fato dos artistas indicados aos prêmios serem todos Globais? Esta regra não transparece para o telespectador diretamente, mas certamente deve existir entre os bastidores, ou seja, com toda certeza funcionários só podem votar e indicar os Globais. Não é como no “Troféu Imprensa” do SBT, evento que costuma premiar artistas de outras emissoras concorrentes. Não se trata de uma defesa do empresário Sílvio Santos, até porque não estou ganhando nada com isso, nem um centavo sequer. Foi somente uma comparação.

O telespectador que não é bobo, ou é, não sei exatamente dizer se é ou não, deve imaginar que a regra é: “vote nos Globais”. O que a Globo quer com isso? Ela quer premiar seus melhores artistas? Logicamente que ela quer premiá-los, mas existem outros interesses por trás desta premiação. Premiando-os cria-se uma contingência de reforçamento positivo. Assim são reforçados todos aqueles comportamentos relacionados ao desempenho destes artistas em cada uma de suas áreas de trabalho, seja telenovela, telejornalismo etc. São reforçados também os comportamentos de acreditarem que estão trabalhando na melhor emissora, que estão bem empregados, e desta forma são induzidos a defenderem a imagem do lugar onde trabalham, ou seja, eles se transformam nos melhores garotos e garotas propaganda da Rede Globo.


Quem embarca nessa propaganda feita pelos artistas premiados? Já conseguiram advinhar? Ah, essa não é uma reposta muito difícil. Vamos lá, te darei mais um tempo para pensar. Pensou? Provavelmente você chegou a seguinte resposta: quem embarca nesta propaganda são os telespectadores. Bingo!!! Você merece um prêmio caro leitor. É isso mesmo!!! Nós é que embarcamos nessa propaganda que tenta criar uma imagem positiva a respeito desta emissora, emissora que manipula contingências de reforço para nos fazer acreditar que ela é a melhor. E se acreditamos que ela é a melhor, ficamos a um passo de acreditar que ela nos fala a verdade. Se acreditamos que ela é a fonte da verdade nos tornamos iscas fáceis, somos manipulados com muita facilidade.


Qual é a contingência de reforço utilizada para criar essa imagem positiva? Uma contingência de reforçamento positivo. Reforçando positivamente o comportamento de seus artistas a emissora associa reforço positivo à sua marca. Se isso acontece passamos a entender esta marca como estímulo discriminativo que sinaliza a possibilidade de reforçamento positivo. Se assim procedermos muito provavelmente manteremos nossos televisores ligados na Globo durante boa parte do dia. Isso gera Ibope e mantém a emissora no seu lugar de hegemonia, e do alto do seu lugar hegemônico ela continuará manipulando contingências de reforço para controlar o comportamento de seus telespectadores.

Não se engane, a Globo não tem o melhor a te oferecer. Há bons canais abertos na TV que nos oferecem excelentes programações, programações capazes de nos possibilitarem construirmos conhecimentos que podem tornar nossas vidas muito mais úteis.


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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Jogos de Azar: uma breve reflexão sobre os esquemas de reforçamento

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Neste domingo (01/04/2012) o Fantástico exibiu uma reportagem sobre bingos clandestinos na cidade de São Paulo. A reportagem é no mínimo interessante, pois nos coloca diante uma questão que merece reflexão: por que mesmo perdendo, ou ganhando muito pouco ou quase nada, as pessoas continuam apostando o que têm ou o que não têm em máquinas caça-níqueis e/ou em jogos de azar? Pode-se creditar à sorte ou ao azar o comportamento de continuar apostando mesmo quando não se ganha nada ou se ganha muito pouco? Abaixo segue o vídeo da reportagem:


O que chama atenção na reportagem é o caso de uma apostadora que gastou 2 milhões de reais e ficou com uma dívida que gira em torno de 600 mil reais. Esta pessoa não poderia ter parado de jogar antes de contrair uma dívida tão vultosa? Será que ela não percebeu que estava perdendo mais do que ganhava? Sim, ela percebeu, mas quando percebeu já era tarde demais. Quando percebeu já havia contraído uma dívida de 600 mil reais. 

Seria muito simplista creditar à sorte ou ao azar o fato desta pessoa ter adquirido uma dívida tão alta. Também não se trata de nenhuma doença que leva à compulsão de jogar. Nem muito menos tem relação com sistemas de recompensa cerebrais que produzem sensações de prazer quando ativados. O que está em jogo é o esquema de reforçamento que opera nas máquinas caça-níqueis.

Mas antes tratemos de esclarecer o que é um esquema de reforçamento. Seria melhor transpor o conceito para o plural e falar de esquemas de reforçamento. Já sabemos o que é reforçamento, pois este é um conceito que já foi explorado em outros posts. Reforçamento diz respeito ao processo através do qual certos comportamentos são fortalecidos pelas consequências que o seguem. Estes comportamentos são chamados operantes. Ver post sobre Condicionamento Operante (clique aqui).

As consequências que seguem o comportamento podem ocorrer de diferentes maneiras:
(1) Podem seguir o comportamento todas as vezes que ocorrer.
(2) Podem seguir o comportamento depois de decorrido um tempo.
(3) Podem seguir o comportamento depois que for emitido uma quantidade de vezes.

Esquemas de reforçamento dizem respeito as formas de ocorrência das consequências, ou seja, de apresentação dos reforços. No caso (1) temos o que é chamado de esquema de reforçamento regular. Regular porque todas as vezes que o comportamento ocorrer ele será reforçado. Todas as vezes que olharmos para o nosso relógio de pulso iremos ver as horas, imaginando é claro que o relógio esteja funcionando e não precise trocar a bateria.

Comportamento reforçado regularmente tem uma frequência de emissão regular. No entanto, é menos resistente à extinção. Ou seja, se suspendido o reforço o comportamento entrará em extinção mais rapidamente que outros comportamentos reforçados de acordo com outros esquemas. Isso equivale a dizer que uma pessoa que teve uma história em que certos comportamentos foram reforçados regularmente, provavelmente será menos resistente à frustração. Quando os reforços são suspensos esta pessoa tem maior probabilidade de agir com agressividade, com ataques de nervosismo, ansiedade, angústia etc.


Se todas as vezes que olhamos para o relógio ele está funcionando, e se voltarmos a olhar ora ele funciona e ora ele não funciona, talvez possamos sacudi-lo para funcionar, se isso não der certo podemos talvez bater nele levemente, se as batidas leves não derem resultado algum podemos bater um pouco mais forte, e se ainda sim não der certo e não houver a possibilidade de trocar imediatamente a bateria provavelmente começaremos a xingar. A suspensão do reforço produziu uma operação de frustração, esta cria a ocasião para o comportamento de xingar.  Logo o comportamento de olhar para o relógio irá se extinguir, e certamente iremos tirá-lo do braço e o guardaremos em alguma gaveta até que tenhamos a oportunidade de trocar a bateria. Portanto, esquemas de reforçamento regular produzem comportamentos menos resistentes à extinção e pessoas menos resistentes às frustrações.

Nos casos (2) e (3) temos o que são chamados de esquemas de reforçamento intermitente. Isso quer dizer que o comportamento não é reforçado todas as vezes que ocorre, ou seja, é reforçado intermitentemente. No caso (2) temos os esquemas conhecidos como esquemas de intervalo. Estes se dividem em dois tipos: esquemas de intervalo fixo e esquemas de intervalo variável. A característica dos esquemas de intervalo é que o reforço segue o comportamento somente depois que decorrer um determinado intervalo de tempo.

No esquema de intervalo fixo o reforço segue o comportamento depois de um tempo fixo. Na nossa cultura os dias de descanso são semanais, aos sábados e domingos, ou seja, o reforço “descanso” ocorre de modo fixo, em intervalos semanais. Neste tipo de esquema o organismo que se comporta é mais produtivo quando se está aproximando o tempo em que o reforço será liberado. Sentimo-nos mais empolgados quando estamos próximos do fim de semana e talvez até nos tornemos mais produtivos. Geralmente depois que se recebe o reforço o organismo entre em inatividade, e sua atividade vai aumentando novamente quando se aproxima o tempo para a liberação do reforço. Por isso se tem tanta dificuldade para se trabalhar na segunda-feira, pois tendo recebido o reforço no sábado e domingo, apresentamos pouca disposição para agir no início da semana. Nossa disposição vai aumentando quando vai aproximando a sexta-feira, e isso se vê claramente nas postagens do facebook para quem logicamente usa esse tipo de rede social. Geralmente se vê as pessoas postando: “sexta-feira minha linda, finalmente você chegou!”.


No esquema de intervalo variável o reforço segue o comportamento depois de um tempo que é variável. A vantagem é que ele contorna o problema do intervalo fixo que gera inatividade logo após a apresentação do reforço, pois a primeira resposta depois do estímulo reforçador tem probabilidade de ser reforçada, e isso mantem o organismo que se comporta mais ativo. O comportamento mantido sob este esquema é geralmente mais estável e produtivo. Nunca se “sabe” ao certo quando o reforço virá, por isso o organismo se mantém ativo. O pescador que passa horas sem pegar nada e que de vez em quando apenas sente algumas pequenas puxadas em sua vara de pescar, é o exemplo de como reforço em intervalo variável pode gerar comportamento estável e resistente à extinção. O pescador fica horas pescando a despeito da quantidade de peixes que pega, e ainda sim não perde a paciência com facilidade. Seu comportamento é mantido por reforçamento em intervalo variável, pois pode variar o tempo em que fisgadas e puxões na vara são apresentados. Como o esquema em intervalo fixo este esquema também produz comportamento resistente à extinção. Aliás, esta é uma características dos esquemas de reforçamento intermitente, todos produzem de alguma maneira comportamento resistente à extinção.


No caso (3) temos os esquemas de razão, que são de dois tipos: razão fixa e razão variável. A característica destes esquemas é que o reforço é apresentado depois que determinado comportamento ocorrer uma quantidade de vezes. Na razão fixa uma quantidade fixa de ocorrências do comportamento é determinante para a apresentação do reforço. O pagamento por peça produzida em indústrias ilustra este tipo de esquema. Paga-se uma quantidade monetária a cada tanto de peças que são produzidas. Este esquema gera comportamentos muito resistentes à extinção, comportamentos que ocorrem em taxas elevadas de frequência. Pode-se elevar a taxa de frequência de determinado comportamento sem se alterar a quantidade de reforços. Na indústria, por exemplo, o trabalhador começa ganhando um determinado valor por um número de peças produzidas. O empregador pode aumentar a quantidade de peças sem alterar significativamente o valor monetário recebido por unidade de produção, o que aumenta a produtividade sem aumentar de modo significativo os custos, e como consequência se tem um aumento nas margens de lucro. Logicamente que o modo de usar este de tipo de esquema precisa ser bem pensado, pois ele pode gerar “esgotamento” no organismo que se comporta, uma vez que se pode aumentar demais a quantidade de ocorrências do comportamento sem se alterar significativamente a quantidade de reforços, o que provoca uma atividade intensa, mas que por outro lado acaba provocando também uma grande quantidade de “estresse”.


Como no intervalo fixo o esquema de razão fixa gera inatividade depois da apresentação do reforço. Um vendedor depois de bater sua meta sente-se temporariamente satisfeito, mas por outro lado vem o desânimo de começar tudo outra vez para batê-la novamente. Mas quanto mais ele se aproxima de batê-la, mais se sente motivado a cumpri-la. O esquema de razão variável corrige este problema do esquema de razão fixa, ou seja, o problema da inatividade após a apresentação do reforço. O raciocínio é semelhante ao esquema de intervalo variável, pois a primeira resposta depois do reforço tem probabilidade de ser reforçada, ou seja, nunca se sabe quando o reforço será apresentado, o que acaba mantendo um bom nível de atividade.


O que ocorre nas máquinas de caça-níqueis é que estas operam em um esquema de razão variável. O prêmio depende das apostas. Mas a questão é que para ganhar um prêmio irrelevante o apostador tem que realizar muitas apostas. Ele aposta muito e ganha muito pouco, mas acaba ganhando. O que ele ganha reforça o comportamento de apostar, comportamento que ocorreu diversas vezes para que o prêmio fosse produzido. No entanto, como se vê na reportagem, as casas de bingo clandestinos utilizam outros meios para o reforçamento dos comportamentos de apostar. Contam com um grupo de funcionários treinados para tratar bem os apostadores. Algumas casas de bingo até mesmo oferecem comida “gratuita”. Logicamente que a comida não é gratuita, pois esta é oferecida com base naquilo que a casa de bingo fatura, ou seja, o apostador acaba pagando por aquilo que ele acredita estar recebendo de graça.


Os esquemas de razão variável das máquinas geram comportamentos “compulsivos” de apostar cada vez mais. Por isso estas casas de jogos de azar precisam ser regulamentadas, pois utilizam esquemas de reforçamento que podem lesar o apostador, e geralmente eles são lesados. Muitos se endividam. Até mesmo precisam de tratamento posterior para se livrar dos efeitos destes esquemas de reforçamento.

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