segunda-feira, 26 de março de 2012

Diagnóstico: "uma faca de dois gumes"

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

O diagnóstico em Psicologia Clínica pode ser uma faca de dois gumes. Se por um lado ele pode servir como uma diretriz para o tratamento e como meio para comunicação com outros profissionais da área da saúde, ele pode por outro lado atuar como uma camisa de força, como algo que engessa as ações do psicólogo, no sentido de não fazê-lo enxergar as contingências responsáveis pela ocorrência daqueles comportamentos, que geram todo o desconforto traduzido na queixa do cliente.


Cliente? Isso mesmo. Vou preferir usar o termo cliente em detrimento do termo “paciente”. Paciente tem uma forte conotação médica, por isso pressupõe que aquele que espera pacientemente pela cura esteja apresentando algum tipo de doença, e se não estivesse doente não esperaria pacientemente numa sala de espera pelo antedimento ou pelo reestabelecimento da saúde ao longo de todo o tempo em que durar o tratamento. Paciente tem outra conotação que muito me incomoda. Dá a entender que quem busca a cura recebe passivamente as orientações do profissional da saúde, tendo como único dever observá-las e colocá-las em prática.



Já o termo cliente pressupõe uma relação profissional em que ambos os pólos desta relação assumem uma postura ativa, postura determinante para que possa ocorrer a recuperação. O cliente tem também uma postura ativa no processo psicoterápico na medida em que ele é o próprio agente de mudança de sua vida, sendo, portanto, responsável pela alteração das contingências de reforço que produzem os seus comportamentos. Logicamente que tudo isso se torna possível porque o processo psicoterápico permite-o tornar-se consciente destas contingências, conhecimento que possibilita o planejamento de meios para alterá-las. Este planejamento sempre é feito em parceria com o profissional.

A base de todo este planejamento é o diagnóstico. O diagnóstico é como uma bússola. A bússola tem a função de orientar. Esta também é a função do diagnóstico, ou seja, ele orienta as ações que deverão ser tomadas, tornando possível a alteração das contingências responsáveis pelos comportamentos que produzem todo o desconforto traduzido na queixa do cliente.


Entretanto, o próprio termo “diagnóstico” está impregnado de um sentido médico bastante pernicioso à Psicologia. Pernicioso porque pressupõe a existência de uma doença, de uma patologia de origem mental. Nesta perspectiva a queixa seria a tradução em palavras dos comportamentos que sinalizam a existência da patologia. Estes comportamentos atuariam como sinais indicativos de que algo no mundo mental não vai bem, de que alguma coisa está em desordem, por isso são chamados de sintomas.


No entanto, nem a pessoa que se queixa sabe que seus comportamentos são sintomas que revelam algo que se passa em um mundo obscuro da mente. Podemos ver claramente neste exemplo os reflexos da adoção do modelo médico pela psicologia, modelo que divide o mundo em normal e patológico. Disto resultam esforços na tentativa de se construir uma psicopatologia, uma classificação das doenças mentais e da forma como elas se apresentam através de seus sintomas. Todo este esforço acaba produzindo rótulos diagnósticos, que se por um lado podem facilitar o diálogo entre profissionais da saúde, podem por outro lado obscurecer as contingências responsáveis por aqueles comportamentos que geram todo o desconforto relatado pelo cliente.

Se o cliente não sabe a origem do desconforto é porque não aprendeu a identificar os comportamentos que produzem todo o mal estar sentido, como também não aprendeu analisar as contingências responsáveis por estes comportamentos. Em outras palavras, o desconforto não tem origem em alguma doença mental produzida por uma mente inconsciente e obscura, mas sim nas consequências produzidas pelos comportamentos. Por sua vez estes comportamentos são mantidos por certas contingências de reforço. Sendo assim a origem do desconforto está nas contingências e só quando elas forem modificadas, o desconforto e os comportamentos que o originam modem ser eliminados.

O problema dos rótulos diagnósticos é que eles descrevem somente a topografia (forma) dos comportamentos e não suas funções, até porque isso não seria possível, pois as funções devem ser encontradas nas relações que cada comportamento estabelece com as contingências responsáveis por sua ocorrência. Como cada organismo tem uma história de interação com o meio ao seu entorno, resulta deste pressuposto que as funções de cada comportamento devem ser encontradas na história de reforçamento do organismo.

Por topografia entendemos a forma assumida pelo comportamento, ou seja, suas manifestações públicas, observáveis. Imagine o seguinte relato: “João subiu correndo na árvore para fugir do cachorro”. A topografia se refere à forma como João subiu na árvore. Pode ter subido escalando-a ou usando uma escada. Se foi escalando-a ou usando uma escada pode não fazer muita diferença para a análise do comportamento em questão. Mas a função do comportamento, ou seja, seu sentido, sua intencionalidade, faz sim toda a diferença. João subiu para fugir do cachorro que o perseguia. Pode ser que no passado João conseguiu escapar de cachorros fazendo alguma coisa para deles se distanciar. Pode ter pulado um muro, pode ter se escondido, pode ter subido numa árvore etc. O subir na árvore faz parte daquele conjunto de comportamentos que permite escapar de cachorros, e entre estes estão não somente os comportamentos de subir em árvores. Todos estes comportamentos têm a mesma função, mas topografias diferentes. Aquele comportamento que permite escapar mais eficientemente, provavelmente será reforçado e se tornará mais forte. Mas a emissão deste comportamento dependerá do contexto. Dependerá, por exemplo, se existe ou não uma árvore que possa ser escalada, um lugar para se esconder, um muro para ser pulado etc. As respostas subir em árvore, se esconder e pular um muro, têm todas a mesma função, embora tenham topografias completamente distintas.


Uma análise da topografia do comportamento de João não revelaria a sua intencionalidade, ou seja, não revelaria a sua função. Mas uma análise das consequências que se seguem a este comportamento e dos contextos em que ele ocorre permitiria a identificação de sua função. Alguém desavisado que viu João correndo de cachorros algumas vezes, poderia dizer que ele tem fobias de cachorros. Fobia é um rótulo diagnóstico, e como todo rótulo diagnóstico padece do mal de ser apenas descritivo, de apenas descrever o comportamento em sua aparência (topografia).

Mas só a análise do comportamento de João poderia levar a conclusão se ele tem ou não fobia de cachorros. Para ter fobia de cachorros não bastaria fugir de cachorros. A temática “cachorro” teria que ser suficiente para trazer prejuízos funcionais para João, ou seja, para o funcionamento geral de João. De repente, João deixaria de fazer muitas coisas interessantes porque poderia encontrar com cachorros na rua. Poderia abdicar de momentos de prazeres por causa da possibilidade de encontrar com cachorros. João poderia se sacrificar para ir para o trabalho por causa de cachorros. Imaginemos que o trabalho de João é perto de sua casa. João poderia ir para o trabalho andando, mas para fugir da possibilidade de encontrar com cachorros ele vai de carro. Isso faz João ter um gasto adicional no fim do mês por causa do combustível consumido pelo veículo.

Este tipo de análise leva em conta a frequência do comportamento, sua intensidade quando da sua ocorrência, como também os seus efeitos. Isso chamamos de análise funcional do comportamento. A análise funcional é bem diferente da análise topográfica, pois não se limita aos aspectos públicos do comportamento, e nem pressupõe que estes aspectos públicos são sintomas de algo oculto, de alguma patologia mental. A análise funcional está mais interessada em desvendar as funções do comportamento, e isso é feito identificando as relações que o comportamento estabelece com o meio.

Nesta perspectiva não se fala em doença, pois o comportamento por mais disfuncional que seja, por mais que produza prejuízos para o funcionamento global do indivíduo, ele é um produto das contingências de reforço. Se faz algum sentido falar de “patologias” em psicologia, estas são “socialmente construídas”, ou seja, são produtos da história de interação do indivíduo com o mundo ao seu redor. Como é desnecessário e contraproducente falar em patologia, pois esta perspectiva gera confusões as mais diversas, é mais pragmático tentar entender que história é responsável pela ocorrência de um determinado comportamento, ainda que este acarrete em inúmeros prejuízos para o indivíduo que se comporta. Todo comportamento é comportamento selecionado pelas contingências de reforço. Mesmo os comportamentos mais disfuncionais são produtos da história de interação com o meio.

Sendo assim, rótulos diagnósticos podem não dizer muita coisa. No máximo descrevem a topografia de alguns comportamentos. Alguém que tem algumas manias não necessariamente “tem” Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Não é porque uma pessoa separa as roupas por cores nas gavetas que ela tem TOC. Este comportamento de separar por cores teria que ser analisado de acordo com o nível de interferência que pode causar no funcionamento global da pessoa. Para isso seria necessário identificar sua frequência e sua intensidade. E a partir destes parâmetros investigar se o separar por cores produz desconfortos emocionais que acarretem em prejuízos funcionais. Se a esta forma de se comportar estão associados comportamentos emocionais que interferem em outros comportamentos produtivos, privando desta forma a pessoa de reforçadores importantes, poderia se levantar a suspeita de rituais compulsivos e de comportamentos encobertos repetitivos (obsessões).


Obsessões e compulsões são termos que indicam no máximo que existem comportamentos que se repetem com frequência, sendo que obsessões se referem a comportamentos encobertos e compulsões a comportamentos públicos. Porque isso acontece e as consequências acarretadas pela repetição, é uma questão para ser analisada funcionalmente. Embora, topograficamente o comportamento de separar as roupas por cores possa sugerir o indício de uma compulsão, funcionalmente este comportamento pode apenas significar, que a separação por cores facilita a escolha das roupas na hora de se trocar ou facilita a realização de combinações de peças de cores diferentes. A topografia pode ser enganosa, por isso todo cuidado é pouco com os rótulos diagnósticos. Além do mais, o uso indiscriminado dos rótulos diagnósticos pode levar a uma patologização da vida cotidiana, o que levaria a um psicologismo sem medidas.


Portanto, o diagnóstico pode ser uma “faca de dois gumes” na medida em que obscurece as contingências responsáveis pelo comportar-se, mesmo que este comportar-se seja produtor de prejuízos funcionais os mais diversos, e na medida que contribui para uma patologização da vida cotidiana, criando assim a falsa impressão de que a Psicologia é a ciência que estuda o funcionamento mental e as patologias que acarretam em um mal funcionamento da mente.

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terça-feira, 20 de março de 2012

O Amor vicia: amor tem mesmos efeitos das drogas no cérebro

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Estudo revela que uma relação amorosa tem o mesmo efeito das drogas no cérebro. Clique aqui para ver. Tanto as drogas quanto o amor são responsáveis pela ativação de um sistema cerebral conhecido como sistema de recompensa. O sistema de recompensa é responsável pela produção das sensações de prazer. Até aqui tudo bem. O problema é querer explicar o comportamento de se “viciar” em alguém somente através de mecanismos cerebrais.



De acordo com os cientistas nos “viciamos” em pessoas da mesma forma que podemos nos viciar em drogas e isso acontece por causa da atuação deste sistema de recompensa. De acordo com eles nosso cérebro elege alguém. A partir desta eleição temos motivação para buscar esse alguém. Quando encontramos vem logo a sensação de prazer, de recompensa. Assim se estabelece as circunstâncias para que seja gerado o vício e todas as sensações normalmente produzidas quando se está viciado em alguma substância entorpecente: felicidade, ansiedade, angústia etc.



Embora este estudo seja importante por mostrar que o amor e as drogas ativam as mesmas regiões do cérebro, seria um grande reducionismo querer explicar o comportamento de se “viciar” em alguém apenas através de mecanismos neurofisiológicos. Tornar-se dependente de alguém tem relação com os reforços obtidos no relacionamento, com a história de reforçamento (história de vida) de quem se torna dependente, com as regras que a pessoa foi construindo ao longo da vida para explicar suas relações com os parceiros etc.

O comportamento de se tornar dependente de alguém precisa ser analisado não à luz de mecanismos neurofisiológicos, mas sim a partir das contingências de reforço responsáveis por sua ocorrência. Precisa ser analisado a partir das relações que estabelece com suas consequências e com os contextos em que ocorre. Estes contextos incluem as descrições que a pessoa faz de seu comportar-se, ou seja, as regras que foi criando ao longo de sua vida para explicar suas relações com o mundo. Incluem as regras que foi aprendendo com o mundo para explicar sua própria existência.


Contudo, essas regras nem sempre são fiéis às contingências, ou seja, nem sempre as descreve como elas são. Isso significa dizer que nem sempre percebemos o mundo como ele é. Daí surgem muitas complicações. Uma pessoa que teve uma história de reforçamento em que houveram muitas punições e não teve oportunidade de desenvolver um repertório extenso de habilidades sociais, pode se agarrar a qualquer relacionamento que aparecer, pois os reforços foram tão escassos em sua vida que qualquer relacionamento que os provê pode se tornar fonte potencial de obtenção de prazer. Como consequência esta pessoa pode se “viciar” neste relacionamento. E pode também criar uma falsa regra: “preciso me agarrar a este relacionamento, pois é tudo que tenho”. A regra cria a impressão de que o relacionamento é a única fonte de reforçamento existente, por isso a necessidade de a ele se agarrar. Trata-se de uma falsa regra, pois o relacionamento não necessariamente precisa ser a única fonte de reforçamento. Então, a pessoa deve ser encorajada a experimentar outras fontes de reforçamento, a se expor a novas contingências para adquirir outros comportamentos capazes de produzirem reforços positivos. Desta forma ela ainda tem a oportunidade de formular novas regras que de fato descrevam as contingências como elas são, o que leva a novas descobertas, de maneira que a pessoa seja capaz de dizer para si mesma: “meu relacionamento não é minha única fonte de felicidade”. Que fique claro que este caso se refere a uma situação hipotética, e podem existir inúmeras outras situações que envovem o tornar-se dependente de alguém.

É quando nos expomos a novas contingências que temos a oportunidade de adquirir novos comportamentos e de reformular antigas regras e criar outras novas, alterando assim a nossa percepção do mundo como dizem os mentalistas. É assim que vamos ampliando a nossa visão de mundo. Logicamente que este é um processo que pode envolver algum sofrimento, pois quando nos expomos a novas contingências antigos comportamentos certamente deixarão de ser reforçados, com isso começam a entrar em extinção, e com a extinção surgem sentimentos como tristeza, angústia, mal-estar etc. Por outro lado novos comportamentos vão sendo modelados, o que amplia a possibilidade de obtenção de reforços positivos.

Portanto, o comportamento de se tornar dependente, seja de uma substância entorpecente, seja de alguém, precisa ser compreendido a partir da história de vida/história de reforçamento do organismo. É na história que vamos encontrar os sentidos do comportar-se, ou seja, é na história que vamos encontrar suas funções, pois através dela serão evidenciadas as relações estabelecidas com o meio, relações responsáveis pela forma e intencionalidade assumidas pelo comportamento.

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sexta-feira, 16 de março de 2012

Moscas alcoólatras?: o condicionamento operante em moscas

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Em recente estudo feito por cientistas da Universidade da Califórnia nos EUA, moscas macho foram separadas em dois grupos. (Clique para ver a reportagem). Um grupo teve acesso a fêmeas receptivas, enquanto o outro teve acesso a moscas arredias. O grupo que teve acesso a moscas arredias pôde acessar em seguida dois tipos de alimentos, um com álcool e outro sem álcool. Com isso os cientistas puderam constatar que as moscas rejeitadas gostam mais da bebida alcoólica.


De acordo com os cientistas isso acontece por causa de uma substância produzida pelo sistema de recompensa do cérebro. Quanto menor for a produção desta substância, maiores são as chances da mosca ingerir a bebida alcoólica. Embora este estudo revele alguns dos mecanismos cerebrais relacionados com a ingestão de bebida alcoólica, de modo que se possa pensar se existem ou não mecanismos semelhantes na espécie humana, e provavelmente eles existem, não precisamos reinventar a roda na tentativa de explicar o comportamento de animais ou mesmo o comportamento humano, ou seja, mesmo que as ciências do cérebro não tivessem avançado ao ponto de revelar estes mecanismos, a ciência do comportamento humano (Análise Experimental do Comportamento) evoluiu o bastante para revelar as leis comportamentais responsáveis pelo comportar-se, sem que seja necessário invocar mecanismos neurofisiológicos ou mentais para explicar como agimos.

Não se trata de ignorar os avanços das ciências do cérebro, mas suas descobertas podem contribuir para a ressureição das teorias do homúnculo - se é que elas de fato morreram -, mas agora este deixa de ser mental para ser cerebral. As teorias do homúnculo são aquelas que invocam a existências de entidades interiores ao organismo para explicar o comportamento, teorias que propõem uma espécie de eu iniciador, um eu localizado nas entranhas do ser. É o velho dualismo mente/corpo, mas agora revestido do discurso das ciências do cérebro. O homúnculo deixa de ser a mente e o cérebro assume o seu lugar. Assim ficamos a um passo de uma proposta medicalizante, de uma proposta que queira produzir modificações comportamentais por meio de mudanças na química cerebral, e isso seria um reducionismo terrível.



Comportamento animal ou humano, ambos estão submetidos às mesmas leis. Mesmos os “organismos inferiores” como os insetos têm comportamentos que são afetados por suas consequências. Logicamente que a quantidade de comportamento operante nestes organismos é muito menor do que em humanos. No experimento relatado as moscas rejeitadas buscaram mais o alimento com álcool do que o alimento sem álcool.  Disto podemos inferir que não podendo obter satisfação por meio da cópula, as moscas puderam obtê-la por meio do álcool. Se o comportamento de buscar o álcool entre moscas rejeitadas aumentou de frequência, pode se pensar que o álcool atuou como reforçador para o comportamento de buscá-lo. Temos então neste caso uma relação entre um comportamento e a consequência por ele gerada. 


Fazendo uma transposição para uma situação humana, não é difícil imaginar que alguém que não encontre reforços na relação com o(a) parceiro(a) possa empreender esforços para buscá-los em outras fontes. Isso ao menos serve para pensarmos nossas relações. Se elas não estão sendo reforçadoras, podemos estar criando um precedente para que nossos parceiros busquem satisfação em outros lugares. Fica a dica!

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quinta-feira, 15 de março de 2012

Contingências imediatas X Contingências postergadas: o caso do fumar e uma breve análise da regulamentação da adição de sabor em cigarros criada pela ANVISA

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O uso de substâncias que causam algum tipo de dependência é um hábito tão antigo quanto a própria humanidade. Desde que o Homem é Homem ele faz uso de substâncias que alteram os seus estados fisiológicos e psicológicos, alterações que produzem sensações imediatas, sensações que geralmente são descritas como prazer quando a contingência em operação normalmente é de reforçamento positivo e de alívio quando comumente se trata de uma contingência que envolve reforçamento negativo.

A princípio é difícil fazer uma afirmação generalizada e dizer que o uso do tabaco envolve somente contingências de reforçamento positivo. Cada caso deve ser analisado em particular. Há casos em que claramente o efeito do uso do tabaco é de provocar sensações de prazer. Há outros casos em que o ato de fumar proporciona um alívio decorrente da eliminação de estímulos aversivos (punitivos), seja porque o fumar “desloca” temporariamente a atenção do evento aversivo, seja porque é capaz de induzir estados fisiológicos que se sobrepõem àqueles estados produzidos por este tipo de evento.

De qualquer forma, se a operação em vigor for de reforçamento positivo ou negativo, o que importa é que o fumar está sendo reforçado, seja pelo acréscimo de certos estímulos ou pela retirada de outros. Somado a isso existe o fato da nicotina e outras substâncias presentes no cigarro serem capazes de produzirem dependência física. Outra questão importante é que o fumar produz a longo prazo consequências aversivas: mau hálito, amarelamento dos dentes, dificuldades respiratórias, possibilidade de desenvolvimento de algum tipo de câncer (lábios, cavidade bucal, laringe, pulmão etc), possibilidade de desenvolvimento de doenças cardiovasculares etc.


Mesmo o fumante sabendo de todos os riscos que envolve a longo prazo o fumar, ele dificilmente abandona o hábito. Temos aqui a disputa entre dois tipos de contingências: as contingências imediatas e as contingências postergadas. Logicamente que as contingências imediatas acabam sobrepujando os efeitos das contingências a longo prazo. A imediaticidade do reforço produzido pelo fumar impede que o fumante entre em contato com os efeitos das contingências postergadas, das contingências aversivas a longo prazo. Mesmo que o fumante seja capaz de descrever para si todos os efeitos aversivos das contingências postergadas, o efeito imediato dos reforços gerados pelo ato de fumar acaba tendo maior poder de controle sobre o comportamento.

Para parar de fumar é necessário entrar em contato com as contingências postergadas e seus efeitos, como também é necessário que outros comportamentos substituam o fumar, e que esses comportamentos sejam capazes de produzir reforços tão poderosos quanto os produzidos pelo ato de fumar, mas reforços que não produzam efeitos desastrosos a longo prazo. Trata-se de migrar do controle imediato das contingências que envolvem o fumar e seus efeitos, para estar sob controle de regras que descrevam os efeitos das contingências postergadas, e ao descreverem reproduzam alguns destes efeitos, afim de que o fumante possa se engajar num comportamento de esquiva, ou seja, num comportamento que evite os efeitos danosos do fumar. O comportamento de esquiva é um comportamento mantido por reforçamento negativo. Mas somente isso não é suficiente. No presente o fumante precisa entrar em contato com poderosas contingências de reforçamento positivo que modelem comportamentos que substituam o comportamento de fumar. É alterando as contingências que se altera o comportamento de fumar, criando assim a possibilidade de que outros comportamentos mais adaptativos sejam modelados.

Mas esta não é uma tarefa fácil, pois tendo a indústria de tabaco perdido terreno na mídia há alguns anos, esta tem investido na criação de meios que tornem o tabaco um poderoso estímulo reforçador. Uma das alternativas para que isso pudesse acontecer foi o lançamento dos cigarros com sabor. O objetivo desta alternativa é atingir cada vez mais o público jovem, público que é formado por pessoas que tem alto potencial de consumo, não somente do tabaco como também de outros bens que atuem como reforçadores.

E parece que a alternativa vem dando certo, tanto que a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) resolveu se posicionar. A Agência lançou uma portaria proibindo a utilização de substâncias que adicionem sabores aos cigarros tornando-os um atrativo. Veja reportagem a respeito clicando aqui. De acordo com técnicos (cientistas) da ANVISA entre 2007 e 2010 o número de marcas de cigarros com sabor passou de 21 para 40. Os dados não mentem. Este é um mercado lucrativo. Se aumentou o número de marcas de cigarros com algum tipo de sabor, é sinal de que o sabor é um reforçador adicional no cigarro. Se este reforçador pode aumentar a probabilidade do fumar, por que não regulamentar (proibir) a adição de sabor em cigarros?


Logicamente que a medida causou descontentamento entre os fabricantes de cigarros, pois ela pode representar a perda de algumas cifras no faturamento destas empresas. E como é sabido a suspensão de reforçamento positivo pode causar reações as mais adversas, desde frustração até agressões. Resta saber se a medida pode contribuir a longo prazo para que o consumo de tabaco entre os jovens possa declinar. Tenho dúvidas a este respeito, pois seriam necessárias outras contingências para produzir este resultado. No entanto, esta já é uma iniciativa para regular um nicho de mercado que tantos prejuízos produz para a saúde de tantas pessoas. 

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sexta-feira, 9 de março de 2012

Garçonetes de uma cafeteria nos EUA usam lingerie para aumentar as vendas: conversando sobre emoções

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Você já foi em uma cafeteria, restaurante ou lanchonete em que as garçonetes usassem lingerie? Provavelmente não. Mas pasmem, este tipo de estabelecimento existe. No estado da Flórida nos EUA um grupo de garçonetes resolveu usar lingeries para aumentar as vendas entre o público masculino (clique para ler a reportagem). A questão é que provavelmente esta estratégia apelativa vá funcionar como tem funcionado na mídia há bastante tempo.


É comum vermos, por exemplo, em propagandas de cervejas mulheres sensuais usando biquinis ou outro tipo de peça íntima.


Há alguns anos atrás algo parecido ocorria em propagandas de cigarros. Não acontece mais porque a legislação que regula a venda de tabaco tem proibido esse tipo de estratégia de marketing. Mas por que este tipo de estratégia geralmente funciona?


Há quem diga que estas estratégias funcionam porque provocam certas emoções que levam a pessoa ao uso do protudo que está sendo vendido. Mas não são as emoções as responsáveis pelo comportamento de comprar. Então esta é uma boa oportunidade para explanarmos sobre como de modo geral as emoções são entendidas pelo Behaviorismo Radical.

Primeira coisa a ser entendida: emoções são comportamentos. Isso mesmo, emoções são comportamentos. Geralmente estamos acostumados a pensar as emoções como a força motriz que nos impulsiona a nos comportarmos desta ou daquela forma. Pensamos assim porque o que sentimos ocorre pouco antes de nos comportarmos ou mesmo durante o momento que estamos nos comportando, e como em nossa civilização ocidental fomos educados para entender que causa é todo evento que antecede e provoca um determinado efeito, acabamos por tomar as emoções como causa do comportamento.

Não só estamos acostumados a tomar as emoções como causa do comportamento, como também estamos acostumados a entendê-las como estados mentais. Já vimos em outros posts a posição do Behaviorismo Radical com relação ao mentalismo. O Behaviorismo Radical rejeita toda forma de explicação mentalista do comportamento porque este tipo de explicação geralmente são ficções explanatórias, ou seja, são invenções conceituais que ao invés de explicarem precisam ser explicadas.

Muito embora o Behaviorismo Radical rejeite toda forma de mentalismo, ele não exclui dos estudos da psicologia os eventos privados. Como já tivemos oportunidade de mostrar em outro post a subjetividade encontra no Behaviorismo Radical um lugar de estudos, mas não como sinônimo de vida mental.

As emoções são exemplos de eventos que normalmente chamamos de subjetivos. Por subjetivo geralmente se entende algo que é interno e intrínseco ao indivíduo que se comporta. A dicotomia dentro/fora do sujeito não transforma  um evento em algo especial regido por leis comportamentais diferentes daquelas que regem os eventos públicos.

Os eventos privados - e privado é tudo que não é público e diretamente acessível - não são regidos por leis que sejam diferentes dos eventos públicos. Os eventos privados também são eventos comportamentais, portanto devem ser entendidos a partir das contingências de reforço do qual fazem parte. A questão é que a acessibilidade a estes eventos tornam as contingências responsáveis por sua ocorrência mais difíceis de serem estudadas. E esta é a razão porque se inventam tantas explicações fictícias que apelam para a existência de eventos e estados mentais.

Parte do ato de emocionar-se ocorre de modo privado. Por isso é tão difícil falar de emoções. É difícil falar de emoções porque aprendemos a falar de nossos estados emocionais com quem não tem acesso diretamente a estes estados. Aprendemos a falar do nosso mundo privado, ou seja, aprendemos a nomear os eventos privados - e as emoções são exemplos de eventos privados - com a comunidade verbal em que estamos inseridos. Entendam comunidade verbal como os outros que fazem parte do mundo em que vivemos.

A questão é que a comunidade verbal não tem acesso aos eventos privados que ela nos ensina a relatar. Por isso todos os termos que geralmente se referem às emoções são geralmente imprecisos, pois a descrição dos eventos privados é também imprecisa na medida em que é aprendida com quem não tem acesso a eles. Imagine uma criança que ao dar seus primeiros passos cai e machuca. Ao cair ela começa a chorar. Então um dos pais (comunidade verbal) pega no colo e diz: "coitadinho(a) fez dodói". A comunidade verbal inferiu a existência de um evento privado (dor) a partir da ocorrência de um evento público (cair). Assim vamos aprendendo a nomear nossos eventos privados, inclusive as emoções.

Mas no exemplo da criança tanto a dor (evento privado) quanto o  comportamento de chorar foram provocados pelo mesmo evento: a queda. Logicamente que com isso a criança aprende alguma coisa: ao cair ela pode contar com o amparo dos pais, sobretudo pode chamar a atenção destes. Ou seja, o comportamento de chorar pode ser selecionado por esta contingência de reforço. E este comportamento pode se generalizar, e em outras ocasiões a criança pode fazer algo errado ou simular que se machucou para obter a atenção dos pais. Logicamente que os pais irão discriminar quando é simulação ou não, e colocarão em extinção o comportamento de simular.

Opa, apareceu um novo conceito que ainda não conhecíamos: extinção. No comportamento operante a extinção diz respeito ao processo de enfraquecimento de um comportamento pela remoção dos estímulos reforçadores. Deixando de apresentar os reforços para o comportamento de simular, logo este comportamento se enfraquecerá e desaparecerá. Mas antes de desaparecer provavelmente ele será emitido muitas vezes, e diversas vezes quando for emitido certamente será acompanhado de birras e choro.


Se o comportamento de simular foi reforçado muitas vezes no passado, mais intesas serão as birras e choros. Estas reações emocionais de birra e choro são consequências da operação de suspenção do reforçamento positivo. Vamos a outro exemplo. Quando alguém que gostamos morre ou vai embora para longe, nos sentimos tristes e as vezes choramos. Mas choramos e nos sentimos tristes pelos mesmos motivos, ou seja, por causa que a partida da pessoa levará a suspensão dos reforços que só ela é capaz de apresentar. Não é a tristeza que provoca o choro. Choro e tristeza são provocados pela contingência de reforço que envolve a partida da pessoa que gostamos.


Então emoções são produtos das contingências de reforço ao qual somos expostos. Neste sentido elas são comportamentos, pois são modeladas pela exposição às contingências. Como comportamentos as emoções se manifestam tanto por meio de modificações que ocorrem em nosso corpo (comportamentos respondentes) quanto por disposições que sentimos ao nos emocionarmos.

Votemos às garçonetes e musas das propagandas de cervejas. Alguém que for à cafeteria tomar café poderá desfrutar do prazer de ver mulheres bonitas usando lingeries. Mulheres usando lingeries são estímulos discriminativos que sinalizam a possibilidade de obtenção de prazer via comportamento de observação.  Enquanto tomam café os homens sentem prazer por observarem as garotas com lingerie, sendo assim torna-se mais provável que voltem à cafeteria, e também é provável que o comportamento de beber café se torne um hábito ainda mais prazeroso.

Por associação do reforço "garotas de lingerie" com o comportamento de beber café, pode ser que o beber café naquela cafeteria se torne mais provável. Se o efeito desta associação se generalizar, provavelmente estes homens passarão a beber mais café e todas as vezes que o fizerem sentirão um prazer a mais sem se darem conta disso. Há dois componentes neste comportamento de ir à cafeteria para beber café ou mesmo no comportamento de beber café que se generalizou para outros ambientes. Há o prazer que pode se manifestar via excitação sexual. Claramente trata-se de um comportamento respondente. Há ainda a disposição para beber mais café na cafeteria ou em outros ambientes por causa do prazer associado ao beber. Esta disposição é comportamento operante selecionado pelas consequências associadas ao ato de beber café. O mesmo princípio está embutido nas propagandas de cervejas.

Mais um exemplo para que fique tudo claro. Imagine alguém com raiva. Uma pessoa com raiva ao mesmo tempo sente seu estômago queimando, seu rosto ardendo, seu coração acelerado e seus membros inferiores tremendo. Estômago queimando, rosto ardendo, coração acelerado e membros inferiores tremendo são exemplos de modificações no organismo, são exemplos de comportamentos respondentes. Certamente, por causa destas modificações que sentiu em seu corpo a pessoa dirá que está com raiva, pois outras vezes que sentiu a mesma coisa no passado, a comunidade verbal ensinou-a a descrever estes comportamentos respondentes (modificações fisiológicas) como algo que pode ser chamado de raiva.



Mas ao mesmo tempo a pessoa com raiva sente uma disposição de atacar a fonte provocadora deste sentimento. Esta disposição é comportamento operante. Talvez no passado quando a fonte da raiva foi atacada, o sentimento foi cessado, por isso no presente volta a sentir a mesma disposição. Neste caso contingências do passado modelaram esta disposição. Se atacar a fonte da raiva não for possível, a pessoa pode atacar um outro objeto. Muitas pessoas que sofrem contrariedades no trabalho e não podem revidar por receio de perder o emprego, ao chegarem em casa maltratam os familiares, neste caso se os familiares revidarem nenhum mal mais grave acontecerá, pelos menos é o que se presume.

Portanto, na estratégia de marketing das garçonetes e das propagandas de cervejas estão embutidos os princípios do condicionamento respondente e operante. Tais princípios geram certas disposições emocionais. Mas não são as emoções que levam a maior ingestão de café ou cerveja. Tanto as emoções quanto o ato de ingerir estas bebidas são produtos das contingências que os selecionaram. Sendo assim, fica claro que há um lugar para as emoções no Behaviorismo Radical, mas estas são comportamentos como  quaisquer outros, e só serão entendidas se forem analisadas à luz das contingências de reforço responsáveis por sua seleção.

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